31/08/2011

À GRANDE E À RUSSA

Até um dia chato tem os seus momentos caricatos. E hoje volto a um tema que já foi abordado durante esta viagem, e que tem dado pano para mangas: os casamentos.

Antes de mais: muito se casam, estes russos! Não há sexta ou sábado que não veja pelo menos umas oitocentas e setenta e três noivas.

Em Suzdal vi vários casamentos - e apesar de ter tirado fotos aos noivos e convidados, aos carros e outros pormenores, optei por partilhar apenas a tradição dos cadeados nas pontes.

Assim sendo, hoje volto ao tema e apresento outra característica muito típica: as limousines. Há de tudo: Hummers, BMWs, Mercedes, marcas americanas cujo nome desconheço. Compridas como é suposto, exageradamente enfeitadas porque assim manda a parolice... as limousines russas são um mimo, e circulam pelas cidades com os convidados em caravana, parando em pontos estratégicos para tirar fotografias, fazer brindes, dançar - vale tudo, a festa é literalmente feita na rua.




















30/08/2011

E POR FALAR EM ARTE...

...no Kremlin da cidade havia uma exposição com pinturas de crianças que deram a sua ideia do que é, para eles, a aventura do espaço. Entre muitas naves, extraterrestres, planetas e cometas, fiz uma selecção. Não é bem street art, mas é um bom começo. "De pequenino se torce o pepino", não é?













E só para ser mauzinho: quantos destes meninos terão sido "ajudados" pelos paizinhos? ;)



I ♥ STREET ART #01

Apesar de já ter publicado aqui fotos de grafittis, stencils e outra formas de arte urbana, ando há não-sei-quanto-tempo para começar esta rubrica no blog. Nem sei porque ando a adiar, pois tenho muita "matéria prima" em arquivo. à espera. ;)

Mais vale tarde que nunca, não é?, e hoje parece-me um bom dia. O que acaba por ser irónico é iniciar uma rubrica dedicada à arte urbana com fotografias tiradas num dia que apelidei de "chato".

Ladies and gentlemen... arte urbana em Niznhi Novgorod, formely known as Gorki, com vista sobre o rio Volga e um strogonoff delicioso!






29/08/2011

HÁ DIAS ASSIM

Há dias assim: em casa, de férias, no escritório, na praia, sozinho ou acompanhado - é inevitável como os impostos, não há como disfarçar, fingir que não se vê. Há dias assim: chatos.

E o dia em que estive na quarta maior cidade russa foi um desses dias. Não vou procurar bodes expiatórios. Não vou culpar a cidade, que provavelmente não tem nada a ver com isto, coitada, esteve fechada tanto tempo aos turistas e agora vem este marmelo dizer isto-e-aquilo. Calhou ser aqui. E também não me vou fazer de coitadinho e entrar em dramas interiores, crises de identidade. Acontece. Há dias chatos. Há dias que são uma grandessíssima seca.

E porque descrevê-lo seria quase tão "secante" quanto vivê-lo, ficam algumas fotos da minha breve passagem em Nizhni Novgorod. Espero que enganem bem. ;)

























Eu sei de um sítio que não vai fazer parte da viagem da nomad em 2012. :)

OS ANJOS DA GUARDA

O post "Sabes que estás na Rússia", que publiquei há exactamente duas semanas, acaba com uma frase que pode não ter feito muito sentido para a maioria das pessoas - mas que é uma verdade incontornável na Rússia. Dizia assim:

"Há um coração grande e sorrisos escondidos atrás das esquinas, não se preocupem. Quando menos se espera, eles aparecem."

A primeira vez que experimentei esta máxima foi no metro. Estava meio-perdido, a tentar chegar à Embaixada da Mongólia, quando um jovem moscovita se prestou a desviar a sua rota para me levar até à ligação certa. Acompanhou-me ao longo de várias estações, trocámos uma vez de linha e pouco depois indicou-me que tinha de sair na terceira paragem. E voltou à sua vida.

Mas foi em Nizhni Novgorod, sem dúvida alguma, que esta espécie de "anjos da guarda" atingiu o extremo. Era quase uma da manhã e eu a ver, como se diz, "a vida a andar para trás". Os hoteis estavam todos cheios ou não me queriam receber, sabe-se lá porquê. E eis que surge um casalinho-pipoca, os dois muito giros, de mochila às costas e uma gaiola com um mangusto. Encontrei-os à porta da estação, perto do hotel de onde tinha sido enxotado ainda há poucos minutos. O rapaz perguntou-me, num inglês de muito poucas palavras, o que se passara - e eu aproveitei a disponibilidade para lhe pedir que intercedesse a meu favor junto da recepcionista. Ou, pelo menos, que tentasse perceber porque não me davam um quarto.

Resumindo a discussão e respectiva tradução - a mulher não queria dar-se ao trabalho. Inventou desculpas, argumentos e superstições - e por muito que o miúdo insistisse, não cedeu. A dada altura começou a enxotá-lo também... e acabámos os três na rua. Os três não: os quatro. Eu, a Lena, o Elvin e o mangusto.

"Desculpa. Ela não gosta do trabalho dela e é infeliz. Por isso é que descarrega em nós", diz a Lena.

"Mas disse que há um hotel algures naquela direcção", acrescenta o Elvin, a apontar para algures, "vamos ver se o encontramos."

Eu agradecia, pedia desculpas, já nem sabia muito bem o que dizer - mas eles insistiam em ajudar. Estavam a fazer horas porque tinham um comboio às seis da manhã...

"... e não custa nada."

E eu só queria abraçá-los. Eram lindos. Os dois e o mangusto cujo nome já não me lembro.

Acabámos por encontrar o hotel, depois de perguntar a este-e-aquele, voltar-para-trás, o-costume. Não tinha qualquer indicação à porta e era um lugar muito-muito humilde, tipicamente soviético, cheiro a mofo, pouca luz. A recepcionista recebeu-nos com as trombas a que já me começo a habituar, dizia que não me queria receber por causa do registo... e só cedeu depois de muito insistirmos, e depois do Elvin dar o passaporte dele para se registar em meu nome. E depois de eu prometer que saía até às oito da manhã, sem falta.

Feito o check-in, a mulher transformou-se.

Não no sentido literal, tipo lobisomem ou vampiro. Ainda não chegaram a este ponto, acho que isso é mais na Roménia.

Mas perguntou-me se queria um café ou chá, começou a tentar fazer conversa, até insistiu para que os miúdos tomassem um duche antes de voltar para a estação. Acabaram por lá ficar a dormir umas horas, free of charge, nem lhe passava pela cabeça a ideia de os deixar dormir na rua. Incrível.

Depois do duche e do café, fui à rua fumar um cigarro. A recepcionista acompanhou-me e ficámos em silêncio a olhar para a rua cheia de garrafas de vodka e latas de cerveja encostadas aos muros. Passou um carro com a música aos berros e, depois do som desaparer na escuridão, sinto a mão dela a tocar-me no pulso direito.

"És hippie?"





Eis os meus anjos da guarda:



26/08/2011

MEDO



Fui recebido em Nizhni Novgorod com sorrisos e ramos de flores, coloridas orquestras, bailarinas em alegres piruetas, pétalas de rosa atiradas ao chão, elefantes e trapezistas, fogo-de-artifício, o presidente da câmara e respectiva comitiva.

Querias. Batatas com enguias.

Havia trombas, é verdade - mas nada de elefantes. Das rosas, só os espinhos - pétalas, nem vê-las. Os Nizhni Novgorodenses receberam-me como só os russos sabem receber: cara feia e braços cruzados, grunhos atirados para o ar e o eventual encolher-de-ombros.

Fui à pensão ao lado da estação, mas não me deixaram ficar. Não explicaram se estava cheio, ou que raio se passava. Estenderam-me o braço com ar de desprezo, a abanar a mão com os dedos virados para o chão, tipo vai-te-lá-embora-que-estás-à-minha-frente-e-isso-não-é-coisa-boa.

Enxotado sem justificação, meio à nora com os vodkas bebidos e ainda mareado do balançar do comboio, encostei-me a um canto e comecei a desfolhar o lonely planet. Encontrei as outras opções, comecei a fazer telefonemas. A primeira falava apenas um bocadinho de inglês, o suficiente para me dizer "no rooms, no beds, I'm sorry", e desligou. Tentei outros. Cheio. Cheio. Havia um que era mais longe, mas podia apanhar um táxi. Cheio. OK, vou tentar o mais caro, não tenho muitas alternativas. Cheio. Tou feito.

Voltei ao lugar inicial, "vão ter de me alugar um quarto, não saio sem um quarto". Recebido com o mesmo desprezo, respondi-lhes na mesma moeda e comecei a fazer perguntas (em inglês), pelo que muito a custo acabei por receber com um "ali à frente há um hotel, do outro lado" (em russo), e dei-me por satisfeito.

Fui à procura do outro hotel, portanto.

Passava da meia-noite. Caminhei pelas ruas cada vez mais vazias, à procura do tal hotel - mas nada. Aqui deste lado nada. Aqui deste lado também não. Aqui também não. Nada. Nada. Nada.

Não é por Nada - mas alguma coisa me diz que esta noite vou dormir na rua.

ÉS HIPPIE?







Tinha acabado de voltar de Suzdal e estava sentado num banco da plataforma 2, na estação de Vladimir, a jogar sudoku no telemóvel. Esperava o comboio 26 para Nizhni Novgorod, a próxima etapa nesta aventura - quando ouvi a pergunta.

O homem sentado ao meu lado estava a apontar para o meu pulso. Para as minhas pulseiras. Hippie?! Expliquei-lhe que eram recordações de viagem.

"Ah! Souvenirs!"

Ok. Mais ou menos isso.

Ficámos algum tempo à conversa, mas as nossas vidas seguiram caminhos diferentes mal o comboio chegou. Ele foi na carruagem 5, eu na 7. Nunca mais o vi.



Entrei na composição e sentei-me onde era suposto, fui recebido pelos meus companheiros das próximas 3 horas como se fosse invisível. À falta de conhecimentos de russo (eis uma falha que tenho de corrigir), tentei um "hello" - mas nada. Absolutamente ignorado.

Só depois do comboio arrancar - um bom bocado depois, é que um deles me dirigiu palavra. E, surpresa das surpresas: num inglês perfeito, com sotaque british e tudo. Explicou-me que trabalhava numa petrolífera inglesa e que se fartava de viajar pelo mundo, para acompanhar o processo de instalação de novas refinarias. Estivera 6 meses no Gujarat, pelo que se gerou logo uma empatia engraçada, os dois a trocar ideias sobre a Índia - o que suscitou a curiosidade e a participação (em russo) dos outros dois companheiros: um homem de meia idade e uma senhora mais velha. Ela só dizia que sim, mesmo quando não percebia nada; e o outro também arranhava qualquer coisas de inglês, pelo que começou a entrar na conversa, muito a medo, mas a dada altura perguntou-me se falava espanhol.

"Sim, um pouco. Sou português."

Fogo-de-artifício. Alguém tem fogo-de-artifício à mão? Não? Senão voltava já atrás no tempo e dava algum ao senhor, porque só faltou mesmo lançar umas canas ao ar.

Gargalhadas, apertos de mão, abraços e... pois claro, vodka! O homem trabalhara "nos barcos" durante 27 anos - grande parte do tempo em Vigo e Portugal. Arranhava português, apesar disto já se ter passado há mais de uma década. O resto da viagem foi passado a recordar histórias e os bons velhos tempos do Eugénio, em Portugal. Materializou-se uma garrafa de vodka e copos, fatias de pão, chouriço e fruta - só rir. O gajo-das-refinarias e a senhora-que-só-dizia-sim passaram a meros espectadores, eu bem que tentei mudar o sentido da conversa, mas nenhum truque resultou, e levámos com o senhor Eugénio a lembrar-se de palavras em português, a confirmá-las comigo, a repeti-las mais uma vez, a explicar o seu significado aos outros. E depois a repeti-las até à exaustão, suando cada vez mais à medida que o vodka descia. No seu copo. No meu copo. No seu copo. No meu copo. E eis que chegámos a Nizhni Novgorod.

25/08/2011

E POR FALAR EM HISTÓRIAS DE AMOR...

...não é que a meio de um dos passeio por Suzdal, estávamos a atravessar uma ponte quando damos de caras com algo que nos deixou... hmm... intrigados.

Cadeados. Muitos cadeados. Alguns em forma de coração, outros não. Com palavras escritas, nomes gravados, datas e coraçõezinhos.

Tradição? Superstição? Religião?

Eis algo de completamente novo para mim, nunca tinha visto tal coisa. Ficam as fotos, já explico o significado, segundo me explicaram mais tarde.





















Parece que a brincadeira é moda recente na Rússia, mas que se está a transformar numa tradição - muito depressa. Não sei a origem (mas vou pesquisar), sei apenas que os recém-casados deixam um cadeado com os seus nomes (ou iniciais, ou nada) preso a gradeamentos, normalmente de uma ponte - e deitam a chave ao rio que passa por baixo.

Curioso. E tendo em conta que a Rússia é um dos países com maior número de divórcios, fico na expectativa de saber o que fazem os ex-casais dos cadeados. Saltam ao rio para procurar a chave? Pura e simplesmente esquecem-no? Mas e se casam segunda vez? E se chegam à ponte e lá está: o cadeado do primeiro casamento?

"Olha aquele cadeado, meu amor. Não é tão giro? Foi o meu primeiro casamento, com a Natália. Durou seis meses. E aquele ali mais à frente, foi do segundo casamento, com a Irina. Eheh. Belos tempos. Depois foi a Olga... aquele cadeado amarelo ali na ponta. A Olga era uma granda maluca. Mas nunca mais engravidava, por isso ao fim de um ano foi recambiada para o convento."

"Mas desta vez é a sério. Desta vez eu sei que vai resultar."

CONTA A LENDA...

...que Solomonia Saburova, a primeira mulher de Vasily III, foi recambiada em 1520 para o Convento da Intercessão, em Suzdal. E porquê? Era infértil, diziam.

"Já para o convento, e hoje não comes sobremesa!", foram as palavras de Vasily III.

E foi - que remédio, se o tsar manda não há desculpas que valham. Entre ataques de choro, amuos e depressões várias, a Solomonia (ou dona Monia, que era como as freiras a chamavam, carinhosamente) lá ia recebendo o tsar, que vinha matar saudades dela aos fins-de-semana. Tão santa era a vida no convento que Solomonia acabou por engravidar, sem recurso a clínicas especiais nem milagres dos pastorinhos nem nada, foi assim um momento de sorte, talvez abençoado porque quando o tsar vinha matar saudades da Solomonia, matava-as no convento. Sim, os tsars podiam "matar saudades" nos conventos, tinham autorização. Porque eram tsars.

De qualquer forma, a gravidez já chegou tarde. Os advogados reais tinham posto os papéis do divórcio há algum tempo, o tribunal foi rápido a decidir porque ao tsar ninguém dizia que não; e entretanto já havia nova esposa a caminho. Não sei o nome dela - mas não se esqueçam desta senhora, ainda vai ser importante para a história.

Nove meses passaram desde aquela noite de chuva em que Solomonia se abrigou nas cavalariças, quando voltava do seu habitual passeio de fim de tarde pelos prados. Estava encharcada e começou a despir-se, quando reparou que um jovem tratador de cavalos, o Nicolai, olhava fixamente para ela.

Ah... não foi esta noite, desculpem. Foi no fim-de-semana a seguir. O tsar tinha vindo de Moscovo e apanhou uma bebedeira de vodka, entrou no convento aos gritos, acordando todas as freiras:

"Solomonia! Solomoniazinha! Anda cá ao teu tsar!"

Nove meses depois, portanto, nasceu um rapaz. Apavorada que o filho fosse visto como um potencial rival para os filhos da nova esposa do tsar, Solomonia fez o impensável: deu-o para adopção. Disse a toda a gente que o bebé tinha morrido, simulou um funeral, fez luto e viveu o resto da vida a chorar o filho.

E foi, muito provavelmente, o melhor que podia ter feito pelo rapaz - porque pouco tempo depois, a segunda mulher do czar engravidou, deu à luz um rapaz e chamou-o de Ivan. O pequeno Ivan tinha uma mau feitio terrível - daó o cognome: Ivan, o Terrível.

Ok, confesso que exagerei em alguns detalhes da lenda, chamemos-lhe temperos. Foi para ficar mais condimentada. Dizem que "quem conta um conto...", não é? De qualquer forma, o facto é que em 1934, esta lenda foi mesmo confirmada pelo Estado, depois da curiosa descoberta de um pequeno túmulo junto ao de Solomonia, na Catedral da Intercessão. Lá dentro: um vestido de bebé, todo em seda e bordado a pérolas... e em vez de ossos, encontraram apenas trapos.

24/08/2011

SUZDAL NA VERTICAL

E como prometido, hoje de manhã: mais algumas imagens do passeio pela pacata e fotogénica Suzdal. Ao alto. :)