10/06/2007

SÓ ME FALTAVA MAIS ESTA

Já andei de mota a três. Já vi muitos filmes em salas de cinema com ventoínhas a arrefecer o público histérico, já viajei em comboios a abarrotar, já brinquei às cores no Holi e celebrei a luz no Diwali. Já bebi bhang lassi, visitei mesquitas e templos, andei de camelo, conheci reis e marajás. Não tenho qualquer tipo de problema em comer com a mão direita e fazer o que tem de ser feito com a mão esquerda. Abano a cabeça de um lado para o outro quando quero concordar com qualquer coisa, digo Atcha em vez de Ok. Faço um Namaste quando quero cumprimentar alguém, toco no coração com a mão direita depois de apertar a mão a um muçulmano.

E quem diria que, depois de tanto tempo na Índia, depois de tantas descobertas e experiências novas... ainda há muito com que me surpreender.

A chamada Experiência Indiana tem muito que se lhe diga. Se perguntarmos a cada estrangeiro qual é a sua, provavelmente temos tantas respostas diferentes quanto os entrevistados. O facto deste ser um país tão rico culturalmente, tão diferente do nosso e ao mesmo tempo tão próximo, faz com que as possibilidades de novas experiências sejam imensas.

Eu já experimentei muita coisa na Índia, de certa forma estava convencido que o mais básico estava feito, pouco mais me poderia surpreender. Por isso: qual não foi a minha surpresa quando um amigo em Orchha me perguntou se eu alguma vez tinha voado um papagaio.

E não, eu nunca tinha experimentado.

Na Índia, miúdos e graúdos são doidos por papagaios. Flying kytes, é como se diz. Os papagaios de papel, sejam a voar ou pendurados em árvores e fios de electricidade, são uma das marcas mais recorrentes da paisagem indiana. Há torneios nas aldeias, há até um Festival Internacional do Papagaio, é normal ver pessoas em cima dos terraços a voá-los ao mesmo tempo que os vizinhos, para ver quem derruba quem. Há quem esmague vidro e cole o pó resultante no fio, para derrubar os "inimigos". Há quem faça pequenos nós para “agarrar” o outro.

E eu... todo cheio de mim mesmo porque já fiz isto-e-aquilo... afinal eu nunca tinha feito uma coisa tão básica na cultura indiana. Nunca tinha voado um papagaio.

Só me faltava mais esta. Faltava.


Não que tenha estado horas a aperfeiçoar técnicas e truques, mas experimentei. Por momentos peguei no fio e brinquei com o papagaio lá em cima, um quadrado verde sobre um fundo branco e cinzento, um céu carregado de nuvens, as monções quase a chegar.

Só me faltava mais esta, e também me faltava um ioga às cinco da manhã junto ao rio, com vista sobre templos e palácios. E faltava-me um banho matinal no rio, com direito a champô e sabão, à conversa com cinco ou seis amigos, um daqueles momentos que apetece eternizar.

Só me faltavam estas? Não, ainda há muito que experimentar. Mas de cada vez que se vive qualquer coisa de maravilhoso e novo, parece sempre que foi a derradeira experiência, que “agora é que estou completamente por dentro”.

06/06/2007

O DALAI LAMA DENTRO DE UM CARRO, UMA TEMPESTADE DE NEVE A 3500M & UMA SALA DE CINEMA IMPROVISADA

É um título comprido, o desta crónica. O que não quer dizer que me vá demorar muito – até porque o tempo não está para isso. Aliás, com 47 graus à sombra, o tempo não está nem para isso nem para mais nada.

Depois do pesadelo da viagem de regresso à Índia, estive uma semana a fazer pouco mais que nada em Dharamsala. Quer dizer... em McLeod Ganj. Ou em Baghsu, para ser mais preciso. Não interessa: fiquei em Baghsu, que é na continuação de McLeod, que por sua vez faz parte de Dharamsala. Fui mais explícito?

Já lá tinha estado com a Joana. Já sabia que era uma terra com pinta, cheia de bandeirinhas tibetanas por todo o lado; sabia que havia Royal Enfields muita loucas a passar na estrada, monges tibetanos à conversa com turistas, cursos de tudo-e-mais-alguma-coisa, bares de israelitas – e um bolo típico, o Baghsu Cake, que é uma delícia mas que não dá para levar para lado nenhum, nem para Portugal nem sequer para Delhi, porque se estraga num instante.

O que eu não sabia é que ia acabar por fazer um trekking com dois indianos até quase 3500m, batendo o recorde alcançado com o André e a Inês duas semanas antes, em Poon Hill. Também não sabia que ia ter um brevíssimo encontro com o Dalai Lama, que ia a passar de carro, e durante uma breve paragem da comitiva ficou mesmo ao meu lado – arrepios!


E, quem diria, o mundo é mesmo pequeno, encontrei uma portuguesa*, amiga de um amigo**, que conhecera mesmo antes dela vir para a Índia, nem eu sonhava que pouco depois era eu quem me metia num avião a caminho de Bombaim! E porque isto de viajar tem muito de partilha de experiências novas, eis que fomos ver o Shrek 3 numa sala de cinema improvisada... numa cave de uma loja de legumes!

* Matilde
** Locas