Há muito, muito tempo, quando era tudo a-preto-e-branco e
ainda não havia som...
...nos comboios a-preto-e-branco que partiam lentamente de Nizhni Novgorod para leste, os passageiros a-preto-e-branco mantinham-se de pé, durante os primeiros minutos da viagem. Colados à janela, olhavam para a paisagem a-preto-e-branco e aos poucos começavam a tirar os seus chapéus a-preto-e-branco, em reverência ao rio Volga.
Hoje em dia, além de cores e som de alta-definição, há efeitos especiais XPTO, bandas sonoras e remixes, make up, 3D, slow motions, dolby surrounds e as modernices que já se sabe. Já muito pouca gente usa chapéu - e quase ninguém dá pelo rio que acompanha por breves instantes a linha transiberiana, ocupados que estão com os seus ipads e ipods.
O rio: continua lá. É o maior da Europa. Nasce nas montanhas de Valdai e percorre 3700km até ao Mar Cáspio - incrível... deve ser uma aventura, percorr|e-lo... mas aqui entre nós, também não dei por ele. Saí de Nizhni Novgorod às 23:11, noite cerrada, não vi rio nem vi mais nada.
Sentei-me na cabine que me foi indicada, era o único ocupante, esperavam-me 30 horas de viagem. Tinha comprado farnel no supermercado, um kit com talheres, pratos, copos, guardanapos... à espera de partilhar uma refeição e histórias de vida - mas nada. Sozinho.
Adormeci cedo e acordei tarde. Nada mau. Mas algo de estranho se passou, durante a noite. Quando fui para a cama, as pessoas eram todas loiras e de olhos azuis; e de manhã, só vi olhos em bico, cabelos lisos e escuros... que estranho fenómeno se terá passado? Tentei investigar os factos, torturei alguns passageiros, subornei a tripulação... e acabei por descobrir que tinha atravessado, durante a noite, a fronteira entre a Europa e a Ásia. Tudo explicado, portanto. Nada mais a acrescentar. ;)
...nos comboios a-preto-e-branco que partiam lentamente de Nizhni Novgorod para leste, os passageiros a-preto-e-branco mantinham-se de pé, durante os primeiros minutos da viagem. Colados à janela, olhavam para a paisagem a-preto-e-branco e aos poucos começavam a tirar os seus chapéus a-preto-e-branco, em reverência ao rio Volga.
Hoje em dia, além de cores e som de alta-definição, há efeitos especiais XPTO, bandas sonoras e remixes, make up, 3D, slow motions, dolby surrounds e as modernices que já se sabe. Já muito pouca gente usa chapéu - e quase ninguém dá pelo rio que acompanha por breves instantes a linha transiberiana, ocupados que estão com os seus ipads e ipods.
O rio: continua lá. É o maior da Europa. Nasce nas montanhas de Valdai e percorre 3700km até ao Mar Cáspio - incrível... deve ser uma aventura, percorr|e-lo... mas aqui entre nós, também não dei por ele. Saí de Nizhni Novgorod às 23:11, noite cerrada, não vi rio nem vi mais nada.
Sentei-me na cabine que me foi indicada, era o único ocupante, esperavam-me 30 horas de viagem. Tinha comprado farnel no supermercado, um kit com talheres, pratos, copos, guardanapos... à espera de partilhar uma refeição e histórias de vida - mas nada. Sozinho.
Adormeci cedo e acordei tarde. Nada mau. Mas algo de estranho se passou, durante a noite. Quando fui para a cama, as pessoas eram todas loiras e de olhos azuis; e de manhã, só vi olhos em bico, cabelos lisos e escuros... que estranho fenómeno se terá passado? Tentei investigar os factos, torturei alguns passageiros, subornei a tripulação... e acabei por descobrir que tinha atravessado, durante a noite, a fronteira entre a Europa e a Ásia. Tudo explicado, portanto. Nada mais a acrescentar. ;)
O resto do dia passou-se sem mais sobressaltos. Fartei-me de escrever, tirei algumas fotos, e apercebi-me de que o comboio ia seguir para Tobolsk, a minha próxima paragem.
Nada de anormal, não fosse o caso de eu só ter comprado bilhete para Tyumen. Tobolsk fica a 4 horas de comboio de Tyumen.
E porque raio eu só comprei bilhete até Tyumen?
Muito simples, passo a explicar: Tobolsk é um desvio da linha transiberiana. Ou seja, eu tinha comprado bilhete só até à estação mais perto (Tyumen) e, segundo os meus planos, aí apanharia novo comboio para Tobolsk. Mas este ia mesmo para lá. Directo. Sem paragens. Sem desvios. Melhor ainda: seguia pela Sibéria adentro, até ao Circulo Polar Ártico!
Eu não precisava de ir tão longe... mas assim de repente, parecia-me estúpido ter de sair às 4 da manhã em Tyumen para esperar mais não sei quanto tempo até outro comboio que fosse para Tobolsk.
"Tenho de ficar neste comboio", pensei com os meus botões.
E eles responderam: "não fales connosco, isso é com os teus bolsos."
Discuti o assunto com os meus bolsos, portanto - e decidimos abordar a provodnitsa de serviço. A provodnitsa, já agora, é a senhora responsável pela carruagem. Ela fez a cara feia do costume, uma cara a-preto-e-branco, sem som, fingiu que não percebeu. Eu insisti: encolheu os ombros. Insisti outra vez: ignorou-me. E quando voltei a chateá-la, umas horas mais tarde, disse-me claramente que não me ia ajudar e mandou-me ir para a cama dormir (anoitecera outra vez), porque o comboio chegava às quatro da manhã a Tyumen. E eu ia sair aí.
2 comentários:
Também acordaste com os olhos em bico?...
Se confirmas os resultados da transformação, apanho o proximo comboio mas no sentido inverso! :)
bj,
patricia
De facto, Jorge, 30 horas dá para fazer muita coisa, desde escrever belas crónicas até fotografar todos os pormenores desse Transiberiano!!! E, afinal, a noite teve um final feliz, apesar dos mil rublitos...!
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