A propósito da entrevista que dei hoje no programa "Grande Tarde", apresentado pelo João Baião, partilho hoje algumas formas originais de cumprimentar alguém por esse mundo fora.
Na Índia, por exemplo: é comum baixar-se e tocar no pés das pessoas mais velhas, e depois tocar no próprio coração. É uma forma de demonstrar respeito, porque o pé é a parte mais impura do corpo. A este cumprimento chama-se "Pranama" e é quase como pedir a benção. No entanto, a forma mais habitual de cumprimentar alguém é com um "Namasté", que como quase toda a gente sabe faz-se encostando as palmas das mãos uma à outra, em frente ao coração.
Na Tailândia, o "Wai" não é muito diferente do "Namasté": junta-se as palmas das mãos quando se cumprimenta alguém, mas dependendo do respeito, idade ou hierarquia, pode-se fazer o gesto em frente ao queixo, nariz, testa ou mesmo por cima da cabeça. No limite - no caso de cumprimentar o rei, por exemplo - deve-se mesmo deitar no chão com as mãos para a frente.
Já na Malásia, Vietname e Camboja é diferente. Nestes países é normal perguntar "onde é que vais", em vez de "como estás" ou "tudo bem". Esta é uma forma de mostrar interesse sobre a pessoa e o que esta faz. E da mesma maneira que quando nos perguntam "como estás" podemos responder "tudo bem" sem entrar em pormenores acerca do nosso real estado de espírito ou de saúde, também nestes países não precisamos de explicar em detalhe para onde vamos, quando nos cumprimentam. Basta responder com um "vou ali" ou "vou dar uma volta".
No Tibete há uma tradição muito particular: quando se cumprimenta outra pessoa, é normal mostrar a língua - basta pôr um bocadinho de fora, para provar que não se é a reencarnação de um rei do século IX, que tinha a língua preta e a fama de ser "mau como as cobras".
Na Gronelândia, as pessoas cumprimentam-se com o "beijo de esquimó", ou então pode tocar-se com o nariz na testa ou na bochecha do outro - e inspira-se, como se estivéssemos a cheirá-la. No entanto, este tipo de proximidade acontece só entre família e amigos. Raramente um estrangeiro será cumprimentado assim logo à primeira vez.
Também na Nova Zelândia se usa um cumprimento parecido. Chama-se "Hongi" e faz-se encostando os narizes uns aos outros - é um acto simbólico que simboliza o "sopro da vida" e que os Maori acreditam ter sido iniciado pelos deuses.
Nas Filipinas segura-se a mão direita da outra pessoa (especialmente das pessoas mais velhas) e encosta-se os nós dos dedos à nossa testa. É uma forma de mostrar de respeito e chama-se Mano.
O contacto físico não é muito comum no Japão, pelo que se cumprimenta outras pessoas através de uma vénia, que varia conforme o tipo de formalidades e o estatudo de cada pessoa. Pode ser um breve aceno de cabeça até uma demorada vénia de noventa graus - ou seja, não só varia a duração da vénia, como o próprio ângulo de inclinação. Os homens normalmente deixam as mãos de lado, caídas, enquanto as senhoras deixam as palmas para dentro, a tocar nas ancas.
Em Marrocos é costume fazer-se mil e uma perguntas a seguir ao "salam aleikum", acompanhadas da respectiva resposta e "graças a deus". Pergunta-se pela esposa, pelos filhos, pelos pais, por cada membro da família, provavelmente até pelo piriquito. É um ritual muito engraçado, que pode demorar vários minutos, em que as pessoas até podem estar a fazer outras coisas, não parecendo na realidade muito interessadas no que estão a dizer. É quase um duelo, muito giro - e quanto mais para sul, mais elaborado. Também no Mali e em alguns países da África Ocidental há rituais parecidos, que são a origem da nossa expressão "salamaleques".
Ainda em Marrocos, os homens cumprimentarem-se com quatro beijinhos. Em França é comum serem três, e em Portugal pode ser dois ou mesmo um. Já na Turquia, onde normalmente basta um aperto de mão ou um aceno, entre amigos é mais caloroso, e é comum os homens beijarem-se duas vezes, mas no sentido contrário ao que usamos em Portugal - ou seja, primeiro dá-se a bochecha esquerda, depois a direita.
Também muito comum em muitos países muçulmanos é o ritual de tocar no coração depois de apertar a mão a alguém.
Não faltam variações destes cumprimentos, por esse Mundo fora, ou outras maneira originais de se dizer olá. As tribos africanas Shona batem palmas, nas Ilhas Marshall franzem as sobrancelhas, na Zâmbia apertam-se os polegares da outra pessoa. E cá entre nós, é exactamente esta riqueza que me faz continuar a viajar e a querer descobrir mais Mundo.
Assim sendo, despeço-me com um dos cumprimentos mais famosos da Ásia:
Sabaidee!! :)
21/06/2016
07/06/2016
EU JÁ VIAJEI NO TEMPO
Desenganem-se os cépticos, porque esta é a verdade pura e crua: eu já viajei no tempo.
Não acreditam? E se vos disser que no início de Abril recuei 1164 anos, para no final desse mês avançar 621? E não foi preciso truques de magia, efeitos especiais ou substâncias psicotrópicas.
Passo a explicar:
A Tailândia rege-se pelo calendário solar tailandês, adoptado em 1888 e que oficialmente usa o calendário gregoriano para os dias do ano e os meses - mas para a contagem dos anos, apoia-se na Era Budista, cujo Ano Zero é a data da "morte" do Buda, ou seja, 543 a.C.
Ou seja: na Tailândia o ano é 2559, neste momento.
Já no Irão, para onde viajei de Bangkok, em Abril, o calendário em vigor é o Persa, muito aproximado do Islâmico, e está 621 ou 622 anos "atrás" do gregoriano, conforme o mês.
Por isso: no Irão, estamos em 1395.
Sabendo isto, é fazer as contas: quando voei de Bangkok para Teerão, recuei 1164 anos no Tempo, de 2559 para 1395. E quando voei de Teerão para Istambul e depois Lisboa, viajei para 2016, que é onde me encontro agora - e muito bem. ;)
Já agora - e apenas por curiosidade -, o Ano Novo na Tailândia celebra-se entre os dias 13 e 15 de Abril e chama-se Songkran; enquanto no Irão o Norooz é comemorado por volta do Equinócio da Primavera, ou seja, dia 21 de Março (às vezes um dia antes, às vezes um dia depois).
E esta, hem? ;)
Não acreditam? E se vos disser que no início de Abril recuei 1164 anos, para no final desse mês avançar 621? E não foi preciso truques de magia, efeitos especiais ou substâncias psicotrópicas.
Passo a explicar:
A Tailândia rege-se pelo calendário solar tailandês, adoptado em 1888 e que oficialmente usa o calendário gregoriano para os dias do ano e os meses - mas para a contagem dos anos, apoia-se na Era Budista, cujo Ano Zero é a data da "morte" do Buda, ou seja, 543 a.C.
Ou seja: na Tailândia o ano é 2559, neste momento.
Já no Irão, para onde viajei de Bangkok, em Abril, o calendário em vigor é o Persa, muito aproximado do Islâmico, e está 621 ou 622 anos "atrás" do gregoriano, conforme o mês.
Por isso: no Irão, estamos em 1395.
Sabendo isto, é fazer as contas: quando voei de Bangkok para Teerão, recuei 1164 anos no Tempo, de 2559 para 1395. E quando voei de Teerão para Istambul e depois Lisboa, viajei para 2016, que é onde me encontro agora - e muito bem. ;)
Já agora - e apenas por curiosidade -, o Ano Novo na Tailândia celebra-se entre os dias 13 e 15 de Abril e chama-se Songkran; enquanto no Irão o Norooz é comemorado por volta do Equinócio da Primavera, ou seja, dia 21 de Março (às vezes um dia antes, às vezes um dia depois).
E esta, hem? ;)
06/06/2016
UM PITADA DE AÇÚCAR
Encontrei-me com o Filipe Morato Gomes no café que me indicara no mapa - e findos os salamaleques que já se sabe, pedi um chá de qualquer-coisa que me foi recomendado por uma iraniana. Estava bom mas confesso que não me surpreendeu por-aí-além. É que: o que mais me chamou a atenção foi o açúcar.
Ao longo das três semanas passadas no Irão, haveria de encontrar muitas vezes esta particularidade da cultura iraniana - e se por um lado deixou de ser surpresa, por outro nunca deixei de me impressionar.
No Irão, em vez de pacotinhos de açúcar a acompanhar o chá, vem isto:
É açúcar cristalizado, metido num pauzinho como se fosse um gelado ou um chupa-chupa. Mete-se na chávena e depois é só deixar derreter. Muito original!
Ao longo das três semanas passadas no Irão, haveria de encontrar muitas vezes esta particularidade da cultura iraniana - e se por um lado deixou de ser surpresa, por outro nunca deixei de me impressionar.
No Irão, em vez de pacotinhos de açúcar a acompanhar o chá, vem isto:
É açúcar cristalizado, metido num pauzinho como se fosse um gelado ou um chupa-chupa. Mete-se na chávena e depois é só deixar derreter. Muito original!
TEERÃO - PRIMEIRAS IMPRESSÕES
No shuttle que me levou do avião para o aeroporto propriamente dito, levei logo com o primeiro "choque sensorial": o cheiro. Em contraste com aquilo a que estou habituado no Sudeste Asiático, aqui os odores corporais revelaram-se... enfim, mais fortes. Não tão intensos como na Rússia, por exemplo; mas mais ao estilo da Turquia.
O suficiente para virar a cara para o lado, portanto... mas sem chegar a ficar enjoado, com vómitos e tonturas e vontade de gritar por socorro. ;)
E por falar em socorro: depois das correrias e do stress no aeroporto de Muscat, admito que estava convencido que a minha mochila ia ficar perdida algures - por isso imaginem o meu sorriso quando a vi aparecer no tapete rolante, só faltou uma música angélica e raios de sol a iluminá-la, que sorte, foi praticamente a primeira a sair.
Troquei algum dinheiro e saí para a rua, abordei um taxista mas ele recusava-se a estabelecer um preço ou uma estimativa para a "corrida" até ao hotel, "depois logo vemos, não há problema", mas obviamente que há problema, não me vou meter num táxi-de-aeroporto sem saber quanto é a corrida, eu sei que os iranianos são muito hospitaleiros, isto-e-aquilo... mas um taxista-de-aeroporto é um taxista-de-aeroporto. E como sei que a comunidade mundial de taxistas-de-aeroporto é assídua seguidora deste blog e não procuro uma reacção ao estilo transmontanos versus José Cid: desculpem lá a generalização, eu sei que há excepções à regra e mais-não-sei-quê, mas baseio esta minha esquisitice em inúmeras peripécias e factos constatados por moi meme e muitos outros viajantes por esse mundo fora. Podem ser excelentes companheiros para ir ao cinema, fazer jogging, beber uma cerveja e comer caracóis. Mas para me levar aonde eu quero a um preço razoável: desconfio sempre.
Continuando: não fui na conversa do chico-esperto, obviamente. Insisti mas ele recusou-se a dar um preço, por isso desci até ao balcão dos táxis e mandei chamar um por 750.000 rials. Nada mau, tendo em conta que o Filipe tinha-me falado em 700.000.
Durante a viagem até ao centro, o motorista ofereceu-me tâmaras e sementes de girassol - e como não fez muita conversa, fui o tempo todo calado e a olhar pela janela. A paisagem do lado de fora, se a tivesse de comparar com as referências que trago na minha bagagem de memórias e histórias, era 50% Egipto, 20% Dubai, 20% Marrocos e 20% Turquia.
Cheguei ao hotel e paguei a corrida com duas notas de 500.000 rials. Claro que não tinha troco, o motorista, estava-se mesmo a ver, por isso sugeri ele esperar um minuto que eu ia trocar o dinheiro à recepção. Ele fez-se de simpático, "não é preciso, ora essa, deixe estar", e correu até ao café mais próximo, de onde voltou com várias notas na mão. Passou-me duas de 100.000 rials e eu fiquei à espera dos 50.000 que faltavam.
"Sorry, no change."
Enfim: não me vou chatear. Devia, eu sei - mas não vou.
Atravessei a estrada e entrei no hotel, a sorrir. Pedi a chave do quarto e um senhor de sessenta anos acompanhou-me até à porta, fez o tour do quarto, explicou-me o óbvio, não vá eu ter chegado de outro planeta e não estar habituado a coisas que para os humanos são básicas. Isto é uma janela, os cortinados abrem-se assim. Estas são as suas toalhas. Okay, thank you. Saiu em câmara lenta mas depois do dinheiro desperdiçado no táxi, estava pouco inclinado a dar-lhe uma gorjeta de 100.000 rials. Fechei a porta e respirei fundo: a primeira interacção não foi a melhor, mas não vou deixar que isto dê cabo do meu mood, pensei.
No quarto tinha um recado do Filipe com um mapa desenhado na parte de trás. Desafiava-me a ir ter com ele para tomarmos um café. Refresquei-me rapidamente e saí, estava desejoso de conhecer a cidade. Não me pareceu especialmente bonita, algumas ruas fizeram-me lembrar Ankara - o que, convenhamos, não é o melhor dos elogios... mas ao longo dos próximos dias havia de descobrir que o charme de Teerão não está na cidade como um Todo, mas em alguns Pormenores deliciosos.
Depois do abraço do reencontro, da conversa acompanhada de chá e bolinhos, saímos finalmente para jantar. Junto à Casa dos Artistas passeámos por um jardim onde fomos abordados por um jovem artista que nos desafiou a assistir à sua actuação, "começa daqui a cinco minutos ali onde estão mais pessoas". Fomos para o lugar que nos apontou, éramos uns trinta ou quarenta curiosos (nós os únicos turistas) e qual não foi a minha surpresa quando, ao som de música electrónica tocada numas colunas made-in-china, o rapaz começou a dançar... breakdance.
Desta é que eu não estava à espera!
O suficiente para virar a cara para o lado, portanto... mas sem chegar a ficar enjoado, com vómitos e tonturas e vontade de gritar por socorro. ;)
E por falar em socorro: depois das correrias e do stress no aeroporto de Muscat, admito que estava convencido que a minha mochila ia ficar perdida algures - por isso imaginem o meu sorriso quando a vi aparecer no tapete rolante, só faltou uma música angélica e raios de sol a iluminá-la, que sorte, foi praticamente a primeira a sair.
Troquei algum dinheiro e saí para a rua, abordei um taxista mas ele recusava-se a estabelecer um preço ou uma estimativa para a "corrida" até ao hotel, "depois logo vemos, não há problema", mas obviamente que há problema, não me vou meter num táxi-de-aeroporto sem saber quanto é a corrida, eu sei que os iranianos são muito hospitaleiros, isto-e-aquilo... mas um taxista-de-aeroporto é um taxista-de-aeroporto. E como sei que a comunidade mundial de taxistas-de-aeroporto é assídua seguidora deste blog e não procuro uma reacção ao estilo transmontanos versus José Cid: desculpem lá a generalização, eu sei que há excepções à regra e mais-não-sei-quê, mas baseio esta minha esquisitice em inúmeras peripécias e factos constatados por moi meme e muitos outros viajantes por esse mundo fora. Podem ser excelentes companheiros para ir ao cinema, fazer jogging, beber uma cerveja e comer caracóis. Mas para me levar aonde eu quero a um preço razoável: desconfio sempre.
Continuando: não fui na conversa do chico-esperto, obviamente. Insisti mas ele recusou-se a dar um preço, por isso desci até ao balcão dos táxis e mandei chamar um por 750.000 rials. Nada mau, tendo em conta que o Filipe tinha-me falado em 700.000.
Durante a viagem até ao centro, o motorista ofereceu-me tâmaras e sementes de girassol - e como não fez muita conversa, fui o tempo todo calado e a olhar pela janela. A paisagem do lado de fora, se a tivesse de comparar com as referências que trago na minha bagagem de memórias e histórias, era 50% Egipto, 20% Dubai, 20% Marrocos e 20% Turquia.
Cheguei ao hotel e paguei a corrida com duas notas de 500.000 rials. Claro que não tinha troco, o motorista, estava-se mesmo a ver, por isso sugeri ele esperar um minuto que eu ia trocar o dinheiro à recepção. Ele fez-se de simpático, "não é preciso, ora essa, deixe estar", e correu até ao café mais próximo, de onde voltou com várias notas na mão. Passou-me duas de 100.000 rials e eu fiquei à espera dos 50.000 que faltavam.
"Sorry, no change."
Enfim: não me vou chatear. Devia, eu sei - mas não vou.
Atravessei a estrada e entrei no hotel, a sorrir. Pedi a chave do quarto e um senhor de sessenta anos acompanhou-me até à porta, fez o tour do quarto, explicou-me o óbvio, não vá eu ter chegado de outro planeta e não estar habituado a coisas que para os humanos são básicas. Isto é uma janela, os cortinados abrem-se assim. Estas são as suas toalhas. Okay, thank you. Saiu em câmara lenta mas depois do dinheiro desperdiçado no táxi, estava pouco inclinado a dar-lhe uma gorjeta de 100.000 rials. Fechei a porta e respirei fundo: a primeira interacção não foi a melhor, mas não vou deixar que isto dê cabo do meu mood, pensei.
No quarto tinha um recado do Filipe com um mapa desenhado na parte de trás. Desafiava-me a ir ter com ele para tomarmos um café. Refresquei-me rapidamente e saí, estava desejoso de conhecer a cidade. Não me pareceu especialmente bonita, algumas ruas fizeram-me lembrar Ankara - o que, convenhamos, não é o melhor dos elogios... mas ao longo dos próximos dias havia de descobrir que o charme de Teerão não está na cidade como um Todo, mas em alguns Pormenores deliciosos.
Depois do abraço do reencontro, da conversa acompanhada de chá e bolinhos, saímos finalmente para jantar. Junto à Casa dos Artistas passeámos por um jardim onde fomos abordados por um jovem artista que nos desafiou a assistir à sua actuação, "começa daqui a cinco minutos ali onde estão mais pessoas". Fomos para o lugar que nos apontou, éramos uns trinta ou quarenta curiosos (nós os únicos turistas) e qual não foi a minha surpresa quando, ao som de música electrónica tocada numas colunas made-in-china, o rapaz começou a dançar... breakdance.
Desta é que eu não estava à espera!
02/06/2016
EMOÇÕES FORTES A CAMINHO DE TEERÃO
(Texto escrito pouco depois de chegar ao Irão, em Abril).
Depois do primeiro contacto com a senhora da agência iraniana que emitiu o meu visto "à confiança", e da breve mas eficaz passagem pela embaixada em Bangkok - eis-me finalmente a caminho do Irão.
Viajei na Oman Air para Teerão, com escala em Muscat. Levantei voo de Bangkok logo de manhã, um bocado atrasado mas não me pareceu grave. O avião era bom e com muito espaço para as pernas, infelizmente estava "entalado" entre a janela e um homem muito forte que no início ia sempre a mexer-se, que nervos!, mas para ser sincero acabou por nem ser tão mau quanto cheguei a temer. Dormi metade do tempo, vi um filme, escrevi mais um pouco do meu próximo livro - e se é verdade que não foi a viagem mais confortável de Sempre, também não posso dizer que tenha sido propriamente a mais dramática.
O drama, esse, só começou depois.
Assim que aterrámos em Muscat mudei a hora ao telefone e imediatamente percebi que estávamos a chegar "mesmo em cima" da hora que era previsto levantar voo para Teerão. Que estranho, normalmente evito escalas muito curtas, como é que escolhi este bilhete, pensei. Mas explicaran-me que o segundo voo tinha sido adiantado... e como este já ia atrasado... que pontaria.
Saí a correr do avião para o shuttle, e a correr do shuttle para o aeroporto, onde me mandaram ir perguntar ao balcão dos transfers. Subi as escadas dois-a-dois, com-licença, faz-favor, e não ser que o segundo voo também tivesse atrasado, o mais certo era ter perdido a minha ligação.
No balcão explicaram-me que iam atribuir-me novo voo, sente-se aí à frente que já o chamamos, e eu sentei-me, que remédio.
Vou chegar tão tarde a Teerão, que chatice.
Ao pé de mim sentou-se um casal iraniano de meia-idade, mais uma francesa da minha idade, começámos à conversa, eles iam visitar a família e ela vinha do Sudeste Asiático para encontrar-se com os pais:
"Estou a viajar há vinte e dois meses. No ano passado vim ao Irão pela primeira vez, era suposto ficar só trinta dias mas acabei por pedir a extensão do visto, adorei o país, fiquei dois meses e apaixonei-me pelas pessoas, pela cultura, pela História."
Onde é que eu já ouvi isto.
"Agora desafiei os meus pais e eles chegam daqui a três dias, vou ser a guia deles durante duas semanas. E depois volto para o Sudeste Asiático, para continuar com a minha volta."
Os senhores aí sentados, por favor.
Levantámo-nos, e qual não foi a nossa surpresa quando nos disseram que o voo original também estava atrasado, apesar dos passageiros já terem embarcado, despachem-se a chegar à porta de embarque e ainda conseguem embarcar. Fizeram um novo boarding pass para o casal, que foi andando. Depois para a francesa, que saiu disparada a correr. E finalmente o meu... mas passa-se alguma coisa... a senhora ao balcão chama alguém... eu começo a ficar nervoso, está a demorar tanto tempo, nem acredito que vou ser o único a perder o voo... está tudo bem, senhora?... e ela olha nervosa para mim mas não diz nada, e tenta mais qualquer coisa no computador, Alá, Alá... é o sistema.
O sistema!
(Curiosamente, quando estiver a sair do Irão três semanas depois, vou também ter um problema com o "sistema".)
Vem o colega, tenta qualquer coisa e nada, desliga e liga, não acredito, vou mesmo ficar em terra, tento não enervá-los ainda mais mas por dentro vai aqui uma revolução, passam-se alguns minutos e eu já estou a imaginar o avião a ir embora e eu em terra, vamos lá embora, senhora.
"Here's your boarding pass. Run!"
E eu corri.
Qual Rosa Mota qual-quê! Usain Bolt... um menino! Lancei-me pelos corredores do aeroporto de Muscat como se estivesse a ser perseguido por algum monstro ou fantasma, só ao fim de algumas passadas é que me lembrei que nem sabia qual era a porta de embarque, voltei-me para trás mas o balcão estava já longe, não faz mal, hei-de encontrar algum painel.
Mais à frente estava uma pequena fila para o raio X, assim que me viram os seguranças gritaram-me "Tehran?" e eu respondi que sim, as pessoas afastaram-se e eu passei em modo fast forward. Continuei a correr e ainda ouvi um deles gritar-me "gate number seven!", sem abrandar agradeci a rir e acelerei, e eis que à minha frente vejo pessoas e lojas mas os funcionários perguntam-me sempre "Tehran?" e eu "yes-yes-tehran", e o caminho foi-se abrindo à minha frente, parecia o final da maratona, só faltava aplaudirem-me, e acho que oiço ao fundo Vangelis, e vejo à frente a meta, sorrisos, Tehran, Tehran!
Entrei no avião "com os bofes de fora", sentei-me no lugar indicado no boarding pass, vamos lá embora. Ao meu lado estava sentado um homem nos seus sessenta muito - bem vividos e melhor conservados, magro e "seco", meio "freak", muito viajado, bom conversador, viemos o tempo quase todo a opinar e a trocar histórias e peripécias sobre o Irão e o Mundo.
Chamava-se Max. Nasceu em Teerão e aí viveu até aos dezoito, quando saiu para viajar pelo Mundo. Em 1979 estava na Suécia e comprou uma "pão-de-forma", foi até Portugal com uns amigos, trabalhou numa cooperativa alentejana a tirar cortiça das árvores, contou-me histórias que metiam a polícia a disparar para barris de vinho, ele a mostrar uma máquina fotográfica numa manifestação e a dizer que era jornalista da BBC, e depois o casamento com uma sueca, mais as empresas que fundou e o caminho mais "corporate" que acabou por tomar, apesar de trabalhar com soluções ecológicas, etc. Mas há uns anos apanhou um susto e o médico aconselhou-o a abrandar o ritmo... por isso largou as empresas, a esposa, a casa e o conforto - e agora viaja.
O Max é muito espiritual, filosófico e pragmático, ao mesmo tempo. Muito-muito interessante. Ainda partilhou comigo algumas dicas sobre o seu país, desenhou-me um mapa com sítios a ir, percursos, experiências. Que conversa boa - a forma perfeita de relaxar daquela stressante corrida pré-voo... e de chegar ao Irão "enquanto o Diabo esfrega um olho".
Depois do primeiro contacto com a senhora da agência iraniana que emitiu o meu visto "à confiança", e da breve mas eficaz passagem pela embaixada em Bangkok - eis-me finalmente a caminho do Irão.
Viajei na Oman Air para Teerão, com escala em Muscat. Levantei voo de Bangkok logo de manhã, um bocado atrasado mas não me pareceu grave. O avião era bom e com muito espaço para as pernas, infelizmente estava "entalado" entre a janela e um homem muito forte que no início ia sempre a mexer-se, que nervos!, mas para ser sincero acabou por nem ser tão mau quanto cheguei a temer. Dormi metade do tempo, vi um filme, escrevi mais um pouco do meu próximo livro - e se é verdade que não foi a viagem mais confortável de Sempre, também não posso dizer que tenha sido propriamente a mais dramática.
O drama, esse, só começou depois.
Assim que aterrámos em Muscat mudei a hora ao telefone e imediatamente percebi que estávamos a chegar "mesmo em cima" da hora que era previsto levantar voo para Teerão. Que estranho, normalmente evito escalas muito curtas, como é que escolhi este bilhete, pensei. Mas explicaran-me que o segundo voo tinha sido adiantado... e como este já ia atrasado... que pontaria.
Saí a correr do avião para o shuttle, e a correr do shuttle para o aeroporto, onde me mandaram ir perguntar ao balcão dos transfers. Subi as escadas dois-a-dois, com-licença, faz-favor, e não ser que o segundo voo também tivesse atrasado, o mais certo era ter perdido a minha ligação.
No balcão explicaram-me que iam atribuir-me novo voo, sente-se aí à frente que já o chamamos, e eu sentei-me, que remédio.
Vou chegar tão tarde a Teerão, que chatice.
Ao pé de mim sentou-se um casal iraniano de meia-idade, mais uma francesa da minha idade, começámos à conversa, eles iam visitar a família e ela vinha do Sudeste Asiático para encontrar-se com os pais:
"Estou a viajar há vinte e dois meses. No ano passado vim ao Irão pela primeira vez, era suposto ficar só trinta dias mas acabei por pedir a extensão do visto, adorei o país, fiquei dois meses e apaixonei-me pelas pessoas, pela cultura, pela História."
Onde é que eu já ouvi isto.
"Agora desafiei os meus pais e eles chegam daqui a três dias, vou ser a guia deles durante duas semanas. E depois volto para o Sudeste Asiático, para continuar com a minha volta."
Os senhores aí sentados, por favor.
Levantámo-nos, e qual não foi a nossa surpresa quando nos disseram que o voo original também estava atrasado, apesar dos passageiros já terem embarcado, despachem-se a chegar à porta de embarque e ainda conseguem embarcar. Fizeram um novo boarding pass para o casal, que foi andando. Depois para a francesa, que saiu disparada a correr. E finalmente o meu... mas passa-se alguma coisa... a senhora ao balcão chama alguém... eu começo a ficar nervoso, está a demorar tanto tempo, nem acredito que vou ser o único a perder o voo... está tudo bem, senhora?... e ela olha nervosa para mim mas não diz nada, e tenta mais qualquer coisa no computador, Alá, Alá... é o sistema.
O sistema!
(Curiosamente, quando estiver a sair do Irão três semanas depois, vou também ter um problema com o "sistema".)
Vem o colega, tenta qualquer coisa e nada, desliga e liga, não acredito, vou mesmo ficar em terra, tento não enervá-los ainda mais mas por dentro vai aqui uma revolução, passam-se alguns minutos e eu já estou a imaginar o avião a ir embora e eu em terra, vamos lá embora, senhora.
"Here's your boarding pass. Run!"
E eu corri.
Qual Rosa Mota qual-quê! Usain Bolt... um menino! Lancei-me pelos corredores do aeroporto de Muscat como se estivesse a ser perseguido por algum monstro ou fantasma, só ao fim de algumas passadas é que me lembrei que nem sabia qual era a porta de embarque, voltei-me para trás mas o balcão estava já longe, não faz mal, hei-de encontrar algum painel.
Mais à frente estava uma pequena fila para o raio X, assim que me viram os seguranças gritaram-me "Tehran?" e eu respondi que sim, as pessoas afastaram-se e eu passei em modo fast forward. Continuei a correr e ainda ouvi um deles gritar-me "gate number seven!", sem abrandar agradeci a rir e acelerei, e eis que à minha frente vejo pessoas e lojas mas os funcionários perguntam-me sempre "Tehran?" e eu "yes-yes-tehran", e o caminho foi-se abrindo à minha frente, parecia o final da maratona, só faltava aplaudirem-me, e acho que oiço ao fundo Vangelis, e vejo à frente a meta, sorrisos, Tehran, Tehran!
Entrei no avião "com os bofes de fora", sentei-me no lugar indicado no boarding pass, vamos lá embora. Ao meu lado estava sentado um homem nos seus sessenta muito - bem vividos e melhor conservados, magro e "seco", meio "freak", muito viajado, bom conversador, viemos o tempo quase todo a opinar e a trocar histórias e peripécias sobre o Irão e o Mundo.
Chamava-se Max. Nasceu em Teerão e aí viveu até aos dezoito, quando saiu para viajar pelo Mundo. Em 1979 estava na Suécia e comprou uma "pão-de-forma", foi até Portugal com uns amigos, trabalhou numa cooperativa alentejana a tirar cortiça das árvores, contou-me histórias que metiam a polícia a disparar para barris de vinho, ele a mostrar uma máquina fotográfica numa manifestação e a dizer que era jornalista da BBC, e depois o casamento com uma sueca, mais as empresas que fundou e o caminho mais "corporate" que acabou por tomar, apesar de trabalhar com soluções ecológicas, etc. Mas há uns anos apanhou um susto e o médico aconselhou-o a abrandar o ritmo... por isso largou as empresas, a esposa, a casa e o conforto - e agora viaja.
O Max é muito espiritual, filosófico e pragmático, ao mesmo tempo. Muito-muito interessante. Ainda partilhou comigo algumas dicas sobre o seu país, desenhou-me um mapa com sítios a ir, percursos, experiências. Que conversa boa - a forma perfeita de relaxar daquela stressante corrida pré-voo... e de chegar ao Irão "enquanto o Diabo esfrega um olho".
01/06/2016
FUI DAR UM VOLTA À CRAZY HOUSE, EM DALAT
Há cerca de seis anos fui dar uma volta pelo centro do Vietname, à pendura numa mota durante alguns dias. Um dos lugares mais interessantes (e, de certa forma, intrigantes) que visitei foi uma casa em Dalat, desenhada por uma arquitecta local chamada Dang Viet Nga - e que, apesar de estar quase-quase completa, nessa altura ainda estava em construção.
"Diz" que hoje em dia é uma guesthouse, chama-se Hang Nga - mas continua famosa pelo nome que já tinha naquela altura: "Crazy House".
Imaginem o conto "Hansel e Gretel", dos Irmãos Grimm, adaptado ao cinema por Tim Burton, filmado na Capadócia e com os cenários desenhados por Gaudi. Pois.
E porque hoje é o Dia das Crianças, nada como irmos dar uma volta por este lugar mágico (e controverso) que desperta a Alice que há em nós.
Eu sei que é um pouco fora do roteiro habitual, mas sem dúvida que vale o desvio. E Dalat é um lugar engraçado, rodeado por montanhas e plantações de café, chá, chocolate, etc.
"Diz" que hoje em dia é uma guesthouse, chama-se Hang Nga - mas continua famosa pelo nome que já tinha naquela altura: "Crazy House".
Imaginem o conto "Hansel e Gretel", dos Irmãos Grimm, adaptado ao cinema por Tim Burton, filmado na Capadócia e com os cenários desenhados por Gaudi. Pois.
E porque hoje é o Dia das Crianças, nada como irmos dar uma volta por este lugar mágico (e controverso) que desperta a Alice que há em nós.
Eu sei que é um pouco fora do roteiro habitual, mas sem dúvida que vale o desvio. E Dalat é um lugar engraçado, rodeado por montanhas e plantações de café, chá, chocolate, etc.
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