21/04/2013

DIRTY AND ROUGH

Chegámos a Puerto Natales com a energia em alta: queríamos partir o mais depressa possível para o "W", o mítico trekking de 3 ou 4 dias no Parque Nacional Torres del Paine. Mas com as correrias e emoções dos últimos tempos, investigámos muito pouco - e precisávamos de mais informação, para além do lonely planet e algumas pesquisas no google.

Assim, foi só pousar as mochilas no quarto e seguimos directos para uma sessão de esclarecimentos sobre o circuito que, segundo nos tinham dito em El Calafate, acontece todos os dias às três da tarde. Tínhamos imaginado um veterano chileno a responder pacientemente às perguntas de meia dúzia de saloios - nós, incluídos. Ou seja: quando entrámos na sala e deparámos com trinta pessoas equipadas como se fossem para o trekking logo a seguir à sessão, todos muito concentrados a ouvir a palestra que tinha começado há poucos minutos... mas este foi só o primeiro choque.

A comandar a palestra estava um americano de trinta anos, sentado num banco alto com um mapa enorme atrás, uma cana para apontar os lugares à medida que falava, uma lista de temas muito bem organizada, primeiro a descrição do circuito, depois o equipamento, comida, condições climatéricas, etc, etc. Mas uma das primeiras coisas que o ouvi dizer foi:

"Out there you don't wanna eat healthy. Out there, you eat junk."

Imaginem um Chuck Norris mais novo, vestido de Quechua, a falar como o Tommy Lee Jones naquele célebre discurso de caça-ao-homem no filme "O Fugitivo", com a mania que é o gajo do "Into the Wild" e tiques do outro do "127 Horas". Era assim, o guru de hoje.

Ao tom militar que imprimia ao briefing, só lhe faltava uma banda sonora de marchas de guerra a la Hollywood. Juro que a dada altura, comecei a perguntar-me se íamos fazer um trekking ou conquistar o parque aos índios Apache.

Eu e o Bunty tirávamos notas em silêncio, para passar despercebidos no meio de tanta estratégia. Mas outros faziam perguntas sobre sobrevivência. Entre dicas importantes e pormenores que nos permitiram ter uma ideia mais concreta do que nos esperava, o herói americano lá ia polvilhando a conversa com as suas façanhas e os perigos que tinha ultrapassado. Partilhou, por exemplo, que apesar do frio glaciar ele não vai na conversa do equipamento XPTO, e faz sempre o trekking de calções, porque assim seca mais depressa, "but that's me, I like it dirty and rough."

Ou seja: entre dramas da montanha, relatos pessoais de heroísmo, lendas várias e horrores pouco próprios a pessoas mais susceptíveis, saímos dali mais assustados que esclarecidos.

O que não tem de ser necessariamente uma coisa má.

Decidimos ficar um dia extra em Puerto Natales - não estávamos, claramente, preparados. Precisávamos de fazer uma selecção criteriosa da comida a levar, comprar algum equipamento que nos faltava... e, apesar da insistente comparação dos refúgios a "spas só para os fraquinhos", decidimos que não estávamos preparados para acampar quatro dias nestas condições, e que era preferível gastar mais dinheiro, mas ter algum conforto ao final do dia.

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Pois eu diria que também estamos aqui perante uma crónica "estratégica"!!!
Só que, ao contrário do palestrante americano, temos aqui um cronista à maneira!!! ;)

kyta disse...

Time to shop....