30/12/2013

NA MANIF

Já arrancou a viagem especial de passagem de ano no Cambodja.

Depois de um sábado de idas-e-voltas entre o aeroporto e o hotel - em que aproveitei umas horas livres para visitar o (surpreendente) Museu Nacional de Phnom Penh - o domingo foi passado entre as revoltantes memórias dos Khmers Vermelhos, emocionantes passeios de tuktuk, pacatos templos budistas e agitados mercados de comida. Chegámos ao fim da noite estafados e "de papo cheio", eu e os doze viajantes que me acompanham na viagem de nove dias por Phnom Penh, Siem Reap e Bangkok.

E no entanto: um dos momentos altos do dia aconteceu enquanto voltava ao aeroporto com duas pessoas do grupo, no final da tarde de domingo, para tentarmos recuperar uma mochila perdida no voo do dia anterior.

A meio caminho entre o hotel e o nosso destino, o trânsito começou a ficar mais compacto, cada vez mais lento, num pára-arranca que não levantava dúvidas: temos manifestação.

Desde as eleições de Julho que o dia-a-dia da capital tem sido afectado com manifestações várias. Mas ontem à tarde, dezenas de milhares de pessoas juntaram-se numa marcha de protesto única, um dos maiores actos de desafio ao governo de Hun Sen, no poder há mais de três décadas, que acusam ser um fantoche do Vietname (o primeiro-ministro, note-se, está à frente do Cambodja desde que os vietnamitas expulsaram os Khmer Vermelhos do poder).

Nas ruas ontem ouviram-se vozes a acusar o governo de ser ilegítimo, exigindo a realização de novas eleições; os trabalhadores da indústria do vestuário e calçado pediram o aumento do salário mínimo nacional (oitenta dólares) e melhores condições de trabalho; a chamada economia informal quer que seja fixado um tecto para os preços dos combustíveis, de maneira a tornar os pequenos negócios viáveis; os agricultores clamam por reformas e mais ajuda, e denunciam o contrato escandaloso, assinado entre o governo e uma empresa vietnamita, para a exploração de vastas áreas de florestas do país. E agora até os monges se juntam aos protestos, revoltados com o roubo de importantes relíquias do Buda, ainda este mês, de um templo no centro do país. Acusam o governo de não ter suficiente cuidado com o património religioso do país, quando ao mesmo tempo gasta milhões num exagerado aparato de segurança à volta do primeiro ministro e de políticos e agentes do partido no poder.

Os protestos no Cambodja têm estado, de certa forma, na sombra dos que estão a acontecer na Tailândia. No entanto, analistas vários descrevem que os últimos meses têm sido muito importantes para a sociedade civil cambodjana, que durante anos foi dominada pelo autoritarismo de Hun Sen, cujo partido tem o controlo de várias instituições no país, incluindo o exército, a polícia e grande parte dos meios de comunicação social.

Análises à parte, foi impressionante assistirmos a este protesto. Apesar das palavras de ordem e de uma visível frustração, havia sorrisos e um ambiente de alguma festa. Contestava-se um governo mas celebrava-se também a democracia e a sociedade civil. Depois dos anos de repressão dos Khmer Vermelhos e de uma espécie de ressaca prolongada no exercício do poder popular, parece que os cambodjanos estão agora mais conscientes, mais confiantes - mais acordados. E esta manifestação também celebrava isso.

Não tinha a máquina fotográfica comigo, mas pedi emprestada a da Susana, uma das viajantes que vinha comigo no tuktuk. Saí para a estrada e aproximei-me da multidão, senti o calor do seu respirar e por momentos deixei que o meu coração batesse em uníssono com os deles. E durante cinco rápidos minutos documentei aquilo que pode vir a ser um momento de viragem na História deste país.

O problema é que ainda ninguém sabe em que sentido.









28/12/2013

VIAJAMOS?

Como gosto de ditados, provérbios e dizeres populares, aproveito a quadra para lembrar que "Natal é sempre que um Homem quiser", e que "mais vale tarde que nunca".

Assim sendo:

Feliz Natal!

;)

Eu sei: 28 de Dezembro. Mas isto de estar num fuso diferente, por muito que o jet lag já tenha passado, e por muito tempo que se passe por cá... ;)

Espero que o Natal tenha sido santo e farto; e que o ano que está prestes a começar traga felicidade, serenidade, muitas aventuras e emoções fortes, realização pessoal. Que o caminho seja caminhado, que as voltas nos levem a lugares inesperados, a pessoas que nos marquem, a momentos e sensações e sorrisos vários.

E mesmo a propósito destes votos e da época, eis que a minha amiga Maria José me enviou um poema maravilhoso - já o tinha lido, nem me lembro quando, há muito tempo que não revisitava estas palavras tão sábias e inspiradoras.

Viajamos?

Cá vai:

Quando começares a tua viagem para Ítaca,
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
Deseja que o caminho seja bem longo
para que haja muitas manhãs de verão em que,
com quanto prazer, com tanta alegria,
entres em portos que vês pela primeira vez;
Para que possas parar em postos de comércio fenícios
para comprar coisas finas, madrepérola, coral e âmbar,
e perfumes sensuais de todos os tipos -
tantos quantos puderes encontrar;
e para que possas visitar muitas cidades egípcias
e aprender e continuar sempre a aprender com os seus escolares.
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.
Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.
E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.

"Ítaca"
de Konstantino Kavafy
traduzido por Jorge de Sena


22/12/2013

A PROPÓSITO DE FRIO E MONGES

Há poucos dias partilhei no facebook um screenshot que mostrava parte de um chat com o meu amigo Jay, um noviço que vive num mosteiro budista, nos arredores de Luang Prabang.

O Jay é um miúdo de dezasseis anos, sobre quem conversaremos um dia destes, tem uma história de vida engraçada - mas que, para o momento, não interessa conhecer.

Passaram quatro dias desde a primeira conversa acerca do frio, da rapadela na lua cheia, do desconforto... e as temperaturas em Luang Prabang mantêm-se. "Diz" que melhorou ligeiramente, mas cá entre nós: nem se nota.

Ou seja: comecei a ficar preocupado com o Jay, que muito provavelmente continuava a "rapar" frio depois de rapar o cabelo. Anteontem ao fim da tarde enviei-lhe uma mensagem, voltou a responder-me que estava constipado e que sentia frio. Então perguntei se precisava de alguma coisa, medicamentos ou algum agasalho... e aqui começou o insólito que deu origem a este post.

É que o Jay respondeu que precisava de roupa.

Assim que cheguei ao hotel, perguntei ao Kham - o recepcionista - que tipo de roupa é que podia dar a um monge budista, ao que me respondeu:

"Nenhuma. Eles só podem usar o robe laranja - e pouco mais. Não lhe podes dar camisolas nem cachecóis ou casacos. Mas se quiseres podes dar-lhe um cobertor, ou um edredon."

Claro que enviei uma mensagem ao miúdo, a perguntar o que queria dizer com "roupa". E como não me respondeu até ao fim do dia, tentei investigar. Toda a gente me dizia o que o Kham já me tinha dito.

E eu que já tinha fisgada uma camisola Ralph Lauren. ;)

Passou-se mais uma noite. Hoje de manhã peguei na mota e fui ao mosteiro do Jay, que fica a uns quinze minutos daqui, a norte da cidade, junto à margem do Mekong. Recebeu-me com um sorriso enorme, ficámos à conversa quase uma hora e entretanto esclareceu-me acerca do que precisava: um robe. Disse-me que o robe o protegia do frio e que ficaria muito agradecido... e à tarde lá fui dar uma volta pelas ruas de Luang Prabang, à procura de uma loja que vendesse artigos para monges budistas.

E agora o insólito.

A propósito de frio e monges.

Eis-me numa loja a perguntar por robes de monges... mas robes de inverno! Ahah. A senhora a olhar para mim tipo "este-gajo-é-doido" e eu a insitir que tinha de ser robe de inverno, que protegesse do frio, não podia ser um robe qualquer. A senhora lá acabou por desistir de tentar perceber o que eu queria... e anunciou que não tinha tal artigo. Acabei por comprar uma espécie de camisola interior de lã - côr-de-laranja, pois claro - que os monges podem usar por baixo do robe, quando faz frio. E comprei também um gorro de lã amarelo.

Depois fui à procura de mais lojas, mas ninguém sabia do que estava à procura. Ou seja: no final acabei por voltar à loja original, e já em desespero comprei um robe laranja "normal".

"Já leva o gorro e a malha... tudo junto com um robe normal há-de protegê-lo do frio", pensei.

E pensei bem.

Porque quando voltei ao mosteiro, no final da tarde, e entreguei ao Jay os artigos que tinha comprado, os seus olhos brilharam e o sorriso abriu-se ainda mais que o normal.

"Era isto mesmo que queria", disse-me a segurar o robe. E depois pegou nas outras coisas e agradeceu profundamente.

20/12/2013

ANO NOVO NOUTROS MUNDOS

Já está nas bancas a Visão desta semana, cuja reportagem de capa é sobre histórias de passagens-de-ano inesquecíveis. Dezassetes viajantes da nossa praça partilham algumas histórias e peripécias... e eu sou um deles ;)

A não perder... até porque esta conversa com a jornalista Rosa Ruela inspirou-me para partilhar aqui no blog algumas destas aventuras de fim de ano.

Estejam atentos, portanto.

E nos "enquanto-issos", espreitem a reportagem que está muito gira.


19/12/2013

OUTSIDE, NEM POR ISSO

Mas este frio nunca mais passa? Estamos em Dezembro, caramba. Era suposto estar de t-shirt e calções. ;)

Ontem à noite o termómetro chegou aos 4ºC, aqui em Luang Prabang. E com a meteorologia assim, não admira que apareçam na rua mensagens como esta, à porta de um café:


18/12/2013

SABIA QUE... #19

...na Tailândia e no Laos, os monges e noviços budistas rapam o cabelo na lua cheia.

O Patimokka, que é uma espécie de código de conduta seguido pelos Bhikkus (monges e noviços budistas), conta que o príncipe que viria a ser Buda, quando deixou o palácio para procurar um caminho além do envelhecimento, da doença e da morte, uma das primeiras coisas que fez foi rapar o cabelo e vestir um robe amarelo.

As regras estabelecem que o bhikku nunca deve deixar o seu cabelo crescer mais do que uma certa medida ou mais do que determinado tempo. Assim sendo, o bhikku deve rapá-lo uma vez por mês, ou até com maior frequência se este crescer mais do que dois dedos.

Mas atenção: um bhikku não deve arrancar nem pintar os cabelos brancos. Estes são uma lembrança da natureza do nosso corpo, do envelhecimento e da impermanência.

Na prática, rapar o cabelo simboliza uma renúncia clara à vaidade. Os monges não se podem olhar ao espelho, por exemplo. A não ser que tenham alguma ferida ou doença, e que precisem mesmo de o fazer.

Voltando ao ritual de rapar o cabelo: na Tailândia e no Laos, convencionou-se que acontece no dia antes da Lua Cheia. Não há justificações históricas, simbólicas ou supersticiosas. Isto acontece para que toda a comunidade budista apresente uma aparência uniforme. Nem sequer é obrigatório - apesar de que um monge que não siga o exemplo dos outros acaba por se destacar pela diferença... e isso vai contra a postura de um bhikku.

Já agora, uma curiosidade: não tenho a certeza se isto acontece em todo o lado... mas pelo menos aqui no sudeste asiático, os monges e noviços rapam não só o cabelo, mas também as sobrancelhas. Daí a sensação de que "são todos iguais". E esta, hem?

SUPERSTIÇÃO?

Esta semana, uma das principais estátuas de buda de Luang Prabang mudou de "poiso". A operação envolveu devotos e curiosos, muito colorido e alarido, cerimónias várias, personalidades importantes, falatório... e alguma superstição.

"Diz" que a chuva e frio destes últimos dias são consequência directa de andar a mexer no Buda. Eu nem sou de superstições... mas o facto é que desde ontem que o sol voltou a brilhar. Ainda está um frio "danado" por aqui, não me lembro de alguma vez ter tido tanto frio no sudeste asiático. Mas o facto é que está a melhorar.

Será que o buda aceitou esta nova morada?

17/12/2013

MATEMÁTICAS & GEOGRAFIA

Gosto de números. Não que seja especialmente dado a matemáticas, mas gosto das simbologias e numerologias, de fazer contas às contas, de dar voltas às geografias, ao tempo e ao espaço... e medir, pesar, contabilizar. Será assim tão estranho?

Nesta fase do ano, por exemplo. Dezembro. Contam-se os dias para o que aí vem. Fazem-se balanços, fazem-se as contas à vida. Aquilo que correu bem, ou não. As promessas cumpridas, ou não. E depois projectam-se as conclusões em novas promessas, em ideias e calendários, em desejos e convicções.

Chega Dezembro. Estes últimos dias antes do fim do ano - faço sempre a mesma coisa. Pego no Moleskine e folheio aventuras e encontros, compromissos e inesperados, viagens, paragens, miragens. Refaço voltas, viajo outra vez - lendo e desvendando as páginas rabiscadas, anotadas. Às vezes em branco. O caderninho que é uma espécie de agenda (mas com mais "pinta") diz-me onde estive, o que fiz, com quem. E facilita-me o trabalho. Facilita-me as contas.

A primeira volta que dou às matemáticas da minha geografia é a contabilidade dos dias. Quanto tempo passei em cada país. Quantas vezes fui a cada lugar. Onde passei mais tempo. E menos. E depois a matemática transforma-se em prosa e viajo nas experiências e na lembrança dos sorrisos e dos sabores, e é como se vivesse tudo outra vez, é como se ouvisse cada som, cheirasse cada odor.

Mas prosas à parte. Vamos lá a contas. Somei os dias e as geografias e deu nisto:

1. Fui dar uma volta a nove países "novos", este ano.

Os primeiros oito são fruto da minha volta-estreia na América do Sul, ao longo de 99 intensos dias a viajar com o meu amigo Bunty. Entre o final de Fevereiro e Maio, passeei pelo Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia.

A nona estreia foi já mais perto do fim do ano, e aconteceu na Ásia. Fui pela primeira vez às Filipinas - infelizmente por menos tempo do que gostaria - e aproveitei para descansar e fazer muuuuuito pouco.

2. As voltas do costume foram as voltas do costume.

Para a Indochina dei as voltas que tinha a dar no Vietname, Cambodja, Tailândia e Laos; além da Malásia, que está quase sempre presente à chegada, ou à partida, ou nas voltinhas dos entretantos. Por causa do Transiberiano voltei a pisar território russo, mongol e chinês. E como é hábito há quatro anos, passei quase um mês na Turquia.

3. Portugal foi o país onde passei mais tempo.

Apesar de ser quase sempre a correr, somando todas as idas e vindas à "terrinha" consegui ficar bastante tempo em Portugal. E foi tão bom.

4. As voltas deste ano ficaram marcadas, entre outras coisas, por dois "regressos fixes".

Por um lado: Singapura. Curiosamente, foi o país onde passei menos tempo em 2013. Apenas três dias. Já lá tinha estado há quatro anos - e, para ser sincero, não tinha achado grande piada. Na altura fui para ver as decorações de Natal, passeei um ou dois dias pela cidade e fui-me embora muito pouco impressionado. Mas este ano... este ano voltei em grande. Comi como um rei, andei como um peregrino, diverti-me como uma criança. Gostei muito - e fiquei com vontade de voltar.

O outro regresso foi ainda mais impressionante. Três anos depois da primeira vez, voltei à Birmânia. Ou Myanmar. Seja-lá-que-nome-lhe-queiram-chamar. Voltei tão ou mais apaixonado quanto a primeira vez. Repeti o que tinha de repetir, visitei lugares novos, vivi experiências únicas - e o que me deixa de felicidade estampada no olhar é saber que, a partir de 2014, passo a visitar este lugar maravilhoso com regularidade. Há pessoas com sorte, não há? ;)

Geo-matemáticas ;)

Chega de conversa, então.

Passo à lista de países, organizada segundo o tempo total passado em cada um, não interessa se lá fui uma ou duas ou mais vezes.

Em 2013, passei um mês ou mais em:

Portugal (45 dias)
Laos (31)
Vietname (30)

De duas semanas a um mês em:

Rússia (29 dias)
Cambodja (28)
Myanmar (27)
Turquia (23)
Chile (20)
Tailândia (18)
Colômbia (17)

De uma a duas semanas em:

Brasil (13 dias)
Peru (13)
China (13)
Argentina (12)
Bolívia (10)
Mongólia (10)
Filipinas (8)

Menos de uma semana em:

Malásia (7 dias)
Uruguai (5)
Equador (3)
Singapura (3)

16/12/2013

PLANOS, POSSIBILIDADES E SONHOS

Agora que o ano está quase no fim, é altura de fazer alguns balanços e reflectir sobre o que foi feito e o que ficou por fazer, o que podia ter sido melhor, o que foi realmente bom - ou nem por isso. Cada qual lida com o tempo à sua maneira. Eu gosto de listas, de números, de espaço. Por isso já comecei fazer as minhas contas ao ano 2013... e a preparar 2014.

Onde eu gostava mesmo de ir

Há umas semanas atrás, em conversa com um amigo, o assunto derivou invariavelmente para viagens e demos por nós a fazer um top5 dos países onde gostaríamos de ir.

Não quer dizer que vá a correr para os cinco. Preciso de tempo, dinheiro e disponibilidade... mas que gostava, gostava. E tenho cá um feeling que talvez consiga dar uma volta a um ou dois, no próximo ano.

Sem ordem de preferência, são estes os cinco países onde mais quero ir:

Irão
Etiópia
Japão
Nova Zelândia
Uzbequistão

Claro que se começar a pensar mais um bocadinho, acrescento logo lugares como o México, Namíbia, Quénia, Egipto, Arménia... e já vão mais cinco, e facilmente encontro mais cinco, e outros cinco... e mais aqueles onde já fui e gostaria de voltar. Que inquietude!

2014

Quanto ao ano que aí vem, aos planos concretos e às possibilidades: começo por voltar à Índia já em Janeiro, para matar saudades, pôr a cabeça em dia, chocalhar um bocadinho os sentidos e as ideias, baralha tudo e dá de novo. Estou a precisar. Em Fevereiro volto para o Vietname, passeio uns dias e depois tenho duas edições da Indochina, que se "esticam" até Abril. Depois volto para Portugal, onde fico em Maio e Junho - mas só depois de uns dias de praia na Tailândia. Já não vou às ilhas há mais de dez anos.

No final de Junho faço mais uma edição do Transiberiano, de Moscovo a Pequim - e se tiver tempo e "disponibilidade" no fim, sou capaz de dar um salto ao Japão. Gostava muito. Depois volto outra vez a Portugal, onde passo o "querido" mês de Agosto. Turquia em Setembro... e, quem sabe, uma voltinha no Irão? Fingers crossed. ;)

Em Outubro volto à Birmânia, Novembro e Dezembro na Indochina... e lá se vai mais um ano. Um bom ano, assim espero.

2013

Sobre 2013 conversamos no próximo post  ;)

15/12/2013

ARREDADO

Tenho estado muito sossegado no que respeita ao blog, esta semana... mas por pouco tempo mais. Já estou em Luang Prabang, onde acaba a viagem da Indochina, e em breve começo a ter mais tempo disponível para vir aqui "conversar".

09/12/2013

MEDO

Logo agora que estava mais debilitado, com as energias esgotadas por emoções fortes e desafios de saúde; logo agora que estava medicado e ainda a recuperar força e disposição. Logo agora: saíu-me na rifa um grupo que gosta de copos e festa, que quer aproveitar cada lugar, cada momento, cada oportunidade.

Eu nem desgosto... mas até agora não conseguia. Já estamos em Siem Reap, a meio da viagem, e só agora me sinto quase-quase-a-cem-por-cento.

Mas tenho algum medo. Porque sei que posso, muito depressa, ter algum tipo de recaída. E não me apetece nada. Devo estar um bocado traumatizado - é possível, acredito mesmo que sim. Porque só de pensar em festa, neste momento, dá-me uns tremeliques e arrepios.

Acabei ontem de tomar o antibiótico. A partir de hoje, já não tenho desculpas. Medo.

SABIA QUE... #18

...na Tailândia, o dia do Pai comemora-se no dia de aniversário do Rei.

O rei Bhumibol Adulyadej - mais conhecido por Rama IX - celebrou na passada quinta-feira o seu 86º aniversário. E os tailandeses saíram à rua para festejar a ocasião, vestidos de amarelo.

Apesar do ambiente político pouco dado a festas, os partidos acordaram uma "trégua" para o dia cinco de Dezembro - e, desta forma, o país celebrou o nascimento do "pai da nação", bem como os pais de cada um.

Já agora: o dia da Mãe é festejado a 12 de Agosto... o dia de aniversário da Rainha.

08/12/2013

É UM MUNDO PEQUENO #08

É um mundo pequeno quando estás no aeroporto Noibai, em Hanói, à espera de umas pessoas que se vão juntar ao grupo da Indochina... quando vês, a sair, o casal que ajudaste, uma semana antes, em Luang Prabang.

Mal vi o Jamie e a Sarah, comecei a acenar-lhes. Ele viu-me e veio dar-me um abraço que quase me esmagava. Ela ficou a olhar, sem perceber nada:

"Ela não se lembra de nada", diz-me o Jamie. "Sarah, este é o português que nos ajudou, no dia do acidente."

Ela sorri, tímida. Pergunto-lhes como estão, contam-me as novidades dos últimos dias e depois deixo-os ir embora. Nota-se que estão cansados, e eu tenho pessoas a chegar.

Que coincidência, virem no mesmo voo que um dos meus clientes. E assim se fecha um ciclo, tenho quase a certeza. Já a vi de pé, a andar por si mesma, ainda meio abananada mas se calhar ela é mesmo assim. Tudo está bem quando acaba bem.

ENTRETANTO, NOVIDADES

No dia a seguir ao (re)encontro na aula de culinária - ou seja, aquele em que passei a manhã no hospital e a tarde no quarto, com a amigdalite -, recebi um mail da rapariga tailandesa que estava no tuktuk, e que foi visitar a Sarah e o Jamie ao hospital, em Bangkok:

I checked with the Bangkok hospital today, she has arrived around 3pm, conscious, some bruised, has checked with CT scan, nothing to worry.

But still in ICU checking for more. If nothing wrong the hospital will move her to normal room. And nothing to worry her insurance cover for everything.

E no dia seguinte, mais outra mensagem:

I arrived in Bkk about 9 pm last night. I have checked with the hospital this morning, they informed that Sarah was discharged from the hospital, safe and sound.

So "thks god" everyone is safe now. ^^

É UM MUNDO PEQUENO #07

É um mundo pequeno quando te inscreves num curso de culinária, em Luang Prabang, depois do grupo ir embora - e quando a aula está quase a começar, aparece a pessoa que vai ser a tua "companheira de fogão" no resto do dia... e é uma das pessoas envolvidas no acidente de tuktuk que ajudaste a resolver, dois dias antes.

A Kyren é neo-zelandesa e era uma das sete pessoas que estava no lugar errado, à hora errada. Felizmente não lhe aconteceu nada, mas apanhou um valente susto quando viu o filho de oito anos a ser projectado para fora da viatura, no momento do embate. O miúdo foi um herói. Só fez uma escoriação na perna e esteve calmíssimo o tempo todo, não fez birras nem cenas. Muito giro. A Kyren está a viajar com o marido e o filho, há seis meses, pela Europa e Ásia. Estão quase a voltar para casa... imaginem o susto.

No meio da confusão do acidente, só dei por ela no hospital. O marido foi o tal que apanhei aos gritos, em choque, a dizer que a Sarah ia morrer. Estava muito exaltado, chegámos mesmo a tempo de pôr um bocadinho de ordem. Nem quero imaginar o que é estar envolvido numa situação daquelas.

Vi-a no hospital, veio agradecer-me o apoio, tinha os olhos em lágrimas.

Enfim: mas voltemos ao pequeno mundo.

Quem diria que, dois dias depois do acidente, no dia em que o marido e o filho foram andar de elefante, a Kyren decidiu fazer um curso de culinária. Para relaxar um pouco, pois o acidente tinha-a deixado muito abalada.

Acabámos por formar uma equipa. Nestas aulas começa-se por assistir ao "chef" cozinhar uma série de pratos, depois cada dupla escolhe alguns - e tem de os cozinhar. Dois para o almoço, três para o jantar.

Foi uma tarde muito bem passada: eu e a Conceição, que ficou mais um dia além do grupo; a Kyren; uma americana muuuuito americana; e um casal de franceses mais tímido e trapalhão. Fomos embora a rebolar, e fiquei a saber mais novidades dos ingleses, pois no final apareceu o marido da Kyren com notícias frescas: a Sarah e o Jamie tinham viajado para Bangkok naquela manhã, de avião. O raio X não mostrou nada, mas agora faltava fazer o TAC. Tudo há-de correr bem.

07/12/2013

DRAMA EM LUANG PRABANG

Quando partilhei aqui a minha "volta" ao Hospital de Luang Prabang, concentrei-me unica-e-exclusivamente na amigdalite e nos contornos em redor desta pequena epopeia. O que não contei foi o facto de aquela ser, na verdade, a segunda vez que visitava o Hospital, em pouco mais de 48 horas.

Foram tantas coisas ao mesmo tempo: a aula de culinária, as aventuras com o grupo, o drama das amígdalas... que fui adiando, adiando - e só agora encontro oportunidade de voltar atrás, até ao dia em que fui com o grupo às Kuang Si Waterfalls.

Como de costume, fizemos um picnic nas mesas perto da água. Quase toda a gente tomou banho, alguns atreveram-se a saltar da corda pendurada na árvore. Foi uma tarde calma, muito bem passada, que terminou por volta das 16:00 quando nos enfiámos na minivan a caminho de Luang Prabang.

Até aqui: tudo bem. Tudo normal.

À nossa frente seguia uma carrinha de caixa aberta carregada de miúdos que vinham da escola. Tirei a máquina fotográfica para registar a curiosidade, eram tantos que quase não se via o veículo propriamente dito - mas de repente a carrinha parou. E nós parámos atrás. Os miúdos saltaram de imediato e sairam a correr pela estrada fora... percebi logo que algo se tinha passado, mais à frente. Este tipo de paragem a meio do caminho não era normal.

Saí do carro, juntamente com o condutor. Movido pela curiosidade, decidi ir ver o que se passava à frente, talvez um acidente, ou a estrada bloqueada, convinha saber para tomar uma decisão na gestão do tempo e das possíveis soluções, com o grupo. E qual não foi a surpresa quando encontrei um cenário de pânico, um espectáculo com dezenas de espectadores e uma mão-cheia de actores. A primeira coisa que me dei conta foi um estrangeiro completamente histérico, a correr e a gritar:

"Ela vai morrer! Ela vai morrer!"

E foi então que vi o tuktuk na ponte. Parado, a meio, todo desconjuntado. Disseram-me que uma carrinha tinha chocado de frente, quando os travões falharam. E o tuktuk estava no lugar errado, à hora errada.

Além do condutor estavam sete pessoas no tuktuk-carrinha: um casal de tailandeses, uma familia neo-zelandesa (pai, mãe e filho de oito anos) e um casal de míudos ingleses, ele com vinte e três anos, ela dezanove.

E ela: deitada na caixa do tuktuk, inconsciente. Tinha batido com a cabeça, com o impacto, e desmaiou imediatamente. Todos os outros estavam bem. Uns arranhões, umas queimaduras, nada de especial. Mas à miúda - chamava-se Sarah - calhou-lhe a fava.

Estavam a tentar tirá-la do tuktuk - erro grosseiro, pensei logo, e decidi intervir:

"Por favor não mexam nela! Tenho dois enfermeiros no carro, vou buscá-los, mas por favor não mexam nela!"

Corri lançado para a minha carrinha e pedi ajuda ao Timóteo e à Fernanda, um casal de enfermeiros de Setúbal que já tinham viajado comigo no Transiberiano, este ano. Foram incansáveis. O Timóteo tomou as rédeas desde o início, eu fui servindo de tradutor e ia acalmando os outros. Usámos o banco corrido em que estava deitada como maca e lá a conseguimos mudar para uma carrinha de caixa aberta. E fomos lá atrás, com ela, para o hospital. Durante todo o caminho, o namorado ia falando com ela. O Timóteo dizia-lhe para ele continuar a falar - ela parecia estar semi-consciente, mas não fazia ideia do que se tinha passado. Ele repetia que estava tudo bem, que íamos para o hospital, mas ao mesmo tempo chorava baixinho e olhava para nós como se tivéssemos guardadas respostas e soluções. O Timóteo ora via os olhos dela, ora ia dando instruções, e eu traduzia. Os outros olhavam para nós, todos em choque, mas fisicamente bem.

Chegámos ao hospital e levámo-la para as emergências. Expliquei ao médico, traduzindo as palavras do Timóteo, que a Sarah tinha traumatismo craneano com perda de memória e confusão. Não tinha vomitado, não tinha dores em mais lado nenhum do corpo. Foi-lhe posta uma "coleira" especial para não mexer o pescoço, ligaram-lhe uns bips ao corpo, o Timóteo lá me ia explicando que com a máquina dos bips estava tudo bem, oxigénio, ritmo cardíaco, etc. E eu traduzia ao Jamie, o namorado.

Os neozelandeses e tailandeses ficaram ai perto a ver. Entretanto começou a voltar a si e a entrar em pânico, queria mexer a cabeça mas não deixámos, fartou-se de chorar e o namorado com ela, fomos acalmando-os na medida do possível.

Marcaram raio X - mas ela precisava de um TAC. E não havia "máquina de TAC" no hospital. O médico explicou-me que ela ia ser transferida no dia seguinte para Vientiane, de avião. Falei com o Jamie, expliquei-lhe a situação, "aparentemente está tudo bem mas ela precisa de fazer um TAC, e eles querem levá-la para Vientiane. Devias falar com o teu seguro e com jeitinho perguntar se não a podem levar para Bangkok, sempre era melhor."

O médico, que tinha ouvido a conversa, interferiu logo:

"Temos uma enfermeira tailandesa e ela pode acompanhá-los para Bangkok amanhã, se preferirem."

Resumindo o drama: acabámos por deixá-los já noite cerrada. Trocámos alguns contactos e voltámos para o hotel, onde o grupo nos esperava. Jantámos e, ao final da noite, pedi ao meu amigo Xay para vir comigo ao hospital, e lá fomos de mota dar jantar aos miúdos. Ela estava acordada, mas obviamente não se lembrava de mim. Ele explicou-lhe que eu era um dos portugueses que tinha ajudado, agradeceu a comida, conversámos um bocado mas percebi que eles precisavam de descansar, acima de tudo. Já estava satisfeito só de vê-la consciente... o pior já tinha passado. O Jamie abraçou-me com a força de uma criança gigante, agradeceu a ajuda e despedimo-nos.

Nem dois dias depois... estava de volta ao hospital. Com uma amigdalite. Mas dessa missa já rezámos aqui ;)

06/12/2013

ENCONTREI UMA PÉROLA

Tantas palavras
Meias palavras
Nosso apartamento
Um pedaço de Saigon
Me disse adeus no espelho com baton

Vai minha estrela
Iluminando
Toda esta cidade
Como um céu de luz neon
Seu brilho silencia todo o som

Às vezes você anda por aí
Brinca de se entregar
Sonha pra não dormir
E quase sempre eu penso em te deixar
E é só você chegar
Pra eu esquecer de mim

Anoiteceu!
Olho pro céu e vejo como é bom
Ver as estrelas na escuridão
Espero você voltar... pra Saigon

"Saigon"
por Emílio Santiago
via Wania Manso de Almeida ;)

04/12/2013

A EPOPEIA DA AMIGDALITE (parte 3)

Tentando esquecer a galinácea comparação do último post: lá se foi o grupo pelas ruas frenéticas da capital vietnamita, montados em duas rodas, à pendura com um estranho e uma buzina.

Eles não sabem mas eu sei, pela experiência adquirida ao longo de dezasseis outras edições, que este será o momento alto do seu dia. Voltarão algumas horas mais tarde com o coração aos saltos, a sorrir de orelha a orelha, fascinados com o fluir, a naturalidade e a radicalidade... daí ter pena de não os acompanhar. Mas, ao mesmo tempo, esta é a altura em que posso não estar presente. Vai correr tudo bem, eu sei.

Retirei-me para o meu quarto, tomei o novo antibiótico - e deixei-me cair na cama. Ainda não eram três da tarde... e ainda bem que pus o despertador para as sete, senão tinha ficado ali até ao sol raiar novamente.

Acordei ligeiramente mais bem-disposto, mas ainda fraco. Fui ter com o grupo - claro que tinham adorado, correu tudo bem, só queriam mais. E eu tenho mais :) tenho dez bilhetes para os Water Puppets, desta vez antes de jantar, era a sessão disponível, fica a festa para depois.

Deixei-os no Teatro e sentei-me a beber um chá de gengibre, enrolado no Curdistão e num North Face que tem sido o meu melhor amigo. Apareceu, como combinara uns dias antes, uma "amiga da estrada" chamada Andreia - além das muitas conversas online, já tínhamos jantado em Bangkok há um ano ou dois, é comum partilharmos histórias, dicas e rotas. Vinha com alguns amigos, ficámos todos cúmplices num instante. Eu a meio-gás, eles com a pica toda. Foi bom, sempre me puxaram para cima, e quando o grupo saiu do espectáculo até parecia que estava mais bem disposto.

Jantámos no Little Hanói, um restaurante muito simpático no coração do Bairro Antigo, numa ruazinha a que costumo chamar o Bairro Alto de Hanoi. Muito bom. Soube-me bem, a comida. Não deixei nem um pedacinho, que menino bonito. Mas no final já estava a ficar cansado, e apesar de ouvir alguem mencionar a palavra "copos", fiz-me de parvo e iniciei marcha em direcção ao hotel. Entretanto dei a opção de ficar-quem-quiser-ficar, mas amanhã é dia de madrugar.

Amigdalite, dia 6:
Hànôi e Ninh Binh

De manhã: ainda fraco e com frio, com febre e mal da barriga.
"Efeitos secundários do antibiótico, provavelmente."

Diz quem sabe, claro. Eu sou apenas um tristonho, pálido enfermo líder de viagens. E volto a insistir: a precisar de miminhos.

Acordei às seis da manhã para ir dar uma volta com o grupo às seis e meia. Fomos para o lago Hoan Kiem, onde assistimos ao Despertar da cidade, aos ritmos e dinâmicas à volta da água, com o sol a nascer em pano de fundo, energia revitalizante, mágica, fonde de vida. Que manhã espectacular! A luz estava divinal, foi dos melhores Despertares a que assisti em Hànôi. E já não são poucos.

Só pode ser um sinal.

Deixei o grupo gozar o momento, cada pessoa ao seu ritmo - e voltei para o meu quarto. A custo empacotei a minha vida: como tem de ser, como dá jeito carregar. Trouxe as mochilas para baixo, ensaiei um sorriso porque sou tão bem tratado aqui, mas estava tããão cansado e apetecia-me pouco sorrir. Paguei o meu quarto e paguei os quartos dos outros, tomei o pequeno-almoço e os antbióticos. Agora tomo os dois, amanhã páro com o antigo e mantenho apenas o novo.

Às nove da manhã vieram as motas. Às nove e meia estávamos na estação de autocarros de Hànôi. Às dez partíamos para Ninh Binh. Nada mau. Duas horas de viagem num pequeno autocarro sobrelotado, como tem de ser. Como é, sempre que cumpro este trajecto. Tentei dormir, consegui durante a primeira hora, dei-me por satisfeito, passei parte da outra a fingir que dormia. Todo partido.

Meio dia: pára ali ao pé do semáforo, se faz favor. Ali. Sim, pode ser aqui atrás deste carro. Isso. Aqui. Meus amigos, vamos sair do autocarro, ficam só duas pessoas para me ajudar a tirar as malas, os outros vão recebendo do lado de fora.

Cinco minutos depois já o autocarro partiu. Que eficácia. E eu: todo partido.

Adiante: o grupo avançou para o programa da tarde sem mim, mais uma vez. Desculpei-me pela solução e penso que toda a gente entendeu, tem de ser assim se quero pôr-me bom para o resto da viagem. Senão, ando sempre "atrás do prejuízo".

Dormi a tarde quase toda. A febre subiu, a febre desapareceu, senti-me gradualmente melhor e até consegui escrever a primeira parte desta trilogia, já ao fim da tarde. Nada mau. Quando saímos de taxi para o comboio, tinha a noção de que estava finalmente a melhorar. As amígdalas doem menos, parece que tenho um nó na garganta e ainda arranham um pouco, mas está melhor.

Partimos às nove da noite e enfiei-me logo na cama. E dormi que nem um anjo.

Amigdalite, dia 7:
Hué

Acordei muito mais bem disposto. Isto está a passar. Isto está a passar. No entanto, um fenómeno estranho: as mãos estavam todas manchadas de um amarelo-acastanhado. Como se tivesse estado a brincar com betadine, ou com ferrugem. Pensei que pudesse ter tocado em alguma coisa enquanto dormia, ou quando fora à casa-de-banho... mas por muito que esfregasse, não saía.

Que estranho. Não é sujidade. Está nas mãos.

Decidi que, apesar de não estar ainda a 100%, ia fazer o passeio de hoje com o grupo. Estou farto de ficar em casa :) e claro que, logo hoje, tinha que cair uma carga de água. Foi o dia todo! Andámos de mausoléu em mausoléu, de templo em templo, eu sei lá de onde para onde... de mota... à chuva. Todo o dia. Vestidos com os impermeáveis dos drivers. Foi uma experiência diferente, claro, e o grupo soube valorizá-la... mas chegámos ao final da tarde estafados. E ensopados.

Estou mesmo a pedi-las, não estou?

Enfim: hoje não houve karaoke (mesmo que houvesse eu não ia, apesar de me sentir melhor, tudo em nome de recuperar energias... e de não poder beber álcool eheh). Acabámos por jantar num restaurante novo aqui ao lado. Muito bom, por sinal. As mãos estão agora menos castanhas, se calhar foi uma reacção ao facto de ter estado a tomar os dois antibióticos ao mesmo tempo, não sei se é uma barbaridade médica aquilo que estou aqui a assumir. Mas o facto é que deixei de tomar o original, hoje... e ao longo do dia as manchas foram desaparecendo. Ou quase.

Não interessa: estou melhor.

Por este andar, entre amanhã e depois já estou bom. Felizes para sempre? Não - calma. Ainda não. Não posso mandar já os foguetes, é muito cedo. Está quase, estou melhor e não tarda nada estou fino... mas ainda é cedo para festejar happy endings.

E no entanto, o grupo já me veio perguntar se conheço uma discoteca chamada Apocalypse Now, em Saigão.

Medo.

A EPOPEIA DA AMIGDALITE (parte 2)

Continuemos então com os dramas desta semana à volta das minhas amígdalas:

Onde é que nós íamos? Hmmm... deixa cá ver.

Hànôi, no quarto dia de sofrimento. ;)

Chegaram as dez pessoas que me estão agora a acompanhar em mais uma viagem pela Indochina: passei o dia entre o hotel e o aeroporto, cheguei ao hotel às nove da noite e sentei-me com o grupo no restaurante ao lado, onde vou muitas vezes jantar quando estou sozinho na cidade. Já me conhecem ali, é pequenino e calmo, come-se bem. O lugar ideal para deixar dez pessoas que (ainda) não se conhecem, numa cidade estranha, a partilhar uma refeição.

Pois: porque desta vez desculpem lá, mas tenho de "abandonar o barco" mais cedo.

Cada minuto: uma preciosidade. E eu tenho MESMO que descansar.

Pedi uma pizza individual, o rapaz trouxe-a numa caixa para eu comer no hotel e recusou-se a receber qualquer dinheiro. Eu bem que tentei, mas ele apertou-me o braço e disse:

"Jorge, eat your pizza and get some sleep, I wish you get well soon."

E fraquinho como eu estava, a precisar de miminhos e cutxi-cutxis, só me faltou chorar ali à frente de toda a gente ;)

Fui para o quarto, portanto. Febre outra vez a roçar os 39C, suei mais duas ou três t-shirts durante a noite, meti antibiótico e tudo o que tinha a "meter, dormi das dez da noite às oito da manhã, três ou quatro idas à casa-de-banho pelo meio, mais bochechar água salgada como me foi recomendado por amigos indianos, mais eu-sei-lá-o-quê.

Amigdalite, dia 5:
Hànôi

Acordei com menos febre do que quando me deitei. Trinta e oito. Um dos meus companheiros de viagem emprestou-me um casaco, por isso saí à rua com várias camadas em cima, incluindo uma espécie de toalha/pano que comprei no Curdistão, enrolado ao pescoço, parecia que ia para uma expedição no Pólo Norte.

Lá fora: um dia maravilhoso.

Céu azul daqueles que tão poucas vezes acontecem nesta cidade. Uma luz de Outono cheia de melancolia, as ruas ainda tímidas - activas mas a despertar. Passámos a manhã às voltas pelo Bairro Antigo, como é costume neste primeiro dia de aventura. Andei um bocadinho mais devagar mas o grupo não pareceu importar-se muito ;) e tive de abdicar da minha bia hoi. Que bem que me costuma saber aquela cerveja artesanal fresquinha logo às dez da manhã...

Entretanto "tenho" duas pediatras, uma enfermeira e uma farmacêutica no grupo - e foram unânimes quanto ao facto do antibiótico que me foi dado não ser o correcto.

"Este é para abcessos."

Ok.

Começamos do zero?

A sério. Só a mim.

Fomos a uma farmácia e lá comprei a poção mágica certa, mas convém-me tomar o veneno mais dois dias, para completar o tempo, bla bla, etc etc.

Passeatas, farmácias e mercados. Motas carregadas até ao infinito, comida fresca a passar à frente do meu nariz, enfeites de Natal e brinquedos e o caos das compras. Buzinadelas. Passarinhos nas suas gaiolas. Crianças a correr e a rir. E quando chegámos ao bun chá, para almoçar naqueles banquinhos de plástico tão típicos rentes ao chão, parecia que tinha andado uma semana inteira sem parar. Fiz-de-forte e tentei dar ares de quem está em cima do acontecimento - mas só me queria deitar. Doíam-me as pernas, pele e pelos e ossos, doíam-me os pulsos como se alguém me tivesse agarrado com toda a força, doía-me o corpo todo como se o trânsito de Hanói, todas as três milhões de motas, em vez de andarem à minha volta tivessem passado por cima.

Comi o bun chá. Comi - mais ou menos. Petisquei. Pela primeira vez na minha vida, e espero que a última: não acabei um bun chá.

Isto está mesmo mau.

Findo o almoço, dei uma horinha livre para café, descanso e/ou compras - e fui deitar-me. Mas já sabia que não ia ter energias para acompanhar o grupo na parte da tarde. Por isso: o que é que eu fiz?

Em primeiro lugar: parabéns a você. Uma das meninas do grupo fazia anos e o Trung, o gerente do hotel, notou nisso ao fazer o check in. Comprou um bolo e flores (!) e a Catarina apagou as velas antes do passeio de mota. Foi um momento especial, com um bolo personalizado, concerteza que não se vai esquecer deste aniversário :)

Mas voltando ao drama...

Convoquei dez motas para um passeio ao Templo da Literatura, Mausoléu do Ho Chi Minh e Pagoda de Um Pilar. A maior parte dos drivers já conhece o roteiro, já fez isto comigo várias vezes - e foi a esses que me dirigi. Vocês tomem conta do meu grupo, eu hoje não os acompanho, vou ficar aqui a descansar.

Dei o briefing ao grupo, expliquei-lhes o que iam ver, os tempos em cada sítio, a que horas nos encontrávamos. E fiquei a vê-los partir, naquela rua apertada, de perfil recortado no sol, qual western... hmmm ok. Mas deu-me um aperto, como uma galinha que abandona os seus pintainhos pela primeira vez, para que se aventurem sozinhos. Eles são só uns pintainhos.

E eu: uma galinha?

Ok: é da amigdalite.

Provavelmente é hora de tomar o remédio. Já volto, para ver se acabo de vez com esta epopeia.

03/12/2013

A EPOPEIA DA AMIGDALITE (parte 1)

Os últimos dias não têm sido nada fáceis... e por muito que apeteça, entre o que tem-de-ser e o que pode-ser, não tenho conseguid juntar energias para escrever.

Vamos então a um update desta amigdalite que nunca mais desampara a loja:

Amigdalite, dia 1:
Luang Prabang, 19:00

Arrepio-tsunami durante a massagem, não consigo parar de tremer. Volto para o hotel de mota, passo na farmácia mas recuso antibiótico, isto não é nada, é só umas dores de garganta, sai umas pastilhas, se faz favor.

Noite inteira com febre superior a 39C. O meu amigo Xay fica a tomar conta de mim. Incansável.

Amigdalite, dia 2:
Luang Prabang

Não tenho energias nem condições para levar a Conceição ao aeroporto. Despedimo-nos no hotel e o Xay faz as honras da casa. No regresso, "obriga-me" a ir para o hospital. Quando me vê, o médico manda-me deitar-me numa marquesa. Espetam-me uma agulha na mão esquerda, fico "ligado" ao antibiótico durante uma hora. A enfermeira - muito gira, por sinal - chama-me "bebé".

Sinto-me melhor, no regresso ao hotel. Começo a tomar os antibióticos que me deram no hospital. Fico a tarde toda a descansar, o Xay vai trabalhar. Faço as malas e ao fim da tarde o meu amigo vem buscar-me, para me deixar no aeroporto.

Voo para Hanoi. Chego à noite, sem reserva. Na rua onde costumo ficar instalado, alguém que me conhece, alguém que eu reconheço dali da rua, chama-me e diz-me para ficar no seu hotel, que me faz um desconto no quarto. Lembro-me que já estive lá hospedado, há três ou quatro anos, não era mau. Faço o check-in. O quarto: óptimo. Durmo que nem um bebé.

Amigdalite, dia 3:
Hanoi

Vou de manhã ao aeroporto, para ir buscar a Wania, uma senhora brasileira que já viajou comigo no Transiberiano. Ela faz anos, mas quem recebe um presente sou eu: uma t-shirt do Rio. Fico logo mais bem disposto. Almoçamos juntos e à tarde volto para o meu quarto, preciso de descansar, preciso de recuperar energias para o grupo que chega amanhã.

Ao chegar ao hotel, tenho uma surpresa: preciso de mudar de quarto. Digo que estou contente com aquele, dizem-me que não posso, que tenho de pagar mais, dizem-me que têm outro para mim e que até é mais barato. Não tenho energias para discutir, além de que estou convencido que me vão dar um quarto mais pequeno, no mesmo hotel. Aceito. E então levam-me para um prédio na mesma rua, três ou quatro números abaixo. Um restaurante abandonado com quartos em cima. Entro e não gosto. Não é péssimo... mas não gosto. Queixo-me que não tem luz (só há uma janela pequena a um canto) e que o colchão parece-me muito fino. O rapaz diz que vai avisar na recepção e que vão tentar mudar-me para outro quarto. Sento-me à secretária e escrevo um post no blog, respondo a alguns e-mails, converso com amigos. Faz-se noite, é hora de jantar. Levo a Wania ao meu restaurante preferido, é os anos dela. Sinto-me um pouco mais cansado, mas bem.

Amigdalite, dia 4:
Hanoi

Acordo: um zombie. Não dormi nada a noite toda. Quando voltei do restaurante, na noite passada, fiquei um pouco no skype à conversa com um amigo - e quando me fui deitar... não consegui adormecer. O colchão, além de fininho, era duro que nem uma pedra. Dei voltas e reviravoltas, suei insultos e ensaiei discussões. Acordei sem forças e com alguma febre. Desci com as malas e anunciei que ia fazer check-out. Concerteza. Começaram a fazer as contas, tudo em silêncio, eu preparado para esgrimir argumentos e nada. Conta paga e disparei levezinho:

"Tens noção que eu ia ficar quatro dias. Saio agora porque o quarto era nojento, a cama era horrível, não dormi nada e estou mais doente do que quando cheguei."

"Sorry", foi a resposta.

E assim nos despedimos

Virei a esquina e pedi socorro ao Trung, o manager do hotel onde ficam os meus grupos da Nomad. Ele arranjou-me um quarto e um chá, deu-me pequeno-almoço e a atenção que eu precisava. Só me apetecia chorar.

Entretanto havia trabalho a fazer. Às nove e meia da manhã apanhei um táxi para o aeroporto, o novo grupo chegava hoje. E poupando nos detalhes: passei o dia inteiro entre hotel e aeroporto... só consegui parar às nove da noite. Estava estafado, sentia-me - desculpem-me o português - uma merda.

Hmmm... desculpem-me mas tenho que sair. Tenho um comboio para apanhar. Amanhã conto o resto.

BOM DIA, HÀNÔI

O sol nasce e a cidade acorda, as energias acumulam-se e eu quero-as todas só para mim.

A recuperação da amigdalite está a ser lenta... mas finalmente começo a notar melhoras. Entretanto já arrancou nova edição da viagem pela Indochina. Ontem o grupo descobriu os encantos e as emoções de Hanoi, e hoje avançaram pelo Vietname fora - estamos em Ninh Binh.

Próxima paragem: Hué. E a minha recuperação total ;)


01/12/2013

EU QUERIA ESCREVER QUALQUER COISA,

mas estou sem energia para seja-o-que-for.

O grupo já cá está todo. Passei o dia entre o aeroporto e o hotel, nas corridas que já se sabe. Preciso de desmaiar aqui na cama, e só acordar amanhã.

Boa noite!