18/09/2014

ANDAR DE CARRO NO CAIRO

Depois das caminhadas dos primeiros dias, do intenso calor e tendo em conta que ainda estamos a "recuperar ritmos", tanto eu como o Manel, ontem decidimos "contratar" um táxi durante o dia, para nos levar às pirâmides. Pedimos na recepção para nos arranjarem um driver - e tomado o pequeno-almoço, lá estava o senhor à nossa espera.

Foi a melhor coisa que podíamos ter feito. Ainda por cima nem cobrou muito pela volta - que além das pirâmides de Gizé incluía ainda as ruínas de Saqqara. Não que estivessemos especialmente interessados nessa voltinha extra - na altura nem nos apercebemos bem do nome, e muito sinceramente não sabíamos ao que íamos.

Vamos lá então.

Diz o senhor do hotel que o dia vai estar mais fresco que ontem... hmmmmm, não sei não.

Metemo-nos no carro e o carro meteu-se no trânsito. Que filme. As razias, as travagens, as buzinadelas. Os quase-abalroamentos, os quase-atropelamentos, os quase-toques, os quase-choques.

Andar de carro no Cairo é impróprio para cardíacos, grávidas, pessoas com mobilidade reduzida, velhotes e crianças de colo. É impróprio para pessoas facilmente impressionáveis. E para os dificilmente impressionáveis. É impróprio para epiléticos e diabéticos, asmáticos e esquizofrénicos, para pessoas com o colesterol alto, para pessoas com o colesterol baixo. Impróprio para obesos e anoréticos, para pessoas com prisão de ventre, com pé de atleta, com unhas encravadas, acne, queda de cabelo, dores de cabeça, de ouvidos ou de garganta. Impróprio para canhotos e para fadistas, vegetarianos e benfiquistas, surfistas e filósofos, para pessoas muito altas, para pessoas muito baixas, para pessoas de estatura média. Impróprio para loiras. Impróprio para morenas. Impróprio até para ruivas. E para aquelas que pintam o cabelo, que usam peruca, extensões - impróprio para quem põe botox. É impróprio para engenheiros e para arquitectos, para estrelas de cinema, funcionários públicos, atletas e astronautas, donas-de-casa, políticos, agricultores, professores, médicos. É impróprio para pessoas que gaguejam, para pessoas que gostam de telenovelas, pessoas que tiram macacos do nariz, pessoas que acordam de mau humor, pessoas que espreitam para dentro dos caixotes do lixo, pessoas que preferem gatos a cães, pessoas que riem em voz alta, pessoas que têm medo de andar em ruas escuras, pessoas que não têm paciência para museus, pessoas que têm nojo de ver pessoas comer caracóis.

Andar de carro no Cairo é impróprio. Ponto final.

Dito isto: 'bora lá, que as Pirâmides estão à nossa espera. Há quatro ou cinco mil anos ali plantadas, não vão a lado nenhum num futuro mais próximo, a não ser que se confirmem as teorias que dizem ter sido obra de extraterrestres. E, nesse caso, nunca se sabe quando voltarão para as reclamar de volta.

Adiante: estrada fora.


Passámos a Praça Tahrir, que significa Praça da Libertação; a ruína queimada da sede do Partido Nacional Democrático de Mubarak; o kitsch rosa do Museu Egípcio; e descemos ao longo do Nilo até uma auto-estrada rodeada de lixo e prédios em construção, mas já habitados. Rodeada de um fatalismo desenrascado, de uma forma de estar que não tem nada a ver com nada. Areia e pó, poluição e buzinas, sorrisos no meio disto tudo. Parece a Índia, penso e digo em voz alta várias vezes, parece a Índia mas em vez de marajás há faraós, e há areia por todo o lado, e um bocadinho de menos gente. Mas este trânsito. Esta forma de estar na estrada. Impressionante.


 E de repente:


2 comentários:

lv disse...

o caos transforma-se ..... queremos rapido o proximo relato

Clara Amorim disse...

Já este este blogue é próprio para todos os que mencionaste...! Eu diria mesmo aconselhável...! ;)