O sol já ia baixo no horizonte poluído, parámos para consultar o GPS,
"vamos por ali".
Enchemos os depósitos e arrancámos na direcção sugerida,
mas na primeira vez que abrandámos por causa de uma lomba, a minha vespa foi-se
abaixo. Que estranho... mas dei ao kick e continuámos. Pouco depois, num
cruzamento, abrandei... e repetiu-se a brincadeira.
Mas desta vez a mota não pegou logo. Tentei duas, três, quatro... só à quinta ou sexta vez ela voltou a arrancar.
Alguma coisa não está bem.
Avançámos por uma estradinha muito
engraçada, que sepenteava entre campos de arroz e palmeiras, parecia o Kerala
mas um bocadinho mais "deslavado" - muito giro, de qualquer forma. Algumas aldeias pelo meio,
manadas de búfalos a partilhar a estrada com as motas, grandes fardos de palha e mulheres a carregar bilhas de água na cabeça. Alguns buracos mas em geral
estava em boas condições, o piso.
O sol pôs-se, finalmente, e o céu
assumiu cores dignas de se fotografar. Foi o que fiz: parei a mota e desliguei
o motor, fiz algumas fotos ao recorte de palmeiras contra o céu azul, roxo e
rosa... e depois voltei a montar-me e dei ao kick... mas nada. Outra vez. Nada.
Três. Quatro. Só voltou a pegar à sétima tentativa. Que nervos. Isto nunca me
aconteceu. O que será? Arranquei. Estava a escurecer por isso acendi as
luzes... mas nada.
"Luís!," chamei enquanto
buzinava. Ele parou e olhou para trás, eu fiz sinal a dizer que estava sem luz.
Nem queria acreditar. Esta mota tem dado pouquíssimos problemas - e é logo
hoje, logo agora!, que me vai deixar "agarrado"?
Resultado: os últimos vinte
quilómetros do dia - ou melhor, da noite! - tive de os fazer às escuras, sempre
atrás do Luís, com cuidado redobrado por causa dos buracos, lombas, pedras e
tudo à nossa volta, incluindo pessoas, animais, carros e outras motas. Que
stress.
Que karma!, pensei a certa altura.
Cheguei a pensar em dar a desculpa das luzes aos seguranças da cancela. Não o
fiz para não atrair más energias: não fosse depois ficar mesmo sem luzes. E não é que
aconteceu mesmo?
Eu prefiro pensar que uma coisa não tem nada a ver com a
outra. Mas que é frustrante. Enfim.
Quando finalmente chegámos à praia
(e que maravilha, sentir no rosto o fresco aroma da maresia!), estava tão tenso
que quase me deixei cair na areia cheia de lixo. Encostei-me à mota e,
desculpem-lá-eu-sei-que-não-devia-dizer-isto, mas acendi um cigarro e soube-me
a um duche depois de vários dias sem tomar banho.
:)
Cinco minutos para recuperar.
Noite cerrada - agora temos de
encontrar um quarto. No caminho para a praia não vimos nada; e às pessoas a
quem perguntámos, todas nos apontaram o mesmo. Um resort do Estado mesmo em
frente à praia. Ali ao lado, portanto. Era a única construção à vista.
Tentei ligar a mota - sem sorte.
Cinco, seis, sete vezes. Oito. Nove. Nada. Nenhum dos dois tinha energias para
fazer fosse o que fosse. E no meu caso: nem energias nem conhecimento. Empurrei
a mota até ao portão do resort, entrei e estacionei à frente da recepção, ao
lado da vespa do Luís.
Se durante o dia tínhamos
sobrevivido a filme da saga Mad Max, agora estávamos prestes a entrar num
episódio do Twin Peaks. Mas com vista para o mar.
Que lugar estranho. Primeiro não
tinham quartos, "estamos cheios". Mas quando insistimos e explicámos
da mota avariada, etc - de repente materializou-se um bungalow. Um bocado acima do budget - mas só de pensar que o próximo hotel ficava a mais de vinte quilómetros. Mais tarde percebemos que o lugar estava quase vazio. Que
esquisito. Um dos empregados aparecia quando menos se esperava, para ficar a
olhar para nós sem dizer nada; mas quando precisávamos dele, raramente o
encontrávamos. E não só não se descalçava quando entrava no quarto (como é
costume na Índia) como subiu várias vezes para cima da mesinha de cabeceira com
os sapatos calçados, para ligar o ar condicionado. Mesmo depois de eu fazer
sinal a desaprovar, ao que reagiu com uma expressão que dizia "vá lá, só
desta vez". Quando pedimos toalhas trouxe umas imundas... e molhadas.
Mandámo-las para trás e quando voltou com outras, "estas estão
limpas", estavam secas mas cheias de manchas. Não vale a pena, a sério. E
não é uma questão de ser esquisitinho ou de estarmos mais cansados e por isso
com menos poder de encaixe.
Índia, tu és um desafio que, às
vezes, não apetece nada confrontar.
E nem vou falar do restaurante. Os
ritmos dos eventos, as lógicas dos acontecimentos, causas e consequências -
todo o ambiente nos transportava para um filme do David Linch. Quando, por esta
altura, só apetecia algo levezinho, quem sabe um filme da Disney - ou até, nem me
importo se não houver mais nada para ver, uma comédia romântica
"daquelas".