10/11/2014

UM DIA INESQUECÍVEL

(parte 1)

Em viagem, como na vida em geral, há momentos que podem mudar o rumo "que era suposto" para nos levar noutras direcções completamente diferentes. Há encontros inesperados, decisões e imprevistos - pequenos instantes que fazem a diferença, em que temos de dizer "sim" ou "não".

Eu digo "sim". E normalmente corre bem.

Ao segundo dia em Pwin Oo Lwin, decidimos ir visitar umas grutas cheias de estátuas de budas, algures a uns vinte quilómetros da cidade. Nem eu nem o driver sabíamos bem onde ficavam, mas eu tinha as indicações do lonely planet, ele tinha boca e quem a tem vai a Roma, não é?

Saímos estrada fora até passarmos numa aldeia onde, teoricamente, encontraríamos o caminho de acesso às grutas. Dizia o guia que era preciso encontrar uns leões brancos junto à estrada, tipo aquelas estátuas de que já falei aqui - os guardiões dos templos. Mas os únicos que encontrámos davam acesso a um mosteiro, e não havia estrada que nos levasse a mais lado algum. O meu driver insistia em continuar estrada fora à procura do caminho, mas eu pedi-lhe que parasse:

"Está um gajo à porta do mosteiro. Vamos lá perguntar se ele sabe onde ficam as grutas."

E apesar de nesse momento não termos noção disso, o nosso dia - e toda a aventura como estava planeada - mudou no instante em que passámos entre aqueles leões.

Aproximámo-nos do edifício e o miúdo à porta sorriu-nos imediatamente. Perguntei pelas grutas e ele teve alguma dificuldade em perceber o meu inglês; mas apesar de ser extremamente tímido, fez um esforço genuíno para me entender. E para responder. Ficámos ali num pára-arranca durante dois ou três minutos, o tempo suficiente para aparecer um monge mais velho, confiante e com uma postura bastante mais descontraída:

"Can I help you, friend?"

Falava um inglês imaculado.

Repeti a pergunta original, mas ele optou por não responder logo. Sorriu e com um gesto convidou-nos a entrar:

"Come inside and have a tea. I will tell you about the caves later."

Nada de especial acontecera ainda - mas pelo andar-da-carruagem, este velho andarilho já sorria, apercebendo-se que esta pequena variação nos planos tinha potencial para mudar o mundo. Eu sabia lá como, e em que direcção. E no entanto.




Do chá e biscoitos passámos para almoço completo - um verdadeiro pitéu, as oferendas das pessoas da aldeia aos monges. Sentámo-nos com eles e trocámos histórias e curiosidades, discutimos o estado do mundo e partilhámos ansiedades e esperanças - e quando fiz saber que era melhor voltarmos à estrada para ir ver as grutas (antes que ficasse tarde demais), o monge mandou chamar o rapaz que nos recebera à porta do mosteiro e perguntou-lhe se não queria acompanhar-nos, para nos mostrar o lugar e

"para praticares o teu inglês."

Fiquei a saber, no decorrer da conversa, que o monge tinha-se "convertido" ao mosteiro há apenas quatro anos. Era casado e tinha filhos, viajara muito pelo estrangeiro porque trabalhou durante anos numa agência de viagens. Um dia decidiu que queria saber mais sobre os ensinamentos do Buda. Queria experimentar as austeridades da vida num mosteiro, ensinar inglês aos miúdos das aldeias - e informou a família das suas intenções. Então mudou-se de Mandalay para este lugar mais-ou-menos-longe-de-tudo. Apercebi-me também que era uma pessoa influente: não largava o telefone, sempre a falar em inglês, dava conselhos a este-e-aquele, passava contactos a fulano-e-sicrano.

Continuando: acabámos por ganhar muito mais que um "guia" local - ganhámos quatro. É que de repente o nosso passeio à gruta era o acontecimento do dia, naquele mosteiro. À nossa mota juntaram-se mais duas, com dois rapazes "à civil" e outros dois de robe côr-de-vinho. Os tais noviços rebeldes que já apresentei aqui, noutro post.

A desculpa: praticar o inglês.

Por mim óptimo. Levem-me.

E levaram. Levaram-nos às grutas (que mais pareciam uma espécie de parque temático religioso, com as estátuas muito folclóricas) e a várias cascatas, a lugares "secretos" no meio da floresta - foi uma tarde de passeios e sorrisos, muita conversa, eles estavam radiantes por falar inglês. E eu contente-da-vida por estar a viver uma experiência única, genuína, daquelas de fazer inchar o coração.


Mas está a ficar longo, este post - e o tempo escasseia, que tenho de ir dar uma volta com o grupo da Indochina. 

Deixo-vos por agora, mas prometo que ainda hoje volto para acabar o relato deste dia memorável. Até porque há dois ou três momentos que merecem ser aqui partilhados.

Até já.

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Praticar o inglês é sempre uma mais-valia!
Keep telling us beautiful stories...! ;)