23/09/2011

A CAMINHO DO LAGO BAIKAL


Irkutsk

Há qualquer coisa na paisagem, em Irkutsk, que é diferente de todas as cidades na Sibéria onde passei, nesta viagem. Há os mesmos edifícios clássicos, a mesma arquitectura em madeira, os mesmos blocos soviéticos. Há outdoors como nas outras cidades, há trânsito, calhambeques e limusinas, música aos altos berros nos carrões que passam, há uma tentativa de mostrar mais do que se é - até aqui, tudo igual.

A paisagem, em Irkutsk, é feita de pessoas diferentes. Mais sorridentes e calorosas que no resto da Rússia (aliás, tenho reparado nesta viagem que quanto mais para leste viajo, mais simpáticos são os locais). E depois há os turistas. A "Paris da Sibéria" é a paragem mais famosa da linha transiberiana. Pessoas de todas as nacionalidades que vão-para e vêm-de Moscovo, que vão-para e vêm-de Ulaanbaatar, que vão-para e vêm-de Vladivostok. É em Irkutsk que se cruzam todos os transiberianenses.

E toda a gente pára aqui pela mesma razão: o lago Baikal.

Incluindo: eu.

Depois de passar a primeira noite em Irkutsk, num hostel onde conheci americanos, holandeses, franceses, espanhóis e sul-africanos, também eu fui molhar o pézinho na água do mais profundo lago do mundo... mas não fui de comboio, nem de autocarro, nem de barco. Fui de jipe.

Ben

Tem 28 anos, é da Cornualha, no sudoeste de Inglaterra, e está a realizar uma viagem épica, que eu muito invejo, e que tive a sorte de partilhar por alguns quilómetros. Mas já vamos a isso. Primeiro que tudo, deixem-me apresentar o projecto.

O Ben está a fazer uma expedição a solo num Land Rover: arrancou em Inglaterra, passou pela Escandinávia (Cabo Norte), desceu até Espanha, atravessou a Europa até à Rússia, Ásia Central, Mongólia, voltou a subir para a Rússia (onde se encontra agora) e continuará até Madagan, onde atravessa o Pacífico para o Alasca, depois Canadá, EUA, América Central e all the way down até ao Cabo Horn, na Terra do Fogo. Fogoooo! ;)

Sim - trocadilho fácil. Peço desculpa. Continuemos.

O que faz com que esta viagem seja mais especial que tantas outras, é que o Ben sofre de Síndrome de Noonan. Tal como a maior parte das pessoas com esta condição, o Ben teve uma infância complicada, marcada por inúmeras operações, medicação intensiva, tratamentos com hormonas de crescimento, além de ter de lidar com todos aqueles que sugeriam, tanto a ele como à família, que seria difícil fazer uma "vida normal" no futuro.

Com um espírito determinado, o Ben decidiu mostrar às outras pessoas que sofrem desta doença, que também é possível viver uma vida cheia. Já viajou a pé e em transportes públicos em África, desde a Cidade do Cabo até Nairobi; e agora está empenhado neste seu grande projecto que atravessa o mundo quase todo e que, através de doações e contribuições, ajuda a British Heart Foundation a ajudar outras crianças com o mesmo problema.

"Esta é a minha forma de retribuir por tudo o que fizeram por mim, quando eu era miúdo", diz-me ele com um sorriso cheio.

Conhecemo-nos no hostel, em Irkutsk, e passámos a noite à conversa. Acabou por me desafiar a acompanhá-lo num passeio até ao lago, para ir uns dias à ilha Olkhon... mas tive de recusar - tinha comboio marcado e o meu visto acabava muito-muito em breve. Queria ir ao lago mas não podia ir tão longe, por isso ia ter de me "contentar" com uma visita-relâmpago a Listvyanka.

Na manhã seguinte, já de malas feitas e pronto para zarpar para a estação de autocarros, oiço um "good morning, Jorge, afinal já não vou a Olkhon, está a chover muito e não me apetece fazer tantos quilómetros sozinho... queres boleia para Listvyanka?"

Woohooo!

Lá vou eu. Lá vou eu todo contente, enfiado num jipe cheio de histórias e quilómetros e tralha, lá fora chove e o tem po promete poucas emoções no lago, mas não me interessa, vou deliciado com as aventuras do Ben, todo inchado de partilhar, nem que seja por dois dias, nem que seja por um punhado de quilómetros, este maluco que tanto invejo e respeito.

"Sempre em frente nos próximos quarenta quilómetros", diz o GPS e eu sorrio.

























Já agora, uma nota:

Acredita-se que aproximadamente uma em cada mil a duas mil crianças nascem com Síndrome de Noonan, em todo o mundo. É um dos sindromes genéticos mais comuns, associados a doenças do coração, ao nível do síndrome de Down.

Se estiver interessado em saber mais sobre a doença, ou em ajudar o Ben a ajudar os outros, ou pura e simplesmente em conhecer um pouco mais esta aventura, clique aqui.

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Fantástico!!! Um exemplo exemplar!!!

patricia disse...

Hoje também me fizeste pensar a vida de forma diferente e nem foi preciso sair de Lisboa. Obrigada.
Beijinho