E este é só
mais um dia especial, no colorido e intenso calendário hindu. Como prova de amor
pelos respectivos maridos, e de acordo com uma lenda muito antiga, as mulheres
hindus fazem jejum durante um dia inteiro, e só o quebram quando alguém lhes
mostra a lua. Contam os jornais de hoje que, este ano, 30% dos maridos
juntaram-se às suas esposas, em solidariedade com o acto - um gesto bonito, no
mínimo.
Quanto às minhas idas e voltas: estou novamente
em Bombaim, depois de alguns dias no Rajastão. O reecontro com o Ishaak
e o grupo de Jaipur foi engraçado, pelo menos o primeiro dia, mas confesso que ao
fim de algum tempo estava farto deles, dos esquemas e dos salamaleques, e vi-me
grego para conseguir ir-me embora da Cidade Rosa; além disso cheguei atrasado ;) para os anos
do Marajá, por isso desta vez não consegui cumprimentá-lo; e por
pouco não me cruzei com o Jackie Chan, que estava a filmar no Rajastão, quase
sempre nos lugares por onde andei, mas com um dia de diferença.
Ou seja: estes foram dias mais marcados
por desencontros que encontros.
E mesmo assim tive momentos especiais
que recordarei com carinho, como a família de Calcutá que conheci numa viagem
de comboio e com quem passei horas à conversa - convidaram-me para os visitar
em Dezembro; e o condutor de riquexó de Jodhpur que me guiou nas voltas pela Cidade Azul - chamava-se
Saleem e além de honesto (pouco comum entre a classe) e muito tímido... era
gago.
O Saleem convidou-me para lanchar em
sua casa e eu fui. Conheci o pai, a mãe, irmãs e irmãos, todos radiantes por me
verem, recebendo-me sem constrangimentos numa casa muito humilde de um bairro
pobre dos arredores. Como eram muçulmanos e estamos a meio do Ramadão, a
família inteira estava a cumprir jejum - e por muito que eu recusasse (nem que
seja por respeito), fizeram questão que eu e o Saleem comêssemos qualquer
coisa. Foi um daqueles serões inesquecíveis, este de conversa e risota com
pessoas de uma cultura tão diferente, mas ao mesmo tempo com tantas coisas em
comum. E qual não foi a minha surpresa quando, neste país de cricket e
bollywood, a conversa foi parar ao Euro2004 e às duas derrotas de Portugal com
a Grécia! Que sina a minha - como se não bastasse ter assistido ao drama no
estádio.
Para me despedir de Jodhpur em beleza, no
último dia acordei às cinco e pouco da manhã e fui de riquexó até um pequeno templo
com uma vista FA-BU-LO-SA sobre o Forte Mehrangarh e a Cidade Azul. O nascer-do-sol em si
não foi nada de extraordinário, mas estar ali sentado numa plataforma de
cimento, enrolado num cobertor, ouvindo o som da chamada à oração de uma
mesquita ao longe... sorri na direcção do crepúsculo e inspirei esta Índia que
adoro, a sua espiritualidade, a sua simplicidade, a porcaria entranhada em
tudo, as cores e os insólitos. Não havia um único turista à volta, era só eu e
o meu amigo gago, mais três ou quatro indianos a meditar e a fazer yoga
enquanto o sol subia ao fundo no horizonte, disfarçado pela poluição.
E depois Bombaim.
3 comentários:
grande Jorge que boas notícias....gostava de ver a vista "FA-BU-LO-SA"...e devias decorar o teu blog com fotos....tens máquina digital por aí?
Se quiseres posso colocar-tas no blog...
avisa-me se precisares de ajuda.
espero que continues bem.
Bj, Sancha
Que ritual bonito esse do jejum...
Que fabulosa deve ter sido essa vista sem turistas! Também fizeste ioga ?
Eh Eh
Beijos
Rita.
Hi Jorge
Tenho adorado ler as tuas descrições e parece que nos transportamos também para a Índia.
Acho graça à facilidade com que as pessoas que não se conhecem se dão e convidam para ir a casa. Cá tinhamos logo medo.
Beijinhos
Tia Minan
Diogo e Foca - Li o relato da vossa estadia na Argentina, fiz um print e mandei hoje por correi azul para a mãe do Foca. Está muito bem escrito.
Beijinhos e cuidado com os glaciares
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