25/11/2014

ACONTECEU EM PHONXAY

Aconteceu há dois dias.

Mas antes de entrar em mais pormenores: onde fica Phonxay?

Phonxay é uma das muitas aldeias que cresceram à beira da estrada entre Vang Vieng e Luang Prabang, onde vivem famílias das minorias étnicas Khmu e Hmong - e onde vive também a família do meu amigo Xay, que é Khmu.

Já por aqui andei noutras voltas, seja por uns dias em casa do meu amigo, seja só de passagem para dizer "olá", quando vou a caminho de Luang Prabang. Mas voltas à parte - porque merece esta aldeia ser título de um post, hoje?

Recuemos dois dias, portanto.

Depois do tubbing e da boa vida em Vang Vieng, metemo-nos numa minivan a caminho de Luang Prabang. Nada de novo na volta propriamente dita, faz parte do programa da Indochina e é a derradeira viagem desta aventura de três semanas, que termina na antiga capital do Laos.

Até aqui, tudo normal.

A novidade é que, na noite anterior a viajarmos, o Xay ligou-me a perguntar se contava passar lá em casa. E quando lhe disse que sim, convidou-nos para almoçar lá em casa. Agradeci e disse-lhe que talvez fosse um pouco demais, onze pessoas a comer em casa dele. Não queria dar trabalho. E só depois de alguma negociação ele cedeu, mas fez questão que lá parássemos por uma hora ou duas. Ia organizar um baci para nós.

E o que é um baci?

Não: nada de chocolates, nem beijinhos, nem poucas-vergonhas.

O baci (literalmente "chamada do espírito") é uma cerimónia que tem origens em tempos remotos, bem mais antiga que o Budismo. Ainda se pratica no Laos e em alguns lugares do Norte da Tailândia, normalmente em ocasiões especiais como casamentos e nascimentos, entrada de um rapaz da família no mosteiro, recuperação de alguma doença, entrada na universidade, gravidezes.

Os membros da comunidade atam fios de algodão branco nos pulsos da(s) pessoa(s) que estão a ser abençoadas no baci, formulando desejos e convocando os espíritos para que os protejam.

No Laos acredita-se que a alma tem 32 espíritos, normalmente chamados de kwan, e cuja função é proteger os 32 órgãos do corpo. O baci é a forma de evocar um ou mais destes espíritos, de maneira a preservar/recuperar o equilíbrio e a harmonia entre o corpo e a alma.

Sendo uma cerimónia de benção, é muito usada quando um filho volta a casa, ou quando vai partir em viagem - e, obviamente, quando há convidados especiais em casa. Foi o nosso caso.

Chegámos a Phonxay para encontrar uma casa cheia. Família e alguns amigos, todos sentados no chão à nossa espera. Sentámo-nos com eles e conversámos um pouco, rimos muito - muitas vezes sem saber do quê. Que energia positiva, a deste povo.

Pouco depois, o Xay chamou-me e a mais uma das pessoas do grupo:

"Sentem-se em frente a este senhor."

Sentámo-nos em frente de dois dos anciões da aldeia. Não pareciam, mas tinham 68 e 72 anos. Dava-lhes, no máximo, 58 e 62. Começaram a recitar fórmulas e a invocar sabe-se lá que kwan, depois começaram a atar fios brancos à volta dos nossos pulsos, e quase sem dar por isso tínhamos dezenas de pessoas a fazer o mesmo. Depois chegaram-se à frente mais alguns dos meus convidados, para repetir o ritual, e num instante aquela divisão transformou-se numa enorme confusão de braços estendidos e outros a dar nós, muitos sorrisos e orações - foi um momento verdadeiramente especial.

É complicado "sacar" de uma máquina, em momentos destes. Normalmente evito "matar" a magia com flashes e clicks. Mas como conhecia a família e havia tanta gente na sala, atrevi-me a clicar um pouco. Nada de especial, foi só com o telefone e meio-a-correr. Mas é o que há:




O fio de algodão branco simboliza a pureza na Paz, Harmonia, Sorte, Saúde, Calor Humano e Espírito de Comunidade.

Supostamente usa-se por três dias, pelo menos. Depois disso pode desatar-se do pulso (nunca cortar!) ou deixar ficar até cair.

Quanto a cerimónia propriamente dita: depois de atados os fios, bebemos shots de lao lao (aguardente de arroz) e garrafas de beer lao.

Saímos aos "esses" - seja por causa do álcool, seja porque a estrada é de montanha e é só curvas e contra-curvas até Luang Prabang.

Que bela tarde, tão cheia de emoções genuínas e boas, energias positivas.

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Eu é que gosto destes momentos/estórias...!
E tu escreves de tal forma que nos transportas para dentro deles/delas!!!!

lv disse...

Que momentos estes .... tenho de lá voltar !!!!