30/04/2013

PARA TI, ANTÓNIO

Na noite antes de sair para a caminhada no Parque Nacional de Torres del Paine, recebi a trágica notícia de que um grande amigo (e companheiro de várias viagens) tinha sofrido um acidente horrível, em casa - e que estava numa situação muito delicada, entre a vida e a morte. Não interessa entrar em pormenores agora - e se partilho esta informação é porque achei importante, para entender o estado de espírito com que parti para o trekking, e a motivação que este acidente me deu depois de me ter magoado.

Podia demorar-me em filosofias sobre a fragilidade da vida e de todas as coisas que damos por garantidas, as gargalhadas e as lágrimas, os pequenos prazeres, os confortos e até os dramas, os medos, as discussões. Tudo pode mudar num instante - é verdade. Mas não me vou prolongar muito nisto. Não é o lugar. Não é o momento.

Quando, na descida das Torres, me magoei no joelho, comecei por amaldiçoar a sorte e os deuses, e-agora-como-vai-ser... porque custava-me a dobrar, porque custava-me a esticar, a subir e a descer, e porque nunca tinha sentido uma dor assim. E se é uma coisa que fica. Dei cabo do joelho, tantos trekkings ainda por fazer. Dramas.

Na fase final da descida, pedi ao Bunty para ir andando à frente, sempre à vista. Se eu não demorasse muito, podia ficar a descansar junto à ponte, no caminho que segue para Los Cuernos, enquanto ele ia buscar a mochila grande ao refúgio da primeira noite. Assim, quando ele voltasse, eu estaria mais fresco outra vez - e, tinha a certeza, conseguiria fazer o caminho para Los Cuernos, o segundo refúgio, que era mais plano, sem tantas descidas e subidas.

E por falar em descidas: foi um autêntico calvário, chegar até à ponte. Parei várias vezes, inventei posições e formas de andar que atenuavam a dor, tomei um comprimido, apliquei o bálsamo... mas durante todo o caminho nunca consegui abstrair-me da tragédia que acontecera ao meu amigo António. Eu ali no meio do nada, sem saber sobre o evoluir do seu estado, e a queixar-me de uma estúpida dor no joelho - e eis que comecei a mentalizar-me que todo o meu esforço poderia ser convertido em energia, que de alguma cósmica forma atravessaria meio-mundo para o ajudar. Há quem acredite em coisas mais estranhas.

António: vou completar este trekking, com muito ou pouco esforço, com ais no joelho e uaus em meu redor - e cada momento, cada passada, cada energia gasta é um investimento. É para ti.

:(

29/04/2013

ASCENÇÃO... E QUEDA

Confesso que hoje custou-me mais a acordar. Estava escuro, lá fora - e frio, dentro do quarto - quando o despertador tocou, pouco depois das seis e meia da manhã. Saímos da camarata de fininho, para não acordar ninguém; mas pouco depois, enquanto arrumávamos as mochilas na sala, começaram a aparecer outros madrugadores. Quase sem darmos por isso, eram quase sete e meia - o plano inicial era arrancarmos às sete - e como o pequeno-almoço começava a ser servido a essa hora... perdido por cem, perdido por mil eheh.

Comemos ao som de Def Leppard (eles gostam mesmo destas pérolas), deixámos as mochilas na recepção e fomos os primeiros a sair para a caminhada, ainda o sol estava a aparecer no horizonte. O céu estava limpo, sem uma única nuvem - e se assim continuasse o resto do dia, bem que podíamos agradecer aos deuses, ou à sorte, a peripécia de ontem.

O nosso objectivo para hoje era subir até ao posto de observação, descer novamente até ao refúgio, pegar nas mochilas e avançar para o segundo refúgio, que fica "a meio do W". Tínhamos as reservas feitas e queríamos mantê-las, porque não sabíamos se nos cobravam mais por alterar. Sim: era um plano ambicioso, mas estávamos confiantes. Os quilómetros de ontem ainda não pesavam muito, o entusiasmo continuava o mesmo - e o tempo, pelos vistos, parecia querer ajudar.

Eram oito da manhã quando arrancámos. Desta vez, no caminho certo. E que caminho. Sempre a subir, passando por paisagens maravilhosas - montanha, floresta, rios - e sempre bem assinalado.

E o tempo: que dia!

Durante a subida, ia mais preocupado com o Bunty, que se queixava um pouco. Abrandámos um bocado o ritmo porque ele estava mais cansado, eu carregava a mochila com a comida, nas subidas; e ele nas descidas. Mesmo assim, conseguimos um bom ritmo, parando apenas para beber água e descansar, tirar algumas fotos... foi um belo passeio. Por momentos acreditei que o Bunty não ia subir a última parte, mas a vontade de ver as Torres era tanta, e o sorriso das pessoas que desciam a montanha, depois de terem assistido ao nascer-do-sol com aquele céu imaculado... tínhamos de subir os dois.






Assim foi: a última fase é a mais complicada, porque é mais a pique, mas nada de extraordinário. O caminho é óptimo, bem marcado, e mesmo quando desaparece todo o tipo de vegetação e o caminho se faz nas rochas - até aí se faz bem.


E quando chegámos...

Quando chegámos: o que dizer. Como descrever, em palavras, tudo aquilo que uma pessoa sente quando vê tal quadro?

Já tinha visto fotos na net - e partilho aqui as minhas, também. Mas peço desculpa: só mesmo ao vivo. E quem já lá foi e teve a sorte de as ver, sabe do que estou a falar. A harmonia entre as Torres e o lago em frente, a neve a salpicar a paisagem, a dimensão de tudo, a insignificância de cada um de nós. E, neste dia maravilhoso: o céu azul, sem uma única nuvem, o sol a sorrir.

Ainda bem que nos perdemos ontem. Ainda bem que fomos pelo caminho errado. Se tivessemos vindo aqui ontem, teríamos feito toda a ascenção debaixo de chuva e vento e frio... e o céu estaria tão carregado de nuvens, cá em cima, que provavelmente nem víamos nada.

E hoje: além do céu azul, chegámos cedo - e chegar cedo quer dizer que não há mais ninguém. No mirador, estávamos nós os dois e uma família de três, e um grupo de quatro amigos. Pouco depois chegou um homem sozinho, e depois mais três pessoas. Durante a meia hora em que nos sentámos a contemplar, a tirar fotos, a passear junto ao lago, não havia quase ninguém ali.

Quando finalmente começámos a descer, passaram por nós, durante a primeira fase do percurso, cerca de setenta pessoas. Do que nos safámos! ;)

Vínhamos radiantes, cheios de confiança, contávamos estar lá em baixo por volta das três e meia da tarde - mesmo que saíssemos para o segundo refúgio às quatro, e mesmo que demorássemos quatro horas a lá chegar, estava óptimo. Às oito da noite ainda há alguma luz - com este ritmo, estamos bem.

Só que de repente... e há sempre um "de repente"... porquêêê?!!!

Já tinha sentido algumas dores no joelho esquerdo, muito ligeiras, nada que me chateasse muito. Mas a confiança no ritmo era tanta que, a certa altura, desviei-me (sem querer) do caminho e foi preciso saltar de um pequeno monte para voltar à "origem". Cerca de um metro de altura, nada de especial, e quando "aterrei" nem sequer senti dor nenhuma...

...nada de especial - mas pouco depois, as dores no joelho começaram a ficar insuportáveis. Custava-me a dobrar, custava-me a esticar... nunca senti nada assim, e já fiz trekkings mais difíceis.

Parámos junto ao refúgio a meio do caminho, para aplicar um pouco de tiger balm e descansar um bocado. E agora? Isto tem de melhorar. Fazer o resto do trekking assim vai ser um pesadelo, para além de nos baixar o ritmo. Será que vou conseguir descer até ao primeiro refúgio? Tenho que descer - claro que vou descer. Mas será que ainda o vamos fazer a tempo de cumprir o nosso objectivo, e continuar para a próxima paragem, em Los Cuernos? E se não conseguirmos - se demorarmos muito tempo -, será que nos deixam alterar as reservas?

28/04/2013

24KM


"Vocês estão no caminho errado. Este não é o caminho para as Torres."

Sorrimos, em choque. Fizemos doze quilómetros... para nada?

"Este caminho vai ter ao primeiro refúgio do 'O', o circuito que faz a volta toda ao Parque. Não tem nada a ver com o 'W'," acrescentou outro dos caminhantes.

Trocámos algumas impressões sobre a insólita revelação, como fora possível enganarmo-nos assim... o facto é que não tínhamos aberto o mapa uma única vez, desde que começáramos a andar. Sempre a sorrir, envergonhados pela estupidez, desejámos boa viagem ao grupo e voltámos para trás.

Sim: caminhámos 12km... para lado nenhum.

Sabíamos que estávamos a fazer o primeiro troço do 'O'... o problema é que fizemo-lo convencidos que o 'O' se formava a partir da última perna do 'W'... e afinal era uma coisa completamente à parte. Tal fora a confiança, que não sacámos do mapa uma única vez, durante todo o passeio.

Se desperdiçámos a primeira tarde?

Não me parece. Sou um optimista. Aliás: somos ambos optimistas, tanto eu como o Bunty. No regresso, entre risadas e calduços, decidimos que este fora o nosso warm up para a caminhada que se segue. E que, em vez de um "Duplo V", este nosso trekking vai ser um "Triplo V", porque acabámos de acrescentar uma perninha ao 'W'.


No regresso ao refúgio, o tempo foi melhorando aos poucos. Começámos a ver algum céu azul, entre as nuvens. Pode ser que amanhã esteja melhor. Pode ser que, por nos termos enganado, consigamos ver alguma coisa das torres. Hoje, se tivéssemos acertado no caminho, não teríamos sorte nenhuma. Há azares que vêm por bem. Pode ser que este seja um deles.

Entretanto chegámos à margem do riacho que atravessáramos, saltando de pedra em pedra, para não molharmos os sapatos. Com a chuva, o caudal aumentara consideravelmente. Na outra margem estavam dois turistas, despidos da cintura para baixo, prontos para atravessar a indomável corrente. Mas a nós não nos apetecia tanto trabalho, quanto mais molhar as pernas ;) por isso decidimos procurar uma passagem mais prática. Subimos a margem, por entre ervas e galhos e alguma lama, até que descobrimos uma árvore derrubada, que de certa forma fazia uma ponte natural. Atravessámo-la com cuidado e voltámos ao caminho. Os outros turistas estavam a vestir-se, do lado oposto do rio.

Chegámos ao refúgio pouco depois do pôr-do-sol, a tempo de tomar um duche e jantar. E claro está que, em conversa com outros caminhantes, calhou falarmos da nossa... hmmm... chamemos-lhe peripécia... e foi só rir.

Vinte e quatro.

Fizemos vinte e quatro quilómetros no primeiro dia... só para aquecer. E amanhã queremos recuperar o tempo perdido. Será que vamos conseguir?


27/04/2013

UM PASSEIO NO PARQUE

Segundo o rapaz da agência que nos fez as reservas dos refúgios, é possível subir até às Torres no dia de chegada e voltar para o refúgio a tempo do jantar. Assim sendo: planeámos cumprir a "primeira perna do W" logo no primeiro dia. Mal chegámos ao refúgio, preenchemos todas as formalidades do check-in, arrumámos as mochilas no quarto, comemos qualquer coisa e equipámo-nos a rigor, porque estava frio e o vento soprava forte.

Saímos do refúgio ao meio dia e meia, cheios de entusiasmo porque, logo no primeiro passeio deste trekking, íamos finalmente ver de perto as Torres del Paine. Se a meteorologia deixasse, claro.

Demos uma rápida vista de olhos ao mapa, vimos que o próximo refúgio/acampamento ficava a cerca de 9km - mais ou menos 3 horas, segundo o mapa, mais uma para subir até ao "ponto de observação" das Torres. Ou seja: cerca de oito horas para ir e voltar.

"Mas como temos um bom ritmo," dissemos um ao outro, "conseguimos fazer isto em sete horas, no máximo."

Ainda nos estávamos a calçar quando vimos dois caminhantes a passar. O mapa já estava guardado, por isso nem foi preciso tirá-lo da mochila - e seguimo-los. Um pouco à frente encontrámos a primeira placa com informações sobre o caminho: dizia que o próximo refúgio ficava a 12km (o mapa estava errado?!), e mostrava quase de forma gráfica a evolução do terreno.

Avançámos.

Primeiro por dourados campos a dançar ao ritmo do vento, depois por uma floresta que parecia tirada de um conto infantil, com árvores que a qualquer momento podiam ganhar vida e atacar-nos. Começámos a sentir os primeiros pingos de chuva ainda nesta fase mais protegida, e quando o caminho ficou mais "aberto", então levámos com chuva gelada e vento, que teimavam em melhorar ciclicamente, para depois voltar a piorar. O céu estava carregado de nuvens cinzentas, muito pouco animadoras, e apesar de termos noção de que muito dificilmente íamos ver as Torres, continuámos a avançar com ânimo. Ambos gostamos de andar, e este trekking estava a saber-nos bem.


Atravessámos um riacho, saltitanto de pedra em pedra, parámos algumas vezes para reforçar energias com os snacks aconselhados pelo herói americano, ultrapassámos outros caminhantes que seguiam com mochilas enormes para fazer o circuito total, mas além de alguns sorrisos e cumprimentos, não houve grande conversa. Seguíamos as marcas laranja à beira do caminho, que nos indicavam por onde ir, de vez em quando lá íamos passando pelas placas que nos informavam sobre a distância já percorrida, a que falta até ao nosso objectivo, e a evolução do terreno. Nada mau. Dificuldade zero, a única contrariedade era mesmo o tempo.

Contudo, cedo nos apercebemos que a distância era realmente maior do que aquela que tínhamos visto no mapa, e pareceu-nos cada vez mais improvável que conseguissemos subir até às Torres e voltar até ao refúgio original, tudo numa só tarde. Aliás: as Torres nem sequer estavam à vista, e o facto do céu estar tão encoberto só contribuiu para reforçar a convicção de que nem sequer íamos conseguir vê-las.

Amaldiçoámos o rapaz da agência algumas vezes, por ter sido demasiado optimista, mas também sabíamos que a meteorologia é madrasta, no parque - e com o tempo que estava hoje, não tínhamos grandes hipóteses de ver fosse-o-que-fosse, mesmo que conseguíssemos lá chegar.

Mas volto a insistir: apesar da chuva e do vento e do frio, a caminhada estava a ser fácil. Não havia grandes escaladas, parte dos trilhos era suficientemente larga para passarem carros, o caminho estava bem assinalado. Maldito americano, que conseguiu assustar-nos com os seus dramas da montanha. Este trekking afinal é facílimo - este trekking afinal é um autêntico "passeio no parque".

O único problema é que as Torres estão mais longe do que imaginávamos.

O tempo melhorou ligeiramente. Já não chovia, o vento tinha parado, até parecia que estava mais calor. O telefone dizia-nos que passavam poucos minutos das quatro da tarde - estávamos a caminhar há mais de três horas, portanto, e quase a chegar ao refúgio de onde seria mais uma hora de caminhada, sempre a subir até ao ponto de observação. Ainda tínhamos fé que o tempo mudasse, que o céu de repente ficasse azul e os passarinhos cantassem à nossa passagem. Tinhamos fé que a subida fosse mais fácil que o previsto, e que fosse possível ver as Torres em toda a sua glória e voltar antes que escurecesse...

...quando subitamente ouvimos gritos.


 
Parecia alguém a chamar-nos. Virámo-nos para trás, ao longe vimos um grupo de quatro caminhantes. Um deles acenava com qualquer coisa na mão - o meu cachecol! Tinha tirado o cachecol, porque estava com calor, e pusera-o no bolso do casaco, em vez de o arrumar dentro da mochila, porque achava que ia precisar dele em breve... deve ter caído, sem eu dar por isso.

Esperámos que se aproximassem e quando isso aconteceu, agradecemos a amabilidade. Entretanto iniciou-se a conversa do costume, where-are-you-froms e etcs, eles vinham carregadíssimos e estavam fascinados com o facto de só trazermos uma mochila pequena.

"É que nós voltamos hoje para o refúgio do início," explicámos. "Vamos só ver as torres, voltamos para baixo e amanhã seguimos para o resto do 'W'."

"Mas isto não é o 'W'."

O tempo parou.

"Como?"

"Vocês estão no caminho errado. Este não é o caminho para as Torres."

26/04/2013

PARTIDA, LARGADA...

O autocarro veio buscar-nos ao hotel, ainda o sol não tinha nascido, e enquanto o céu ganhava cores de inferno, andámos às voltas por Puerto Natales, a "apanhar" outros turistas. Aproveitámos para "estudar" o tipo de pessoas que vinham para o parque, o que vestiam, quanto carregavam - e apercebemo-nos que:

1. as nossas mochilas vêm muito cheias. Há pessoas que praticamente não trazem nada, de certeza que fazem as refeições todas nos refúgios. O peso é inimigo do conforto, e apesar de não virmos exageradamente carregados, é óbvio que podíamos ter vindo mais leves.

2. apesar de haver muita gente bem equipada, outros parecem vir muito descontraídos, e há até quem pareça vir menos bem preparado que nós. Menos mau: não há razão para alarme.

Mas isto de comparar a nossa galinha com a da vizinha, vale-o-que-vale. Cada pessoa é um caso, é uma história, uma experiência. E a nós interessa-nos que nos corra bem, o passeio. Não quero saber se a experiência é melhor ou pior que a dos outros, se vamos mais equipados ou não, mais carregados ou menos. Desde que corra bem.

Apesar do entusiasmo e do condutor nos brindar com uma banda sonora de clássicos como "Africa" e "Road to Nowhere", acabámos por adormecer. A viagem até ao parque demora cerca de duas horas, e lembro-me de acordar três ou quatro vezes e espantar-me com a paisagem inóspita de lagoas e rochedos, sempre com as montanhas em pano de fundo. Lembro-me também de ver avestruzes à beira da estrada - e guanacos (um animal de pescoço comprido, parecido com o lama). Mas dormi, a maior parte do tempo.

Quando chegámos à entrada do parque, um voluntário entrou no autocarro para explicar algumas regras e chamar a atenção para os perigos de fazer fogueiras. Contou-nos que há dois anos, um incêndio consumiu quase metade da área do parque. Agora é proibido fazer fogo em qualquer circunstância, e as multas para quem não cumprir as regras são pesadas. Depois, outro voluntário desafiou os turistas a ficarem mais um dia no parque, para ajudar a plantar árvores novas - mas ninguém pareceu muito entusiasmado.

Depois de comprarmos os bilhetes fomos encaminhados para uma sala, onde assistimos a um video de sensibilização - surpresa: contra incêndios -, em que uma voz de locutor espanhol de documentário voltou a descrever as regras do parque e insistiu no problema dos fogos florestais. Mais tarde, em conversa com uma francesa, ficámos a saber que depois de um primeiro incêndio há alguns anos, causado por um suíço, em 2011 um israelita ignorou todos os avisos e fez uma fogueira... que resultou no maior incêndio da história do parque.

Mas voltando à nossa aventura: mudámos para outro autocarro, e no momento em que estávamos a arrancar para os 7km finais até ao refúgio, o condutor do primeiro autocarro apareceu a correr com um volume na mão... alguém se tinha esquecido de alguma coisa... ups... era a bolsa onde eu guardo a minha máquina fotográfica - com a respectiva, lá dentro! Nem queria acreditar na distracção (não que seja completamente atípico, mas há muito tempo que não me acontecia uma destas).

Arrancámos. À nossa frente, montanhas e nuvens. E de repente: um arco-íris. No exacto momento em que arrancámos para o refúgio: um arco-íris.

Isto só pode ser bom sinal.

 

25/04/2013

ESTÁ QUASE!

Os relatos e as fotos estão quase prontos, amanhã começo a publicar uma série de posts sobre este trekking épico! :)




24/04/2013

AQUI TAMBÉM SE PINTAM PAREDES

Não muito, mas também se pintam paredes em Puerto Natales. A cidade não tem uma cultura de grafitti ou de arte urbana - e ainda bem, na minha opinião, porque penso que não ia ficar nada bem aqui. Mas entre alguma publicidade "castiça" e um outro mural de protesto, lá se vai encontrando alguma mão artista por cá.

Fica aqui um exemplo, novamente sob o pretexto de queimar tempo, eheh, de um mural que me chamou a atenção pelas cores e pelo estilo.






QUEIMAR TEMPO

Nas voltas por Puerto Natales para abastecimento, reservas e "reforçar equipamento", acabámos por passear um pouco também. A pequena cidade não me seduz, apesar de ter "qualquer coisa". Os quarteirões são organzados em grelha e a construção é quase toda em madeira, contraplacado e chapa, muitas casas estão pintadas e bem arranjadas, outras em mau estado ou abandonadas... o que empresta à cidade qualquer coisa de favela, e qualquer coisa de bairro antigo chique. Também tem alguns edifícios históricos, e de certa forma fez-me lembrar a paisagem humana/urbana da Noruega, ou do Alasca (apesar de nunca lá ter ido) - mas latina e mais pobre.

É engraçado como as perspectivas diferem de pessoa para pessoa, e de cultura para cultura. O Bunty, por exemplo, ficou apaixonado pela cidade. Achou tudo muito exótico, fartou-se de tirar fotografias às casas. Depois "roubo-lhe" algumas e publico aqui.

Assim sendo, aproveito para "queimar tempo", enquanto termino os relatos do trekking, e hoje partilho uma mão cheia de instagrams que fiz de alguns pormenores da cidade.






23/04/2013

O "W"

Existem dois circuitos clássicos para quem faz trekking no Parque Nacional Torres del Paine:

O "W", que se faz normalmente em três ou quatro dias, é o mais famoso - e aquele que pretendemos cumprir. Tem refúgios em pontos estratégicos e acesso às Torres del Paine, ao Vale Francês e ao Glaciar Grey, que são os três ex-libris do parque - se é que se pode chamar assim.

Decidimos começar por Las Torres, no canto direito do "W". Há quem faça no sentido contrário, começando por Paine Grande, mas achámos melhor fazer da direita para a esquerda, pois assim vemos as Torres logo no primeiro dia... e se houver algum imprevisto, pelo menos vimos o principal. Se o tempo o permitir, claro - porque se há coisa que não se pode prever, neste parque, é o tempo. Muda com uma rapidez incrível, tem vários micro-climas... é uma questão de sorte.

Mas voltando ao nosso plano:

No primeiro dia vamos "subir a perna direita" até às Torres del Paine e depois descer novamente até ao ponto inicial, no refúgio Las Torres, onde ficamos a dormir. O segundo dia é o mais calmo, para descansarmos do esforço inicial. Fazemos parte da "base do W", da ponta do lado direito até ao refúgio Los Cuernos, a meio do Lago Nordenskjola. No terceiro dia, subimos "a perna do meio" até ao Vale Francês, voltamos a descer e prosseguimos até ao canto esquerdo do W - até ao refúgio Paine Grande, onde dormimos na terceira noite. E no último dia, subimos a "perna da esquerda" até ao Glaciar Grey, descemos novamente e apanhamos o ferry de regresso a Puerto Natales.

Ainda há outro circuito, conhecido pelo "O", que dá à volta ao parque e inclui também o "W". Algumas partes são mais inóspitas, há menos apoio e o acesso é mais difícil. Este é o circuito que o herói americano estava a "vender" e precisa de outro tipo de preparação. Para fazer o "O", é obrigatório levar equipamento de campismo.

Está quase.... :)

22/04/2013

TORRES DEL PAINE

Ainda a recuperar do choque físico, psicológico e emocional que foram os dias passados no Parque Nacional Torres del Paine; ando aqui às voltas com o texto e as fotos. Não tarda nada publico mais qualquer coisa.

Fica uma foto para aguçar o apetite. :)


FOMOS ÀS COMPRAS

Confesso que depois da palestra do herói americano, ficámos um bocado à nora com todo o planeamento. Se por um lado nos apercebemos que estáamos mal preparados, por outro ficámos na dúvida até que ponto é que o GI Joe estava a dramatizar.

Tentámos relativizar o discurso. Lemos tantos relatos diferentes na net, de todo o tipo de gente que cumpriu este percurso - não pode ser assim tão difícil.

Mas lá está: o Chuck Norris semeou uma semente de receio.

Passámos o dia seguinte às compras, portanto. Comida, equipamento vário, a última ceia antes da partida... e, claro, fomos reservar os refúgios. Está decidido: ficamos no "SPA para meninos", com direito a beliche em camarata, banho e jantar quentes - e até pequeno almoço. Isto não é o Survivor - isto é "férias".

O herói americano tinha avisado para não fazermos refeições grandes, porque "depois ficam muito cheios e custa mais para recomeçar o trekking". Disse que o ideal era termos snacks para ir comendo de hora em hora, assim fazíamos paragens mais curtas (ele, claro, não precisa de parar, come em andamento para não desperdiçar tempo!) e assim recuperávamos energias mais vezes, em menos quantidade.

Feitas as contas: chocolates, frutas secas, sandes, sumos... temos piquenique para várias famílias. Isto vai pesar na mochila...

21/04/2013

DIRTY AND ROUGH

Chegámos a Puerto Natales com a energia em alta: queríamos partir o mais depressa possível para o "W", o mítico trekking de 3 ou 4 dias no Parque Nacional Torres del Paine. Mas com as correrias e emoções dos últimos tempos, investigámos muito pouco - e precisávamos de mais informação, para além do lonely planet e algumas pesquisas no google.

Assim, foi só pousar as mochilas no quarto e seguimos directos para uma sessão de esclarecimentos sobre o circuito que, segundo nos tinham dito em El Calafate, acontece todos os dias às três da tarde. Tínhamos imaginado um veterano chileno a responder pacientemente às perguntas de meia dúzia de saloios - nós, incluídos. Ou seja: quando entrámos na sala e deparámos com trinta pessoas equipadas como se fossem para o trekking logo a seguir à sessão, todos muito concentrados a ouvir a palestra que tinha começado há poucos minutos... mas este foi só o primeiro choque.

A comandar a palestra estava um americano de trinta anos, sentado num banco alto com um mapa enorme atrás, uma cana para apontar os lugares à medida que falava, uma lista de temas muito bem organizada, primeiro a descrição do circuito, depois o equipamento, comida, condições climatéricas, etc, etc. Mas uma das primeiras coisas que o ouvi dizer foi:

"Out there you don't wanna eat healthy. Out there, you eat junk."

Imaginem um Chuck Norris mais novo, vestido de Quechua, a falar como o Tommy Lee Jones naquele célebre discurso de caça-ao-homem no filme "O Fugitivo", com a mania que é o gajo do "Into the Wild" e tiques do outro do "127 Horas". Era assim, o guru de hoje.

Ao tom militar que imprimia ao briefing, só lhe faltava uma banda sonora de marchas de guerra a la Hollywood. Juro que a dada altura, comecei a perguntar-me se íamos fazer um trekking ou conquistar o parque aos índios Apache.

Eu e o Bunty tirávamos notas em silêncio, para passar despercebidos no meio de tanta estratégia. Mas outros faziam perguntas sobre sobrevivência. Entre dicas importantes e pormenores que nos permitiram ter uma ideia mais concreta do que nos esperava, o herói americano lá ia polvilhando a conversa com as suas façanhas e os perigos que tinha ultrapassado. Partilhou, por exemplo, que apesar do frio glaciar ele não vai na conversa do equipamento XPTO, e faz sempre o trekking de calções, porque assim seca mais depressa, "but that's me, I like it dirty and rough."

Ou seja: entre dramas da montanha, relatos pessoais de heroísmo, lendas várias e horrores pouco próprios a pessoas mais susceptíveis, saímos dali mais assustados que esclarecidos.

O que não tem de ser necessariamente uma coisa má.

Decidimos ficar um dia extra em Puerto Natales - não estávamos, claramente, preparados. Precisávamos de fazer uma selecção criteriosa da comida a levar, comprar algum equipamento que nos faltava... e, apesar da insistente comparação dos refúgios a "spas só para os fraquinhos", decidimos que não estávamos preparados para acampar quatro dias nestas condições, e que era preferível gastar mais dinheiro, mas ter algum conforto ao final do dia.

19/04/2013

ALFAZEMA, MEL E AGENTES DO FBI


Mandam-me abrir a mala e eu obedeço, atrapalhado. Explico, nervoso, que tenho uns frascos que me ofereceram no Rio de Janeiro, mas nem sei bem o que têm dentro. Entretanto tiro da mochila t-shirts e meias e sabe-se lá mais o quê, e caem na mesa ervas e folhas e florzinhas azuis.

"Alfazema," digo a sorrir. Tinha apanhado uma ramada, à ida para o autocarro, e enfiei-a à pressa na mochila, sempre fico com a roupa a cheirar bem. O homem deve achar que sou doido. Se calhar sou mesmo. Entretanto aparece o primeiro frasco, enrolado em "plástico de bolinhas". E depois o segundo. E o terceiro. Só não aparecem os agentes do FBI, que pelo andar da carruagem já cá deviam estar. Será que me vou conseguir safar?

"Estes dois podem passar," diz-me o homem pousando dois frasquinhos na mesa, "mas este fica."

E está o assunto arrumado. Nem multas nem cadeira eléctrica, nem guantanamo nem FBI - nada. "Boa viagem" e já está.

Respiro fundo e fecho a mochila, agradeço a amabilidade e num salto estou dentro do autocarro. Pernas para que vos quero, antes que os oficiais mudem de ideias, antes que apareçam os agentes do FBI.

Foi-se o mel, ficaram os doces de banana e morango. Menos mau. Próxima paragem: Puerto Natales.

18/04/2013

PIQUENIQUE OU ARMA DO CRIME?

Passam os quilómetros, passam os minutos e a paisagem do lado de lá da janela, um mapa, o mundo. Aproximamo-nos rapidamente do Chile, meio-a-dormir, meio-a-sonhar, ao longe umas montanhas cobertas de neve, podia jurar que são as Torres del Paine.

Vejo duas tendas montadas a poucos metros da estrada, no meio do nada, duas bicicletas encostadas a umas pedras, a aventura de uma vida. Que saudades. Este autocarro sabe a pouco.

O que sabe bem são os "despojos" de El Calafate. Do piquenique com vista para o glaciar sobrou pão, queijo, presunto, fruta, bolachas. Está tudo guardado num saco: vai ser o nosso almoço de hoje.

Pouco antes de chegarmos à fronteira, o "pica" aparece no corredor e distribui formulários de imigração, que temos de preencher para entrar no Chile. Entrega também um papel para a alfândega, onde além do habitual, fazem perguntas sobre comida: se levamos fruta, sim ou não, produtos lácteos, sim ou não, sementes e produtos de origem vegetal, sim ou não... praticamente ignoramos o papel, mas à medida que nos aproximamos da fronteira, vamos lendo as regras e proibições e dramas - e apercebemo-nos que há uma preocupação clara em assustar-nos. Não tragam isto-e-aquilo, declarem toda a comida, portem-se bem senão pagam multas, são castigados, vão arder nas chamas do inferno... hmm. Se calhar é preferível declarar as sandochas e a marmita.

Saímos do autocarro ao chegar a um pequeno edifício, mandam-nos levar as mochilas connosco, vejo um cão a farejar sacos e sacolas, malas, caixotes, mochilas. Faço-me "de parvo", sorrio e apresento o saco de plástico à primeira pessoa que vejo:

"Posso entrar com isto no Chile ou tenho de declarar?"

O senhor espreita lá para dentro e num salto recua dois passos. Está branco e a suar da testa, as mãos tremem, parece que viu um fantasma. Será que entrou algum bicho para o saco? Ou foi o presunto, que apodreceu? Que horrores esconde o meu piquenique?

Espreito eu lá para dentro: continua tudo igual.

O senhor explica-me então que é imperativa e grave, a proibição de entrar em território chileno com produtos lácteos, fruta, mel, isto-e-aquilo. Do nosso saco só se safa o pão, o resto vai para o lixo. Que desperdício, podíamos ter comido tudo antes, se soubessemos.

Aliviados do peso do almoço e da consciência, avançamos então para a fila da imigração. Somos os últimos. Enquanto esperamos, faço conversa com uns turistas uruguaios e eles iluminam-me um bocadinho mais acerca da paranóia: o Chile é um espécie de ilha, dizem-me, entalado entre os Andes e o Pacífico, e por muito susceptível a pragas e doenças várias. Para proteger a agricultura e a flora, exercem um controlo rigorosíssimo ao longo das fronteiras - não passa nada que seja considerado uma potencial ameaça ao equilíbrio natural. E quem tentar atravessar com produtos proíbidos, paga uma coima de cento-e-tal dólares.

"E se não tiver o dinheiro?," pergunto.

"Escoltam-te a Puerto Natales, levantas no multibanco e voltas cá para pagar, enquanto o teu autocarro e os outros passageiros esperam por ti."

Ainda bem que mostrei o saco.

Enfim: carimbado o passaporte, da imigração prosseguimos para a alfândega, onde as mochilas passam por um enorme Raio-X. Esperamos pacientemente pela nossa bagagem... somos os últimos... até que finalmente a minha mochila entra na máquina...
 
...e eis que de repente pára tudo. Soam os alarmes, entram a correr na sala uns comandos de metralhadora em pose de "quantos são?", trancam-se as portas, ouvem-se as sirenes lá fora, os holofotes apontam para a minha mochila, you have the right to remain silent, everything you say can and will be used... estou feito.

"De quem é esta mochila?"

"É minha," digo timidamente, que mal fiz eu - eu sou só um turista. Um inofensivo turista.

"O senhor traz mel?"

Mel? Eu nunca viajo com mel. Estes gajos estão doidos.

Espera lá.

Não... não pode ser. Há uma semana trouxe uns frasquinhos de geleia do hotel do Rio de Janeiro. Já nem me lembrava disso. Tão pequenos, parecem amostras. Estarão na mochila? E agora?!

TOCA-E-FOGE

Uma escala-relâmpago em Buenos Aires que nem deu para ensaiar uns passos de tango na fila do check-in; uma tarde em El Calafate a correr de multibanco em multibanco - não porque nos desse prazer, como podem imaginar; e finalmente a visita de sonho ao mauzão do glaciar - esse mesmo, esse que rosna mas não morde, esse de imaculado branco que apetece tocar.

Esta primeira passagem pela Argentina foi o que algumas pessoas chamam de "visita de médico".

Foi um toca-e-foge.

À letra? Não: até porque nem tocámos em nada. Tirámos umas fotos, pasmámos de boca aberta com o gelo a cair na água, meditámos sobre as "coisas da vida"... mas não tocámos em nada.

E, no entanto, conta a intenção. E a gramática. Este foi, sem dúvida, o toca-e-foge mais espectacular que poderia imaginar, Argentina.

Gostava de poder ficar mais tempo: queria conhecer El Chalten e fazer um trekking até ao Monte Fitz Roy; quem sabe descer até Ushuaia... mas, como outras coisas ao longo desta viagem, fica para a próxima.

Sem tempo para fazer tudo o que gostaríamos, há que fazer escolhas. E depois de debatermos prós e contras e vontades e gostos de cada um; depois de consultarmos amigos, especialistas e curiosos... decidimos ir para Puerto Natales, no Chile - o ponto de partida para o Parque Nacional Torres del Paine.

Assim sendo: saímos hoje de madrugada do hostel, debaixo de um céu pintado de fogo, com a cabeça ainda à roda com o glaciar espectáculo de ontem, os bolsos com alfazema arrancada dos arbustos em frente ao quarto, a mochila com o que sobrou do piquenique... e sentámo-nos num autocarro com mais trinta estrangeiros.

Foi um toca-e-foge, Argentina, mas prometo que voltamos em breve. Ainda durante esta viagem.


17/04/2013

HMMMM....

De volta a El Calafate, fomos jantar fora a um dos restaurante "tradicionais" da rua principal da vila. Imaginem a minha surpresa quando, ao ler o menu, dou de caras com a seguinte sobremesa:

Hmmm... deve ser de-li-ci-o-so. ;)

Mas quando pedi:

"Desculpe, já não temos hoje."

:(

SAI UMA PEDRINHA DE GELO, SFF

Olha o glaciar, com a mania que impressiona...


AHHH! WOOOO!!!

Primeiro alguns números:

O glaciar Perito Moreno, um dos poucos no mundo que ainda está a crescer, ocupa uma área de 250 quilómetros quadrados! Tem 30km de comprimento e, na parte final, 5km de largura e 74 metros de altura.

E agora o relato:

Do passeio de barco no Lago Argentino, seguimos, de autocarro, para os "passadiços".

Os passadiços são, juntamente com os souvenirs, os tours de barco e o trekking no gelo, uma das formas encontradas pelos argentinos para explorar comercialmente o glaciar. Permitem que os turistas se aproximem, com segurança, do mesmo; e têm uma vista privilegiada sobre o gelo.

Isto ao fim-de-semana deve ser um inferno.

Mas hoje não. Por isso sentámos num cantinho sossegado dos passadiços, a contemplar o Perito Moreno durante algumas horas, e fizemos um piquenique.

Aaahhhhh! Woooo!!!

Tive sorte, volto a dizer. Muita sorte. Porque estava bom tempo, porque havia pouca gente, porque o glaciar estava "irrequieto".

Ficam mais algumas fotos: