28/05/2015

TERRORISTAS... NÓS?! (1)

"Onde é que estão as vossas autorizações?", pergunta com frieza o segurança fardado, enquanto tudo à nossa volta derrete. Olho para o Luís, o Luís olha para mim. Incrédulos. Isto não pode estar a acontecer. Temos três seguranças fardados à nossa volta, mais outro a segurar numa cancela, para ter a certeza que não fugimos. O calor, de intensidade bíblica, nem nos deixa pensar.

"Onde é que estão as vossas autorizações?", repete quando lhe explicamos que não temos autorizações, somos apenas turistas a viajar de mota. Mas como é que se explica a um agente da autoridade o facto de termos atravessado uma zona de segurança máxima, aparentemente em redor de uma central nuclear, sem ter quaisquer autorizações.

Voltemos atrás, portanto.

Eu ainda não tinha falado sobre isto... mas isto aconteceu há quase uma semana. Caso não tenham reparado, estive três dias sem dar notícias no blog.

Vamos então ao desenrolar do drama, a história é longa por isso vou dividir isto em três partes, se não se importam.

PARTE 1:
QUEM SE METE POR ATALHOS...

Isto de sair da estrada e seguir o GPS por estradinhas pequenas e mais "genuínas"... até agora tinha sempre corrido bem. Uma ou outra peripécia, como daquela vez que tivemos de pedir ajuda para passar as motas por cima dos carris do comboio, pois não havia caminho - mas até agora, nunca nos "meteramos em trabalhos" por causa de um atalho.

Pois bem: este foi o dia em que o provérbio se impôs no nosso Destino.

Depois de uma manhã inteira a atravessar paisagens feias e tristonhas, rodeados de indústria e lixo e camiões, sempre a fazer pequenas paragens para beber água e reforçar o protector solar - metemo-nos por uma auto-estrada para ver se avançávamos um bocadinho mais depressa. O asfalto era óptimo, de classe internacional, de repente parecia que estávamos a viajar num país qualquer europeu.

Parámos cedo para almoçar, numa zona de serviço com muito bom aspecto. O restaurante tinha ar condicionado e, como de costume, mais empregados que clientes (apesar de estar quase cheio). Comemos muito bem, bebemos muita água, descansámos e "queimámos tempo" para ver se a hora pior do calor passava. Isto está mesmo complicado. Mas a certa altura os empregados começaram a pressionar, havia clientes à espera e nós ali à conversa... trouxeram a conta e lá acabámos por voltar à estrada. Deviam ser umas duas e meia, quase três.

O ar era como que fogo invisível.

Enrolámos uns panos à volta da cara, como os locais. Enchemos os braços e qualquer pedaço de pele exposta com protector e enfiámos os capacetes. Vamos lá embora!

Que calooooor! Já faltava pouco para atingirmos a meta do dia: uns quarenta quilómetros, pois já tínhamos feito mais de cem. Isto agora é a recta final, mais uma ou duas horas e estamos na praia!

Mas queríamos evitar o trânsito em Nellore, a cidade que era preciso atravessar se continuássemos pela autoestrada, para depois desviar para a praia. No mapa, imaginem um ângulo recto. Procurámos no GPS por caminhos alternativos, portanto. E havia um que atravessava, em diagonal, do sítio onde estávamos até à costa, já perto da praia onde queríamos ir. Perfeito!, pensámos.

Saímos então por um caminho cheio de buracos, com a esperança de que viesse a melhorar. Mas não. Dez minutos depois já estávamos arrependidos de ter feito aquele desvio. Eram mais o buracos que o asfalto - e pouco depois já nem asfalto, era só pó e lixo. O ar continuava quente como o interior de um forno. Os camiões deixavam um rasto de poeira que procurávamos evitar a todo o custo, mas sem grande sucesso. Os olhos ardiam, a boca estava sempre a pedir água, todo o corpo suava. Mas continuámos. Sempre na esperança de que o caminho ia melhorar, continuámos.

E quanto mais continuávamos, menos apetecia voltar para trás.

Entretanto tinham aparecido umas fábricas no horizonte, mas nem valorizámos muito. Lembro-me de ter pensado que a praia provavelmente não ia ser nada de especial, tendo em conta que havia tanta indústria ali ao pé. Mas continuámos. Cada vez havia mais camiões, muros com cercas e arame farpado, grandes portões de um lado e do outro, acessos a esta e quela fábrica. Mas o GPS mandava seguir em frente, e a estrada seguia em frente, e nós continuámos em frente. Porque não?

Até que aconteceu algo que desvalorizámos, na altura, mas que se viria a provar o momento-chave do dia. De repente a estrada de terra batida e pó transformou-se num piso de alcatrão em boas condições. Rimos um para o outro, sem dizer mas a pensar "finalmente!", e lá avançámos por onde o GPS mandava. Ouvimos uns rapazes a chamar e a dizer "Hallo!", perto de um casinha, olhámos para eles e alguns estavam deitados, outros sentados, um ou dois levantaram-se a acenar - mas acenar e chamar e dizer "Hallo!" é o pão nosso de cada dia, estamos constantemente a ser solicitados, a curiosidade em conhecer estrangeiros é muita, pois não passam muitos por estas zonas. Ou seja: dissémos adeus e continuámos. Eles não insistiram e não ligámos mais ao facto. Virámos pouco depois por uma espécie de via rápida suja de petróleo e lá fomos.

A partir daqui a vegetação seca e triste que nos acompanhava começou a rarear. Muitos campos vazios, uma espécie de pântano cinzento, cheio de lixo, praticamente sem vida. Durante algum tempo tivemos a sensação de estar num filme do Mad Max, num cenário de um futuro pós-apocalíptico, com muito pouca vida além dos camiões sujos e barulhentos. Atravessámos uma ponte e pouco depois chegámos a uma cancela de um caminho de ferro que estava fechada. Parámos as motas à sombra e esperámos. As pessoas que se foram acumulando ali tinham todas um ar triste. Tinham o rosto e a roupa cobertas de pó preto, de nódoas de petróleo. O ambiente era tão estranho que não nos surpreenderia se aparecesse de repente o Mel Gibson - ou, para ser mais actualizado, a Charlize Theron.

Lá atravessámos o caminho de ferro, continuámos com vista para as fábricas, só queríamos deixar esta zona para trás, tão depressiva. Eu tentava abstrair-me e pensar em palmeiras e areia branca e fina entre os pés... mas confesso que com pouco resultado.

E eis que de repente a estrada leva-nos na direcção de um portão com uma cancela. Que estava fechada. Um carro tinha acabado de parar e uns seguranças falavam com as pessoas lá dentro. Parámos um pouco mais atrás, debaixo da única sombra":

"Será que estamos no caminho certo? Espreita lá o GPS outra vez, se calhar era por aquela curva lá atrás. É que isto parece-me ser a entrada de qualquer coisa."

Era uma entrada, era. Mas para quem vem do outro lado.

À nossa frente estava um dos acessos a uma zona industrial com instalações nucleares, guardada por seguranças e sujeita a uma autorização especial para se atravessar. E nós estávamos do lado de dentro... a tentar sair. Mas disso nós ainda não sabíamos.

Avançámos na direcção da cancela, que se tinha levantado para deixar sair o carro. E imediatamente fomos rodeados por três seguranças - dois homens e uma mulher -, enquanto um quarto agente baixava a cancela.

"Onde é que estão as vossas autorizações?"

"Quais autorizações? Nós só queremos ir para a praia de Não-Sei-Quê, podemos passar? "

"Vocês estão em propriedade industrial. Para entrar aqui precisaram de receber uma autorização. Onde está?"

E de repente "caiu a ficha".

Aqueles rapazes deitados com ar de quem não tem nada mais interessante para fazer. Aqueles que gritaram "Hallo!" mas que também não insistiram muito... nem vieram atrás de nós. Aquela era a entrada? Nem cancela tinha? E se tinha, estava aberta, nem a vimos.

"As vossas autorizações?"

Preciso de beber água, que o calor aperta. Já continuo.

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Avizinha-se peripécia em vários episódios!!! ;)