02/11/2004

JEJUM, JACKIE CHAN E YOGA AO NASCER-DO-SOL

Ontem as mulheres indianas casadas estiveram em jejum todo o dia. Não comeram nada de manhã, não comeram nada a tarde inteira - e só tocaram em comida quando viram pela primeira vez a lua.

E este é só mais um dia especial, no colorido e intenso calendário hindu. Como prova de amor pelos respectivos maridos, e de acordo com uma lenda muito antiga, as mulheres hindus fazem jejum durante um dia inteiro, e só o quebram quando alguém lhes mostra a lua. Contam os jornais de hoje que, este ano, 30% dos maridos juntaram-se às suas esposas, em solidariedade com o acto - um gesto bonito, no mínimo.

Quanto às minhas idas e voltas: estou novamente em Bombaim, depois de alguns dias no Rajastão. O reecontro com o Ishaak e o grupo de Jaipur foi engraçado, pelo menos o primeiro dia, mas confesso que ao fim de algum tempo estava farto deles, dos esquemas e dos salamaleques, e vi-me grego para conseguir ir-me embora da Cidade Rosa; além disso cheguei atrasado ;) para os anos do Marajá, por isso desta vez não consegui cumprimentá-lo; e por pouco não me cruzei com o Jackie Chan, que estava a filmar no Rajastão, quase sempre nos lugares por onde andei, mas com um dia de diferença.

Ou seja: estes foram dias mais marcados por desencontros que encontros.

E mesmo assim tive momentos especiais que recordarei com carinho, como a família de Calcutá que conheci numa viagem de comboio e com quem passei horas à conversa - convidaram-me para os visitar em Dezembro; e o condutor de riquexó de Jodhpur que me guiou nas voltas pela Cidade Azul - chamava-se Saleem e além de honesto (pouco comum entre a classe) e muito tímido... era gago.

O Saleem convidou-me para lanchar em sua casa e eu fui. Conheci o pai, a mãe, irmãs e irmãos, todos radiantes por me verem, recebendo-me sem constrangimentos numa casa muito humilde de um bairro pobre dos arredores. Como eram muçulmanos e estamos a meio do Ramadão, a família inteira estava a cumprir jejum - e por muito que eu recusasse (nem que seja por respeito), fizeram questão que eu e o Saleem comêssemos qualquer coisa. Foi um daqueles serões inesquecíveis, este de conversa e risota com pessoas de uma cultura tão diferente, mas ao mesmo tempo com tantas coisas em comum. E qual não foi a minha surpresa quando, neste país de cricket e bollywood, a conversa foi parar ao Euro2004 e às duas derrotas de Portugal com a Grécia! Que sina a minha - como se não bastasse ter assistido ao drama no estádio.




Para me despedir de Jodhpur em beleza, no último dia acordei às cinco e pouco da manhã e fui de riquexó até um pequeno templo com uma vista FA-BU-LO-SA sobre o Forte Mehrangarh e a Cidade Azul. O nascer-do-sol em si não foi nada de extraordinário, mas estar ali sentado numa plataforma de cimento, enrolado num cobertor, ouvindo o som da chamada à oração de uma mesquita ao longe... sorri na direcção do crepúsculo e inspirei esta Índia que adoro, a sua espiritualidade, a sua simplicidade, a porcaria entranhada em tudo, as cores e os insólitos. Não havia um único turista à volta, era só eu e o meu amigo gago, mais três ou quatro indianos a meditar e a fazer yoga enquanto o sol subia ao fundo no horizonte, disfarçado pela poluição.

E depois Bombaim.

3 comentários:

Anónimo disse...

grande Jorge que boas notícias....gostava de ver a vista "FA-BU-LO-SA"...e devias decorar o teu blog com fotos....tens máquina digital por aí?
Se quiseres posso colocar-tas no blog...
avisa-me se precisares de ajuda.

espero que continues bem.

Bj, Sancha

Anónimo disse...

Que ritual bonito esse do jejum...
Que fabulosa deve ter sido essa vista sem turistas! Também fizeste ioga ?
Eh Eh

Beijos
Rita.

Anónimo disse...

Hi Jorge
Tenho adorado ler as tuas descrições e parece que nos transportamos também para a Índia.
Acho graça à facilidade com que as pessoas que não se conhecem se dão e convidam para ir a casa. Cá tinhamos logo medo.
Beijinhos
Tia Minan

Diogo e Foca - Li o relato da vossa estadia na Argentina, fiz um print e mandei hoje por correi azul para a mãe do Foca. Está muito bem escrito.
Beijinhos e cuidado com os glaciares