17/07/2012

ESTA CIDADE QUE NÃO CONSEGUE ESTAR SOSSEGADA




Amo esta cidade que não consegue estar sossegada. Tem múltiplas personalidades, é hedonista e esquizofrénica, orgulhosa e ao mesmo tempo tímida; fértil em fantasias e tradições, tão desejosa de as realizar e perverter, adaptar e impôr - de viver.

Amo esta cidade que é um encontro, é um beijo entre dois continentes, uma celebração dos abraços e das cotoveladas do tempo, de contradições e confirmações. Esta cidade onde um motoqueiro vestido de cabedal e caveiras pára a sua Harley Davidson numa ponte do Corno Dourado, saca de uma cana de pesca e fica duas horas a fitar a água, partilhando o espaço e o ritual com velhotes solitários, barrigudos desdentados acompanhados da aborrecida esposa que trata de todos os preparos, trintões betinhos acabados de vir do escritório, equipados dos pés à cabeça com o kit-decathlon mais profissional.

Esta cidade que não tem definição, que não cabe em dicionários, que não tem lugar no tempo. Esta cidade com vários nomes, de alcunhas e fama, de gente na rua e rua na gente, de abraços quentes e frios sorrisos. Amo esta cidade de gatos gordos e gordos grafittis, de 7 colinas que não são 7, provavelmente são 77, que mais parecem 777. E todas tão inclinadas quanto a “perninha” deste 7.

Esta cidade que não consegue estar calada. De música a vir de dentro de casa, quando estamos na rua; e música a vir da rua, quando estamos dentro de casa. De sirenes de navios e o choro das gaivotas, a fazer serenatas ao Bósforo; de gritos de contestação na Istiklal Caddesi; de chamamentos à oração a ecoar nas esplanadas; de vendedores ambulantes a apregoar qualidades e preços.

Esta cidade que desabafa e “manda vir”, contesta ódios e confessa amores, conta segredos e dá opiniões – que gosta de conversar através de mensagens escritas nas paredes, capas de jornais, slogans de publicidade, frases estampadas em t-shirts, refrões cantados em troco de umas moedas. Esta cidade em que sentar-se à mesa para comer é só uma desculpa para beber, que é só uma desculpa para estar com os amigos. Nesta ordem.



Da janela do meu quarto, vejo a Torre de Galata. Durante o dia: um ponto de exclamação no desarrumado horizonte de prédios, terraços e minaretes, nesta cidade de convictas dúvidas e certezas efémeras. De noite: uma lótus dourada a crescer num pântano de trevas, que brilha e contagia tudo o que se aproxima. A sério: as gaivotas que à noite voam à volta da Torre de Galata, são de ouro.

Da janela do meu quarto, oiço uma carrinha a parar na rua em frente, oiço um altifalante a debitar palavras que não entendo. Espreito, só para assitir ao espectáculo. Noutras janelas de outras casas, aparecem donas-de-casa a fazer pedidos, lá-de-cima cá-para-baixo, é meio quilo disto e mais duas embalagens daquilo, litro e meio e não-sei-quantas gramas, e atiram baldes e pequenos alguidares amarrados a cordas, que descem depressa e vazios e sobem devagar – cheios.

Da janela do meu quarto vejo os cruzeiros ancorados em Karakoy, a vomitar turistas de pele e roupa clara, desorientados, curiosos, excitados, amedrontados. Máquina fotográfica em riste, autocolantes coloridos na lapela, para não se perderem uns dos outros, follow me, diz o guia de chapéu de chuva em riste, venham ver a Santa Sofia, venham ver a Mesquita Azul, e entre esquemas para vender tapetes, postais vendidos a preço de enciclopécia… isto é muito mais moderno do que eu pensava, é muito mais europeu.

Da janela do meu quarto, eu vejo Istambul.

















Istambul é só a primeira de 11 cidades que marcaram o meu ano passado. Nos próximos dias, vou publicar as outras.

2 comentários:

João Almeida disse...

Adoro esta cidade, adoro aqueles konaks coloridos!

http://joaoalmeida.photoshelter.com/gallery-image/Turkey/G0000l3xy59IKY6k/I0000PS47u.FyWAY/C0000kEDKNDT5ZQ0/

Clara Amorim disse...

Ninguém consegue ficar indiferente a esta cidade estrondosa!!!
Obrigada por esta partilha fantástica!
Vai ser bom regressar aqui todos os dias...