02/02/2013

AFINAL... ERA PORTUGUÊS OU NÃO ERA PORTUGUÊS?

No Vietname, quando digo de onde sou, além das referências ao futebol e ao CR7, às vezes lá me dizem coisas como "os portugueses foram os primeiros a chegar cá" e "foi um português quem transformou os caracteres chineses no quoc ngu, a língua que temos hoje".

Esse "português" é Alexandre de Rhodes - e se escrevo a sua nacionalidade com aspas é porque, desde que comecei a pesquisar mais a fundo sobre o jesuíta, já não tenho a certeza se é mesmo nosso conterrâneo. O wikipedia diz que é francês. Encontrei uma biografia muito completa, que diz que nasceu em Avignon... mas que não é francês. Mas na rua, toda a gente me garante que é português. Também encontrei algumas discussões sobre o tema - mas não consigo chegar a uma conclusão.

Português ou não, a verdade é que foi da responsabilidade deste missionário jesuíta a compilação do primeiro Dicionário Vietnamita-Português-Latim.

Resumindo um pouco a sua riquíssima história: Alexandre de Rhodes partiu de Lisboa no dia 4 de Abril de 1619, com destino ao Japão onde tinha sido "colocado". Mas a atribulada viagem de seis meses até Goa, em que sobreviveram a uma tempestade de dezoito dias, bem como a perseguição de cristãos no país do sol nascente; acabaram por ditar uma mudança de planos. De Rhodes foi afinal para Macau, onde ficou alguns anos - e chegou ao Vietname em 1624.

O missionário apaixonou-se imediatamente pelos tons exóticos da linguagem vietnamita, que dizia ser como o "cantar de passarinhos". Apesar de ser fluente em várias línguas, ficou desesperado em aprender o idioma local - e contratou um rapaz de 12 anos para lhe ensinar os tons e a pronunciação. Diz-se que demorou três semanas até dominar a língua.

"Todos os dias tinha aulas, e e estudava com o mesmo empenho como quando estudei Teologia, em Roma," escreveu.

Contudo, o seu principal professor de Vietnamita foi Francisco de Pina, um padre português que chegara ao país em 1617. Entre os missionários, era o único que falava fluentemente a língua local, sem precisar de intérpretes para comunicar com os nativos.

E aqui pode residir um dos pontos-chave desta discussão sobre a nacionalidade do "pai" do quoc ngu.
Muitos críticos recusam-se a reconhecer De Rhodes, e dão este título ao seu professor. Contudo, e apesar do domínio que tinha sobre a língua, aparentemente não escreveu nem publicou nada sobre o assunto.

De Rhodes menciona-o vezes sem conta no seu trabalho, e reconhece a sua valiosa contribuição enquanto seu professor. Além disso, menciona também outros dois missionários portugueses, Gaspar do Amaral e António Barbosa, que tinham publicado outros dicionários e estudos sobre a língua vietnamita.

A vida de Alexandre de Rhodes e as delegações portuguesas no Vietname são férteis em peripécias, aventuras, alianças e traições - e, acima de tudo, baseadas num amor profundo do missionário pelo país.

Acabaria por ser expulso devido a um complot montado por concubinas, eunucos e monges, que viam as suas posições na sociedade ameaçadas pelas conversões efectuadas pelos portugueses. Acabou os seus dias na Pérsia, onde também aprendeu a língua local.

Ou seja - e voltando à discussão/dúvida inical: se era português ou não - pouco me interessa. Digam as wikipedias da vida o que disserem, cheguem às conclusões que chegarem os estudiosos... o legado que Alexandre de Rhodes deixou é reconhecido, pelos vietnamitas, como uma obra portuguesa.

Isso chega-me.

Quando em Saigão atravesso uma rua com o nome deste senhor; e quando oiço dizer que há intenções de devolver a dignidade à sua estátua, antes eregida em Hánôi, não consigo evitar uma pontinha de orgulho, por saber que ele era "português".

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Que grande lição logo de manhã cedo...! Muito bem...