26/08/2011

MEDO



Fui recebido em Nizhni Novgorod com sorrisos e ramos de flores, coloridas orquestras, bailarinas em alegres piruetas, pétalas de rosa atiradas ao chão, elefantes e trapezistas, fogo-de-artifício, o presidente da câmara e respectiva comitiva.

Querias. Batatas com enguias.

Havia trombas, é verdade - mas nada de elefantes. Das rosas, só os espinhos - pétalas, nem vê-las. Os Nizhni Novgorodenses receberam-me como só os russos sabem receber: cara feia e braços cruzados, grunhos atirados para o ar e o eventual encolher-de-ombros.

Fui à pensão ao lado da estação, mas não me deixaram ficar. Não explicaram se estava cheio, ou que raio se passava. Estenderam-me o braço com ar de desprezo, a abanar a mão com os dedos virados para o chão, tipo vai-te-lá-embora-que-estás-à-minha-frente-e-isso-não-é-coisa-boa.

Enxotado sem justificação, meio à nora com os vodkas bebidos e ainda mareado do balançar do comboio, encostei-me a um canto e comecei a desfolhar o lonely planet. Encontrei as outras opções, comecei a fazer telefonemas. A primeira falava apenas um bocadinho de inglês, o suficiente para me dizer "no rooms, no beds, I'm sorry", e desligou. Tentei outros. Cheio. Cheio. Havia um que era mais longe, mas podia apanhar um táxi. Cheio. OK, vou tentar o mais caro, não tenho muitas alternativas. Cheio. Tou feito.

Voltei ao lugar inicial, "vão ter de me alugar um quarto, não saio sem um quarto". Recebido com o mesmo desprezo, respondi-lhes na mesma moeda e comecei a fazer perguntas (em inglês), pelo que muito a custo acabei por receber com um "ali à frente há um hotel, do outro lado" (em russo), e dei-me por satisfeito.

Fui à procura do outro hotel, portanto.

Passava da meia-noite. Caminhei pelas ruas cada vez mais vazias, à procura do tal hotel - mas nada. Aqui deste lado nada. Aqui deste lado também não. Aqui também não. Nada. Nada. Nada.

Não é por Nada - mas alguma coisa me diz que esta noite vou dormir na rua.

7 comentários:

Cat disse...

Mas passa-se alguma coisa em (deixa cá ver o nome e copiar) Nizhni Novgorod para que esteja tudo cheio?

Unknown disse...

Cá para mim foi o Eugénio...

Clara Amorim disse...

Sempre cheio de humor...! :))

Clara Amorim disse...

Jorge,

Terminada a actualizacao das leituras do blogue, so posso comentar - isto tem de dar um livro no final da viagem!!! Continuacao de boa viagem!

Rosa Furtado disse...

O teu texto está fantástico e com um excelente sentido de humor!

Mas... há sempre um mas... espero que tenhas folheado o Lonely Planet e não desfolhado (que significa tirar/arrancar as folhas).... não se faz isso à bíblia dos viajantes! :))) Pronto! Confesso! Sou uma chata com o português!

E confesso também que estou com uma grande pontinha de inveja! Continuação de boa viagem!

Jorge disse...

Olá Rosa!

Tem toda a razão: a minha intenção era "folhear", e fica aqui o mea culpa. Ainda bem que está atenta e diz, eu costumo ser o primeiro a criticar por isso fico contente. Não volta a acontecer ;)

No entanto... eheheh... apesar de folhear ser a expressão certa para o caso, tenho de confessar uma coisa que se calhar a vai chocar :)

É que eu realmente desfolho os meus lonrly planets. Se calhar é por não ser muito "religioso" eheh, mas a verdade é que as minhas "bíblias" não são muito recomendáveis a pessoas mais sensíveis.

Sim: eu arranco páginas. Eu escrevo, eu risco, eu deixo à chuva... eu trato mal os meus lonely planet.

:))))))

LV disse...

eu sei, já vi rasgares páginas do lonely planet para levares só o que te interessa, é o que faz viajar muito, nem sempre se pode levar tudo o que se quer... somente o necessário.
Quero ésaber como terminou esteepisódio da dormida. Nãoconsigo telefonar .... MEDO !!!!