18/04/2013

PIQUENIQUE OU ARMA DO CRIME?

Passam os quilómetros, passam os minutos e a paisagem do lado de lá da janela, um mapa, o mundo. Aproximamo-nos rapidamente do Chile, meio-a-dormir, meio-a-sonhar, ao longe umas montanhas cobertas de neve, podia jurar que são as Torres del Paine.

Vejo duas tendas montadas a poucos metros da estrada, no meio do nada, duas bicicletas encostadas a umas pedras, a aventura de uma vida. Que saudades. Este autocarro sabe a pouco.

O que sabe bem são os "despojos" de El Calafate. Do piquenique com vista para o glaciar sobrou pão, queijo, presunto, fruta, bolachas. Está tudo guardado num saco: vai ser o nosso almoço de hoje.

Pouco antes de chegarmos à fronteira, o "pica" aparece no corredor e distribui formulários de imigração, que temos de preencher para entrar no Chile. Entrega também um papel para a alfândega, onde além do habitual, fazem perguntas sobre comida: se levamos fruta, sim ou não, produtos lácteos, sim ou não, sementes e produtos de origem vegetal, sim ou não... praticamente ignoramos o papel, mas à medida que nos aproximamos da fronteira, vamos lendo as regras e proibições e dramas - e apercebemo-nos que há uma preocupação clara em assustar-nos. Não tragam isto-e-aquilo, declarem toda a comida, portem-se bem senão pagam multas, são castigados, vão arder nas chamas do inferno... hmm. Se calhar é preferível declarar as sandochas e a marmita.

Saímos do autocarro ao chegar a um pequeno edifício, mandam-nos levar as mochilas connosco, vejo um cão a farejar sacos e sacolas, malas, caixotes, mochilas. Faço-me "de parvo", sorrio e apresento o saco de plástico à primeira pessoa que vejo:

"Posso entrar com isto no Chile ou tenho de declarar?"

O senhor espreita lá para dentro e num salto recua dois passos. Está branco e a suar da testa, as mãos tremem, parece que viu um fantasma. Será que entrou algum bicho para o saco? Ou foi o presunto, que apodreceu? Que horrores esconde o meu piquenique?

Espreito eu lá para dentro: continua tudo igual.

O senhor explica-me então que é imperativa e grave, a proibição de entrar em território chileno com produtos lácteos, fruta, mel, isto-e-aquilo. Do nosso saco só se safa o pão, o resto vai para o lixo. Que desperdício, podíamos ter comido tudo antes, se soubessemos.

Aliviados do peso do almoço e da consciência, avançamos então para a fila da imigração. Somos os últimos. Enquanto esperamos, faço conversa com uns turistas uruguaios e eles iluminam-me um bocadinho mais acerca da paranóia: o Chile é um espécie de ilha, dizem-me, entalado entre os Andes e o Pacífico, e por muito susceptível a pragas e doenças várias. Para proteger a agricultura e a flora, exercem um controlo rigorosíssimo ao longo das fronteiras - não passa nada que seja considerado uma potencial ameaça ao equilíbrio natural. E quem tentar atravessar com produtos proíbidos, paga uma coima de cento-e-tal dólares.

"E se não tiver o dinheiro?," pergunto.

"Escoltam-te a Puerto Natales, levantas no multibanco e voltas cá para pagar, enquanto o teu autocarro e os outros passageiros esperam por ti."

Ainda bem que mostrei o saco.

Enfim: carimbado o passaporte, da imigração prosseguimos para a alfândega, onde as mochilas passam por um enorme Raio-X. Esperamos pacientemente pela nossa bagagem... somos os últimos... até que finalmente a minha mochila entra na máquina...
 
...e eis que de repente pára tudo. Soam os alarmes, entram a correr na sala uns comandos de metralhadora em pose de "quantos são?", trancam-se as portas, ouvem-se as sirenes lá fora, os holofotes apontam para a minha mochila, you have the right to remain silent, everything you say can and will be used... estou feito.

"De quem é esta mochila?"

"É minha," digo timidamente, que mal fiz eu - eu sou só um turista. Um inofensivo turista.

"O senhor traz mel?"

Mel? Eu nunca viajo com mel. Estes gajos estão doidos.

Espera lá.

Não... não pode ser. Há uma semana trouxe uns frasquinhos de geleia do hotel do Rio de Janeiro. Já nem me lembrava disso. Tão pequenos, parecem amostras. Estarão na mochila? E agora?!

5 comentários:

andreia santos disse...

Simula uma perestroika intestinal, refugia-te por momentos com a mochila na casa-de-banho, leva o cão farejador e dá-lhe o mel. Regressa com ar aliviado e garante que não tens mais nada 'suspeito' na mochila. Devolve-a ao Rx e segue viagem :D... Regressa em Junho pa irmos aos Santos, q tenho saudades tuas pah, e nos enfrascarmos de jolas e bifanas.
Nota breve: Se fores ao Perú n falhes a Amazónia. Recomendo o lodge Corto Maltes em Puerto Maldonado. Chegas lá na boa indo de Cusco.

tereza knapic disse...

e o resto da história? comeste o doce? deste aos guardas? prometeste que nunca mais fazias isso? foi a senhora da limpeza que ficou com os frasquinhos?conta-nos!beijos! adorei o teu texto

LV disse...

Mel e eu adoro mel ....e eles aposto que também.
Agora queremos é saber o resto da história ....
Na nossa viagem na India era mel que usavamos nos pequenos almoços nas saladas de fruta e nos cereais ... Lembras-te?

Clara Amorim disse...

E agora?!
Agora vamos ter de esperar até amanhã pelo final da história...!

kyta disse...

Sempre a pisar o risco....