30/11/2014

DE MOTA EM HANÓI (E ARREDORES)

Que dia louco, este em que decidi alugar uma mota para ir com o meu amigo André ao Pagoda do Perfume, a uns setenta quilómetros de Hanói.

Do início ao fim: que saudável, hilariante, maravilhosa alucinação.

No post anterior tentei fazer a descrição possível, através de algumas comparações (sempre injustas) com o caótico frenesim que é este imenso enxame de motas. Tem piada ter mencionado jogos de computador como o Tetris e o Space Invaders - porque a verdade é que deu mesmo a sensação que estávamos num jogo. À medida que cumpríamos os objectivos de determinado nível, íamos avançando para outros mais difíceis.

Por exemplo: de manhã começámos com o que parecia um trânsito infernal, motas e carros vindas de todas as direcções, depois as centenas de estudantes nas suas bicicletas e finalmente os camiões e tractores; mas ao fim da tarde, quando regressámos do Pagoda para a cidade, o Absurdo e o Horror aumentaram para níveis que ridicularizaram qualquer aglomerado experimentado antes. Quando demos por nós a regressar a Hanói, já noite cerrada, em plena hora de ponta, com o trânsito em massa a vir na direcção contrária... só visto. Só vivido.

Pena não termos fotografias ou filmagens - as nossas energias estavam todas concentradas na preservação da nossa integridade física. Quem sabe numa próxima vez.

A nossa faixa de rodagem era quase toda ocupada por quem vinha no sentido contrário. De vez em quando algum apressadinho atrevia-se a ultrapassar onde já não havia espaço ou tempo para ultrapassar - e nós tínhamos que desviar para a berma. E depois apareciam os que não traziam luzes, mais as motas carregadas com tudo-e-alguma-coisa, os animais que se atravessavam, as pessoas que se atravessavam, as motas que faziam inversão de marcha, mais a carga que cai desta, e desvia deste buraco, desta poça de lama, deste saco de lixo. E as pessoas a dizer olá, a sorrir, quem são estes estrangeiros com ar alucinado, felizes por estar no trânsito, esta seca que temos de viver todos os dias.

Os sorrisos foram, para além do caos da estrada, a grande marca do dia. Se dentro da cidade já havia muita gente a olhar com curiosidade e a sorrir de volta quando dizíamos xin chao; a partir do momento que saímos da malha urbana e os campos de arroz começaram a dominar a paisagem, as reacções passaram a ser mais efusivas.

Os nossos xin chao encontravam eco em profundas gargalhadas e gritos, palavras que não entendíamos ou simples hellos e howareyous. Que emocionante troca de energia, esta ao longo do passeio.

Quanto ao Perfume Pagoda propriamente dito: foi um passeio giro, com a sua dose de radical também, já que subimos os (dizem eles) três quilómetros a pé. Chegámos ao topo da montanha em pouco mais de trinta minutos, contrariando a hora que toda a gente nos avisara que ia demorar. Chegámos estafados, foi uma louca peregrinação montanha-acima, percorrendo longos corredores de lojas fechadas. Tudo vazio. Um caminho-fantasma.



E no final a recompensa: uma gruta em forma de boca de dragão, enorme e poderosa, com hálito a incenso e fogo no ar. Muito bonito, o lugar. Muito bonito mas não há tempo a perder, temos de voltar lá para baixo (experimentámos o teleférico), temos mas uma hora no barquinho a remos que nos trouxe aqui.


Foi muito gira, a experiência. Ao contrário das multidões que esperava: vazio. Tinha imaginado os barquinhos todos em fila no rio, como se vê nos postais - mas éramos só nós. E no caminho que se percorre do rio até ao topo, até à gruta... ninguém. Ou quase ninguém. E no templo propriamente dito, no fundo da garganta da gruta... zero. Nós e o Buda.

Resumindo:

- duas horas de mota, de Hanói até ao riozinho que dá acesso ao Pagoda
- uma hora de barco a remos
- meia hora perdidos nos templos junto ao rio
- meia hora a subir escadas em santíssima "peregrinação"
- meia hora para respirar fundo e sentir-me abençoado no Pagoda
- meia hora para descer
- uma hora para voltar de barco até ao parking
- duas horas de mota para regressar a Hanói

Junte-se dez minutos aqui e cinco ali, para comprar bilhetes, negociar coisas, pôr gasolina, pedir indicações... foram oito longas e maravilhosas horas, este passeio que não esquecerei.

Quando chegámos a Hanói fomos directos ao hotel onde estava parte do grupo que me acompanhou na Indochina. Tinham ido passar dois dias a Halong Bay e voltavam nessa noite para Portugal. Fomos jantar: elas frescas, de duche tomado e prontas para voar treze horas; e nós com uma camada de poluição em cima do suor acumulado ao longo do dia, mais a adrenalina agarrada ao sorriso e às mãos trémulas, os músculos tensos e o coração a bater como uma música tecno.

Que dia bom, este passado sobre duas rodas - e não só.

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Por aqui também se vão passando uns belos momentos, a ler as crónicas deste blogue, a admirar as fotografias sempre tão originais, a passear virtualmente por todos os lugares por onde passas, a imaginar as sensações que vais vivenciando, ...