Confesso que hoje custou-me mais a acordar. Estava escuro, lá
fora - e frio, dentro do quarto - quando o despertador tocou, pouco depois das
seis e meia da manhã. Saímos da camarata de fininho, para não acordar ninguém;
mas pouco depois, enquanto arrumávamos as mochilas na sala, começaram a
aparecer outros madrugadores. Quase sem darmos por isso, eram quase sete e meia
- o plano inicial era arrancarmos às sete - e como o pequeno-almoço começava a
ser servido a essa hora... perdido por cem, perdido por mil eheh.
Comemos ao som de Def Leppard (eles gostam mesmo destas
pérolas), deixámos as mochilas na recepção e fomos os primeiros a sair para a
caminhada, ainda o sol estava a aparecer no horizonte. O céu estava limpo, sem
uma única nuvem - e se assim continuasse o resto do dia, bem que podíamos
agradecer aos deuses, ou à sorte, a peripécia de ontem.
O nosso objectivo para hoje era subir até ao posto de
observação, descer novamente até ao refúgio, pegar nas mochilas e avançar para
o segundo refúgio, que fica "a meio do W". Tínhamos as reservas
feitas e queríamos mantê-las, porque não sabíamos se nos cobravam mais por alterar.
Sim: era um plano ambicioso, mas estávamos confiantes. Os quilómetros de ontem
ainda não pesavam muito, o entusiasmo continuava o mesmo - e o tempo, pelos
vistos, parecia querer ajudar.
Eram oito da manhã quando arrancámos. Desta vez, no caminho
certo. E que caminho. Sempre a subir, passando por paisagens maravilhosas -
montanha, floresta, rios - e sempre bem assinalado.
E o tempo: que dia!
Durante a subida, ia mais preocupado com o Bunty, que se
queixava um pouco. Abrandámos um bocado o ritmo porque ele estava mais cansado,
eu carregava a mochila com a comida, nas subidas; e ele nas descidas. Mesmo
assim, conseguimos um bom ritmo, parando apenas para beber água e descansar,
tirar algumas fotos... foi um belo passeio. Por momentos acreditei que o Bunty
não ia subir a última parte, mas a vontade de ver as Torres era tanta, e o
sorriso das pessoas que desciam a montanha, depois de terem assistido ao
nascer-do-sol com aquele céu imaculado... tínhamos de subir os dois.
Assim foi: a última fase é a mais complicada, porque é mais
a pique, mas nada de extraordinário. O caminho é óptimo, bem marcado, e mesmo
quando desaparece todo o tipo de vegetação e o caminho se faz nas rochas - até
aí se faz bem.
E quando chegámos...
Quando chegámos: o que dizer. Como descrever, em palavras,
tudo aquilo que uma pessoa sente quando vê tal quadro?
Já tinha visto fotos na net - e partilho aqui as minhas,
também. Mas peço desculpa: só mesmo ao vivo. E quem já lá foi e teve a sorte de
as ver, sabe do que estou a falar. A harmonia entre as Torres e o lago em
frente, a neve a salpicar a paisagem, a dimensão de tudo, a insignificância de
cada um de nós. E, neste dia maravilhoso: o céu azul, sem uma única nuvem, o
sol a sorrir.
Ainda bem que nos perdemos ontem. Ainda bem que fomos pelo
caminho errado. Se tivessemos vindo aqui ontem, teríamos feito toda a ascenção
debaixo de chuva e vento e frio... e o céu estaria tão carregado de nuvens, cá
em cima, que provavelmente nem víamos nada.
E hoje: além do céu azul, chegámos cedo - e chegar cedo quer
dizer que não há mais ninguém. No mirador, estávamos nós os dois e uma família
de três, e um grupo de quatro amigos. Pouco depois chegou um homem sozinho, e
depois mais três pessoas. Durante a meia hora em que nos sentámos a contemplar,
a tirar fotos, a passear junto ao lago, não havia quase ninguém ali.
Quando finalmente começámos a descer, passaram por nós,
durante a primeira fase do percurso, cerca de setenta pessoas. Do que nos
safámos! ;)
Vínhamos radiantes, cheios de confiança, contávamos estar lá
em baixo por volta das três e meia da tarde - mesmo que saíssemos para o
segundo refúgio às quatro, e mesmo que demorássemos quatro horas a lá chegar,
estava óptimo. Às oito da noite ainda há alguma luz - com este ritmo, estamos
bem.
Só que de repente... e há sempre um "de
repente"... porquêêê?!!!
Já tinha sentido algumas dores no joelho esquerdo, muito
ligeiras, nada que me chateasse muito. Mas a confiança no ritmo era tanta que,
a certa altura, desviei-me (sem querer) do caminho e foi preciso
saltar de um pequeno monte para voltar à "origem". Cerca de um metro de altura,
nada de especial, e quando "aterrei" nem sequer senti dor nenhuma...
...nada de especial - mas pouco depois, as dores no joelho
começaram a ficar insuportáveis. Custava-me a dobrar, custava-me a esticar...
nunca senti nada assim, e já fiz trekkings mais difíceis.
Parámos junto ao refúgio a meio do caminho, para aplicar um
pouco de tiger balm e descansar um bocado. E agora? Isto tem de melhorar. Fazer
o resto do trekking assim vai ser um pesadelo, para além de nos baixar o ritmo.
Será que vou conseguir descer até ao primeiro refúgio? Tenho que descer - claro
que vou descer. Mas será que ainda o vamos fazer a tempo de cumprir o nosso
objectivo, e continuar para a próxima paragem, em Los Cuernos? E se não conseguirmos -
se demorarmos muito tempo -, será que nos deixam alterar as reservas?