28/09/2015

SÃO REFUGIADOS (parte 1)

"Olha ali à frente, aqueles botes."

Volto-me para onde aponta o dedo da minha amiga Bahar, algures no mar à minha frente.

"São refugiados sírios, vão para a Grécia."

Confesso que a minha primeira reacção foi de algum cepticismo. Como é que ela podia garantir com tanta certeza que eram refugiados... quando, fantasiei, poderiam ser só algumas pessoas num bote, a passear.

Contudo, depressa perdi qualquer cepticismo. Não só a) o dono do restaurante me disse que não havia ali passeios, a não ser de barco a motor ou barcos de pesca, como b) num instante percebi que aqueles barcos não iam em passeio. Um deles ia já muito avançado, a meio-caminho de Lesbos. Os outros estavam mais perto, mas avançando mar adentro. Que sensação pesada, quando me "caiu a ficha" da realidade que ali surgia a olho nú.

"Estamos muito perto da Grécia. É uma das distâncias mais curtas, de Assos para Lesbos... e com o mar tão calmo, todos os dias vemos botes a sair... carregados de gente."

Nos dias seguintes eu próprio confirmaria esta afirmação.

Entretanto fui ao bungalow buscar o telefone. Tenho a máquina avariada, por isso era a única forma de registar aquele momento. Ainda consegui tirar uma fotografia aos botes, mas a qualidade é muito fraquinha. Fica aqui a tentativa de registar este momento tão estranho, um eco de angústias e horrores, desespero e esperança.

E ninguém faz nada.

"Na Europa é diferente, podes interferir porque eles estão entregues a eles próprios. Eles querem que intervenhas. Já chegaram. Mas aqui é preciso ter cuidado. Aqui eles ainda estão sob a "alçada" dos traficantes. Aqui mais vale não interferir, pois não sabes com quem te vais meter."

Fazer o quê? Aqui não há nada a fazer. E mesmo que tivessemos oportunidade: fazer o quê?

"Além disso, normalmente só damos pelos botes quando estão na água."

Fiquei a ver os botes afastarem-se, perdido em pensamentos e intenções, frustrações e medos - até que a Bahar me chama novamente:

"Olha ali mais refugiados. Devem estar escondidos naquela quinta, o dono do restaurante disse-me que estão à espera do barco deles."

Mais uma vez, a qualidade da imagem é péssima. Mas é o que há.

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Assunto triste, mas não podemos meter a cabeça na areia...!

Maria disse...

Realidade dorida!!!!! Tristeza e impotência.