08/10/2014

O PIOR TIMING POSSÍVEL

PARTE 3: JÁ ESTÁ?

Começo este post com uma correcção ao último: não demorámos cinco horas no segundo autocarro até Kota Bharu. Demorámos seis.

Desculpem, deve ter sido da pressa do embarque, troquei as matemáticas às voltas.

Seis horas!

Trezentos e sessenta longos e tortuosos minutos de uma sauna infernal, com o sol encostado às janelas sem cortinas, o ar-condicionado-avariado, os encostos dos assentos colados à t-shirt, a t-shirt colada à pele suada, a pele suada encostada à alma esfrangalhada. Tudo muito remediado, sem ser deplorável mas o suficiente para moer, a cada minuto, segundo-a-segundo, um, dois, três, quatro, vinte e um mil e seiscentos bem sofridos, num desesperante pára-arranca desde que partiramos de um viaduto algures nos arredores da Putra Station, em Kuala Lumpur... até praticamente ao destino final. E como se não bastasse o desconforto "exterior", por dentro o meu estômago repetia o pára-arranca, inventava voltas e as reviravoltas, tenho que ir rapidamente à casa-de-banho, tenho que ir rapidamente à casa-de-banho, tenho de ir rapidamente à casa-de-banho.

Respira fundo.

Não esperei por autorizações formais nem convites escritos para sair, quando o autocarro parou sabe-se-lá-onde. Lancei-me disparado na direcção do  bonequinho de pé num azulejo ao lado de uma porta e consegui, finalmente!, fazer-o-que-tinha-a-fazer. A suar mas aliviado, comprei uma garrafa de água para me re-hidratar; e nem tinha ainda desenroscado a tampa, já o driver estava a apitar e a chamar todos para dentro. Todos: eu e os egípcios, porque mais ninguém saiu da viatura nesta brevíssima paragem.

Vai mais um Imodium... just in case?

O Omar garantiu-me que o autocarro parou uma vez, durante a noite. Eu dormia profundamente, muito provavelmente, sob o efeito dos comprimidos mágicos. Não dei por nada. Além dessa paragem e da outra forçada às sete da manhã (mas que eu também não aproveitei, porque saí directo de um autocarro para o outro), esta rápida incursão pelo WC à beira-estrada foi a única vez que tive oportunidade de esticar um bocadinho as pernas, respirar ar puro e refrescar-me.

Mas isso agora não interessa nada.

Quase uma da tarde. Estamos no limiar da loucura, já não queremos saber de mais nada senão chegar. Queremos chegar. Queremos pisar a areia branca da Long Beach, entrar de um mergulho na água cristalina, dar umas braçadas e respirar fundo e sorrir, porque este é daqueles lugares que apetece sempre sorrir, este paraíso chamado Perhentian.

"Já está," disse o rapaz sentado ao meu lado.

"Já está?"

"Já chegámos. Estamos em Kota Bharu."

Passaram seis horas desde que trocámos de autocarro. Treze horas, desde que partimos de Kuala Lumpur. Quase dezasseis, desde que fiz o check-in ao balcão da agência.

Dezoito horas, desde que saí do hotel.

Mas ainda faltava ir até Kuala Bhesut. Uma hora, teoricamente. E mais outra de barco até à ilha. Já está? Não está nada. Isto só acaba quando eu sentir na pele e nos olhos e na boca a água salgada da Perhentian. Não está coisíssima-nenhuma, vamos lá embora que já perdemos tempo suficiente para uma ida-e-volta. Está ali um táxi, vamos lá perguntar se nos leva, vamos para Kuala Besut, ele quer setenta e nós dizemos-lhe que não, o meu amigo Yoe avisou-me para não pagarmos mais que cinquenta. O homem baixa para sessenta, vinte por pessoa, nós oferecemos quinze cada um, noves-fora dá quarenta e cinco, ele baixa para cinquenta e não se fala mais disso. Já está.

Vamos lá embora!

Fast-forward: demorou uma hora, como previsto. Menos mau.

Duas e meia da tarde. Esperava-nos no cais o tal Yoe que falei há pouco, driver de um dos barcos que faz a ligação com as ilhas, dono de uma das agências de turismo em Kuala Besut, que conheço de anteriores passagens pelas Perhentian. Fez-nos um desconto substancial no preço do barco, encaminhou-nos para o de um amigo, pois ele estava ocupado com um grupo de quarenta pessoas.

"Sai às três e meia, ainda têm tempo de almoçar."

Isto nunca mais acaba.

Ok: almoçámos.

Três e meia: estamos finalmente dentro do barco. Mas isto sai ou não sai? Parece-me que não sai. Paciência, Jorge, tem paciência. Pois tenho. Tenho, mas tenho também mais de vinte horas de trocas e baldrocas em cima, de cambalhotas e tonturas, de surpresas e ares-condicionados-avariados.

Vamos lá embora. Sao quase quatro da tarde. Isto sai ou não sai?

2 comentários:

Tia Minan disse...

Só de pensar que no fim há que voltar outra vez!!!
Tia Minan

Clara Amorim disse...

O post vai longo, mas muito divertido, apesar de tudo! Sorry! ;)