30/09/2011

NAS ESTEPES DE GENGHIS KHAN (pt.2)


Pilecas! Os cavalos eram umas pilecas! Não respondiam às nossas ordens, arrastavam-se em fila pelo caminho que estão habituados a fazer todos os dias... que stress. Se não fosse a paisagem à volta, tinha adormecido.

Para piorar a situação: o cavalo que seguia à minha frente estava a debater-se com um grave problema de gases, e tal era a cantoria que o apelidámos de Fartarotti. Quem parecia gostar de ouvir "cantar" o tenor era o meu cavalo, que insistia em colar o focinho às partes do outro.

O passeio foi engraçado - não posso negar, não é todos os dias que andamos a cavalo na estepe mongol... mas um trotezinho... um bocadinho a galope... que tédio! Se não fosse ter descoberto, na recta final, o sinal ao qual o meu cavalo respondia, tinha pedido o dinheiro de volta ;)




























Amanhã temos nova cavalgada. Espero que seja mais emocionante que a de hoje...

NAS ESTEPES DE GENGHIS KHAN (pt.1)















Sentado à entrada do meu ger, olhei para a céu... e estava estrelado. Não vi o Deus Menino em palhas deitado, mas vi a Via Láctea. Há muito tempo que não via a Via Láctea. Aliás: há muito tempo que não via um céu assim - se é que alguma vez vi um céu assim.

Tentei tirar umas fotografias ao firmamento - e talvez conseguisse melhores resultados se fosse mais persistente - mas não consegui grande coisa, estava sem paciência, queria viver o momento.

O primeiro dia no Parque Nacional de Terelj tinha sido "um dia em cheio". Tem piada: numa viagem como esta, em que a estrela é o comboio, são as paragens que fazem a diferença.









Foi um dia em cheio, como estava a dizer. Chegámos de manhã ao Parque, depois de duas ou três horas numa estrada que era mais buracos que estrada. O dia começou chuvoso, depois cinzento e foi melhorando aos poucos, até que ao fim da tarde tivemos direito a um pôr-do-sol de cores berrantes e céu limpo.

E agora as estrelas cadentes, os satélites a passar, a Via Láctea, os dedos apontados a supostas constelações e planetas, aquela é a Ursa Maior, é a Cassiopeia, deve ser Marte, deve ser Vénus...

Tive sorte com o grupo. Eu e mais nove:

- um casal de holandeses muito simpáticos, não sei porquê faziam-me lembrar uns amigos portugueses e passámos longas horas à conversa - alguns dias mais tarde, e a muitos quilómetros daqui, os nossos caminhos haviam de se cruzar outra vez, por pura coincidência, mas disso falaremos mais tarde;

- um miúdo japonês com ar que quem saiu de casa pela primeira vez, parecia aterrorizado sabe-se lá com quê, chegou mudo e foi embora calado, sempre muito tenso, sorriso porque-tem-de-ser, só ia ficar uma noite porque estava com pressa para ir embora;

- um coreano de sessenta que mais parecia quarenta, muito cromo, equipado das unhas dos pés à ponta dos cabelos, passava o tempo a mudar de roupa conforme a ocasião, a limpar o equipamento, a arrumar, a organizar... um bocadinho, só um bocadinho obsessivo ;) e estava preparado para tudo - aposto que se o mundo acabasse amanhã, ele conseguia sobreviver mais um dia;

- quatro suecos completamente loucos, dois rapazes e duas raparigas - eles músicos, elas enfermeiras... enfim, os nossos ABBA privados. Cada momento com eles dava azo a novos trocadilhos, a certa altura a piada do grupo era falar dos costumes estranhos da Suécia, desde comerem t-shirts ao pequeno-almoço, dançarem costas com costas e de braços entrelaçados, descerem sempre as montanhas de costas, terem um desejo mórbido de matar árvores;

- uma espanhola também impecável, tímida mas conversadora, com quem passei imenso tempo a praticar o meu (fraco) castelhano;

- um americano insuportável - quem diria, ahah - que quase não saiu do ger, sempre a ver filmes e séries que tinha descarregado em Ulaanbaatar; dizia que estava farto de viajar e só queria ir para casa, não tinha paciência para nada, parecia sempre enfadado, a única vez que o vi mais entusiasmado foi quando alguém falou sobre política e era obama-para-aqui, obama-para-ali, nem percebi se bem ou mal, não me interessava, eu nestas alturas não sei falar inglês, fico muito tímido, muito pequenino, quase invisível... e vou para a porta do ger, ver as estrelas.

Já agora, para quem não sabe: um ger é uma espécie de tenda que é a habitação tradicional dos nómadas da Mongólia. Tem forma redonda e é normalmente construído com madeira e tecidos - e a família inteira vive lá dentro.

No nosso "acampamento" havia 4 gers: um da família anfitriã, os outros para os convidados. Enquanto os nossos tinham apenas camas e uma salamandra no meio, o ger familar tinha um enorme plasma ao pé da cama maior, tinha frigorífico e um guarda-roupa todo pintado às flores.



















Mas como estava a dizer antes de apresentar o grupo: foi um dia em cheio. Assim que nos instalámos nos gers, fomos avisados da hora a que seria servido o almoço - e tínhamos a manhã livre.

Fomos então dar uma volta a pé (todos menos o japonês, que foi andar de cavalo; e o americano, que não lhe apetecia caminhar e ficou a dormir), e apesar do tempo estar cinzento e ameaçar chuva, foi um passeio agradável, em que aproveitámos para nos conhecermos melhor uns aos outros. Um dos cães da família acompanhou-nos o tempo todo, e quando voltámos ao "acampamento", o almoço estava pronto a ser servido.






















O tempo começou a abrir, depois de comermos.

Passámos umas boas horas a ouvir o silêncio e a conversar, a ver acontecer o pouco que acontecia, a fugir das abelhas, a rir das piadas dos suecos. Que bem que soube.

Jogámos à bola com os miúdos, ajudámos a preparar os cavalos para o passeio de fim de tarde, cortámos lenha, fizémos um "quase-nada" que foi como se tivessemos feito "quase-tudo".





























E às cinco da tarde, já com o céu limpo e a paisagem a gritar "vem aí o pôr-do-sol!", fomos então dar uma volta a cavalo.

Mas como este post já vai longo, deixo a descrição da cavalgada para logo à tarde. ;)

P.S.: Algumas das fotos partilhadas não são minhas. A do miúdo a cavalgar, por exemplo. Assim sendo, quero agradecer ao Robyn, o holandês com quem fiz uma dupla inacreditavelmente eficaz no jogo de futebol, por me deixar utilizá-las no blog.
Dank u wel, Robyn!

29/09/2011

PARANÓIA


Mas o que é que se passa com esta gente? É o dono da guesthouse a chamar a atenção para isto-e-aquilo, cuidado com os carteiristas, não levem nada convosco para a rua, no outro dia aconteceu não-sei-o-quê; é cartazes nas ruas, folhas A4 nos restaurantes, sinais por todo o lado a avisar contra este-e-aquele; é suposto voltar antes da meia-noite para o hostel, senão corremos o risco de ficar na rua, à mercê dos criminosos, assassinos em série, psicopatas... por todo o lado medo, paranóia, cuidado, cuidado, cuidado!!!

Mas está tudo doido?

Hoje chegou o Pedro Gonçalves e um grupo de aventureiras da nomad, que estiveram a passear duas semanas pela Mongólia - que inveja. Sou o maior invejoso de viagens que há na História do Universo. Queria ter ido, também. Não trocava o Transiberiano, neste contexto... mas gostava tanto de também ter ido. :)

Vamos jantar fora, quem sabe beber um copo. Os assassinos que se recolham, os psicopatas que tomem as suas medicações, os carteiristas se-faz-favor que façam ponte, ou gazeta, ou lá o que fazem quando não vão carteirar.

Hoje os tugas vão sair à rua.

E amanhã o grupo volta para Portugal... mas eu vou para o Parque Natural de Terelj, onde fico três dias hospedado num ger (uma tenda tradicional mongol) - e vou fazer trekking, passear a cavalo, comer pratos tradicionais. E viva os tours! ;)

UMA ESPÉCIE DE DELÍRIO CROMÁTICO


Ulaanbaatar (alcunha: UB) não é só feita de animais embalsamados, fósseis de bicharocos, plantas jurássicas, esqueletos de dinossauros. A capital da Mongólia tem um trânsito medonho, tem barracas e centros comerciais, carros com volante à direita, carros com volante à esquerda, passeios em obras, buracos nas estradas, estátuas dos Beatles e do Genghis Khan... tem cores novas, cheiros mais intensos.. já sabe a Ásia - e eu adoro a Ásia.

(e também é, segundo informações gentilmente cedidas pelo meu irmão - obrigado, Diogo - a segunda cidade mais poluída do mundo!)

Mudei de país - e transformou-se radicalmente o pantone. Eis, então, a minha espécie de delírio cromático mongol: