01/07/2013

O CAMINHO É O DESTINO

Arrancámos de San Pedro de Atacama pouco depois das sete, mas praticamente nem saímos da vila: parámos logo no posto fronteiriço do Chile, que para minha surpresa fica a meia dúzia de quarteirões do nosso hotel.

Connosco no pequeno autocarro: duas dinamarquesas muito giras, sempre a rir; uma alemã que já tínhamos visto no passeio aos geysers; a argentina com quem tínhamos estado à conversa, à porta da agência de viagens; e um casal de meia-idade de portugueses, emigrantes na suíça, ele a falar com toda a gente muito-alto e muito-rápido, com o mesmo tom e sotaque que usaria se estivesse a visitar "a terrinha"... e os chilenos lá encolhiam os ombros e franziam o sobrolho, sorriam porque-tinha-de-ser, num muito-esforçado-esforço para entender o senhor. Para que me esforço/finjo que falo castelhano... ;)

Ao sairmos do autocarro para ir carimbar os passaportes, o driver começou logo a stressar com o facto de eu e o Bunty não termos o "papelinho" da Imigração. Medo. Vocês assim não podem sair do país, Como é que não têm o papel, Deviam ter dito na agência, Mas ninguém nos disse nada, Alguém devia ter dito alguma coisa, E agora o que fazemos?

Tinham-nos retirado o papel do passaporte, à entrada do Chile. E até reparámos nisso, porque na Patagónia tinha ficado lá dentro... mas achámos que era um procedimento normal, por isso nem o questionámos. Depois de não sei quanto tempo parados nos Andes, e com um traficante sentado ao meu lado... nós só queríamos chegar a Santiago, sabíamos lá que era preciso o papelinho!

Mas: ao que parece, era mesmo preciso apresentá-lo à saída do país. O driver ia e vinha, fumo a sair pelas orelhas, Procurem-no bem, Tem de estar aí algures, Não está, Ficaram com ele na fronteira, já lhe disse.

Entretanto as dinamarquesas contaram-nos que lhes tinha acontecido o mesmo, mas na agência mandaram-nas vir a este mesmo posto, no dia anterior, e fazer uns papéis novos.

E agora?

Começámos a ficar nervosos, nem queríamos acreditar na hipótese, por muito remota que fosse, de ficar mais um dia em Atacama - e, quem sabe, perder o direito à viagem. Este passeio não estava a começar nada bem.

Metemo-nos na fila da Imigração, contrariando o nervosismo do driver, que optou por manter a distância. Não podia ser assim tão difícil, se as miúdas tinham arranjado o papel. O único problema é que nos estávamos a "pôr a jeito" para ter de pagar uma "multa".

Esperámos que chegasse a nossa vez.

"O papel?"

"Tiraram-no do passaporte na fronteira de Los Heroes, quando vínhamos da Argentina."

Silêncio.

Assina aqui, carimba ali...

"Boa viagem."

Assim tão simples. As dinamarquesas nem queriam acreditar, tinham perdido tempo no dia anterior para nada. Nós nem queríamos acreditar na sorte. E o driver nem queria acreditar que tinha feito tamanho drama por nada.

Avançámos mais meia dúzia de quarteirões e parámos segunda vez, para tomar o pequeno almoço. Fiz um bocadinho de conversa com os portugueses e descobri que iam fazer o mesmo percurso até Uyuni, mas tinham um carro só para eles. Ou seja: eu e o Bunty íamos com as miúdas. Nada mau.

E já com a barriga cheia: continuámos viagem na direcção das montanhas, primeiro por alcatrão, depois por terra batida, até que chegámos a uma casinha no meio do nada, rodeada de jipes e turistas a arrumar mochilas em tejadilhos.


As formalidades processaram-se rapidamente, a ida à casa-de-banho também, decidi tomar um Imodium porque a paisagem matinal não era muito sólida. É da ansiedade, pensei.

Cá vamos nós: à nossa volta montanhas e lagos de várias cores, rochas e deserto, animais e tonturas. Destino final: o salar de Uyuni, daqui a três dias.

Mas como diz a tatuagem que tenho no braço direito: o caminho é o destino. E neste caso em particular... que caminho!

3 comentários:

Lv disse...

O velho imodium, companheiro de todas as viagens .... E agora o que vai acontecer .....

Clara Amorim disse...

Afinal, três dias passaram num instante!!!

agrades disse...

O desaparecimento do papelinho do passaporte, fez-me lembrar apertos semelhantes, que se resolvem sempre, mas dão um mal estar do caraças...
Estas reportagens encantam-me.
Obrigada.