29/03/2015

BOM DIA?

Vou precisar de dar muitos banhos ao Buda para agradecer a protecção de hoje.

Estou a desmaiar de cansaço, amanhã ponho as emoções do fim-de-semana em dia. Fica um click, por agora é tudo o que consigo. ;)


28/03/2015

UM BUDA COM ÓCULOS?!

A sério?

Que no Myanmar há Budas de todos os tamanhos e feitios, materiais e estados de espírito - isso já eu sabia. Mas realmente nunca podemos achar que já vimos tudo. E o Shwemyeatman Paya (o Pagoda dos Óculos de Ouro) é a prova disso.

Situado a 14km de Pyay, na pequena vila de Shwedaung, este pagoda alberga uma das grandes "estrelas" da região: uma enorme estátua de um Buda sentado... com uns enormes óculos dourados!

É ver para crer.

Diz que a miopia foi "diagnosticada" à estátua ainda no tempo de Konbaung (seja lá quando isso foi), quando um nobre ofereceu ao pagoda uns enormes óculos de ouro. Os originais seriam mais tarde roubados, mas o sucesso era tal (as pessoas acreditam que esta estátua tem o dom de curar maleitas dos olhos) que pouco depois foram colocados óculos novos. Durante a época colonial, também um oficial inglês ofereceu um par de óculos ao pagoda - dizem que a mulher ficou curada do mal que sofria.



Lendas e superstições àparte, a verdade é que a estátua em causa é muito original. Valeu o desvio :)


BOM DIA, PYU

Fui dar uma volta pelas ruínas de Sri Ksetra, a antiga capital da civilização Pyu - cujo nome, traduzido à letra, significa Cidade Fabulosa.

Conta a lenda que Sri Ksetra foi construída pelo rei Duttabaung, com a ajuda de criaturas sobrenaturais, no ano 443 antes de Cristo. Verdade ou mito, o facto é que esta cidade viria a dominar o território em volta entre os séculos IV e IX... e só há poucos anos é que começaram a desenterrar as suas ruínas e os tesouros que resistiram ao Tempo e ao Homem.

Hoje Sri Ksetra é conhecida por Thayekhittaya e orgulha-se de ter ganho recentemente o estatuto de Património da Humanidade

Mas como disse: fui dar uma volta. E era o único estrangeiro nas redondezas. Aliás: muitas vezes era mesmo a única pessoa. Foi uma manhã bem passada, debaixo de um sol abrasador, a explorar a área na minha mota alugada, trocando sorrisos com alguns turistas locais.

O click do dia hoje é uma homenagem a um de muitos "encontros imediatos". Os tais turistas locais, quase sempre provenientes de aldeias e vilas próximas, ficavam sempre muito excitados de me ver. Provavelmente porque não têm muito contacto com estrangeiros. Ou seja: depois de uma primeira troca de sorrisos e de algumas fotos tiradas "às escondidas", alguém inevitavelmente perdia a vergonha e vinha pedir-me para tirar uma foto comigo... e então era como uma barragem que abre as comportas. De repente vinham todos e queriam fotos de grupo e fotos a dois, apertos de mão, where-are-you-from, gargalhadas e propostas de casamento. Que alegria!

Neste click de hoje, por exemplo, eu próprio fiquei um bocadinho "sem jeito". As raparigas a chegarem-se a mim e eu sabendo que não é suposto abraçá-las, ou ter grande contacto físico. Daí parecer um bocado tenso - basicamente porque não sei como "arrumar-me" na foto.

Mas fica o momento:


27/03/2015

VINTE E QUATRO HORAS NO MYANMAR

Texto escrito ontem à noite, ou seja: faz favor de dar um desconto de mais vinte e quatro horas.

Estou há vinte e quatro horas no Myanmar. Parece pouco tempo, mas vinte e quatro horas é o suficiente para viver uma série de eventos e insólitos.

Parte 1: Cervejas e tangas

Enquanto bebia uma cerveja com o suíço à frente do hotel (ainda a recuperar das emoções fortes do voo que me trouxe a Yangon), partilhando projectos pessoais e ideias acerca do Myanmar - um inglês sentado na mesa ao lado perguntou se podia juntar-se a nós. Claro que anuimos, ele puxou de uma cadeira e pousou a sua cerveja com um sorriso.

Custa-me explicar como, mas a verdade é que a noite mudou aí. Uma cerveja deu lugar a outra, e a outra cerveja deu lugar a mais uma - e por aí fora, perdi a conta, voltei para o hotel (que era mesmo à frente) já a trocar os degraus.

O inglês não se calava. E o que começou como uma agradável troca de ideias entre mim e o suíço, acabou numa espécie de monólogo, disfarçado de debate, em que o recém-chegado contou dezenas de histórias fantásticas, muito interessantes mesmo... mas para ser sincero não posso garantir que sejam todas 100% verdadeiras. Desde fugir de bombas em campos de refugiados birmaneses na fronteira tailandesa, a ver um amigo morrer enquanto desminava não-sei-onde, num trabalho à borla para a ONU, mais reuniões com altos-dignatários, fugas mirabolantes de uma multidão de tailandeses em fúria, e não-sei-quê do Ébola, mais outro voo que ia caindo. Que emoção! ;)

Contudo, não é para falar do inglês no bar da frente que serve este post. É que estou neste momento em Pyay, uma terrinha algures no mapa da Birmânia, entre Yangon e Bagan - e se aqui estou é porque passei a tarde toda - quase oito horas, para ser mais preciso - dentro de um autocarro.

Como disse: vinte e quatro horas dá para muita coisa.

Parte 2: Uma longa viagem de autocarro

Saí do hotel ao final da manhã. Primeiro: mais-de-uma-hora no taxi, até à estação de autocarros. Depois: mais-de-uma-hora à espera, porque a partida afinal era só às três da tarde (aproveitei para almoçar). E finalmente: mais-de-uma-hora num pára-arranca a apanhar passageiros e a pôr gasolina, a comprar isto-e-aquilo, a pedir benção a este-e-aquele... parecia que nunca mais saíamos de Yangon.

Mas saímos.

E quando finalmente avançámos pela estrada fora, entrou para o lugar ao meu lado um senhor com ar de quem já não via água há uns dias. Vinha a suar e com uma aura quente e húmida de quem dorme com a mesma roupa há várias noites, sem nunca tomar banho nos entretantos. Agarrado a um pano sujo, enrolado em qualquer coisa, não consegui perceber o quê, um volume com o tamanho de dois ou três livros empilhados.

Sentou-se a meu lado, portanto.

E claro: sofria do síndrome dos 103%.

Encosta a perna, arruma o pano entre os dois lugares, depois tira o telefone, manda umas mensagens, guarda o telefone no bolso da camisa, acaba por adormecer mas com a perna cruzada - ou seja, o pé descalço e sujo a usurpar bem mais que 3%.

Depois tocou o telefone mas ele não acordou. Buracos e solavancos, travagens e guinadas - e ele nada. E quando eu estava já muito próximo daquele momento em que "quero-lá-saber-vou-acordá-lo", eis que começa a mexer-se no seu lugar (e em pelo menos 3% do meu), e sinceramente arrepedi-me de o querer acordado, porque cada vez que se mexia aumentava a intensidade do cheiro.

Adiante: enfiei os fones nos ouvidos e tentei abstrair-me. Mas era impossível, com os pequenos movimentos nervosos sempre a interferir com o meu universo. Comecei a enviar-lhe aqueles olhares enjoados que achamos sempre que resulta mas que não servem para nada... e eis senão quando reparo no ecrã do telefone. O senhor tinha um chat aberto e estava a responder a uma mensagem. E o que se via, por cima da mensagem que estava a escrever, eram duas fotos. A primeira da Aung Su Kyi, a famosa líder birmanesa vencedora do Nobel da Paz; e na segunda via-se uma mão aberta com uma pistola em cima. Tipo "olha lá este revólver que tenho para ti".

Oops.

Desviei o olhar, para não "dar barraca". Mas o senhor manteve-se horas a olhar fixamente para a mensagem. E ao longo de boa parte da viagem, mesmo depois de desligar o telefone, de vez em quando voltava a ligar o chat e era vê-lo muito quieto, concentrado naquelas duas imagens. Medo.

Comecei a imaginar cenários absurdos, num deles o homem tinha comprado a pistola e ia matar a senhora da fotografia. E quando voltei a reparar no pano enrolado em sabe-se lá o quê, então fantasiei que trazia a pistola com ele, por isso o melhor era não chateá-lo acerca dos 3%. Fica lá com isso.

Entretanto passavam telediscos na televisão ao fundo do corredor, novelas birmanesas, karaoke. E o autocarro lá abria caminho com a sua buzinadela constante. Lá fora carros de bois, míudos a tomar banho no rio, mulheres a caminhar à beira da estrada, a cara coberta de tanakha. Três amigos em cima de uma só mota, rapazes com madeixas côr-de-rosa no cabelo, cargas insólitas sobre rodas, seja duas ou quatro.

E eis que, sem querer, vi o que o homem trazia dentro do pano.

Não era "a" pistola. Não era um rim comprado no mercado negro. Não era o elixir da eterna juventude roubado aos deuses hindus. Era dinheiro. Maços de notas. Mais de vinte centímetros de altura, se empilhadas. Quanto dinheiro é que ele trazia ali? E para quê?

Será que ia comprar a pistola?

Não admira que estivesse tão nervoso.

Entrou um vendedor e distraiu-me deste raciocínio com os seus pregões de voz rouca. Quando saiu, o miúdo do autocarro atravessou o corredor com o seu Brise, uma constante ao longo desta viagem. Quando arrancámos, ainda em Yangon, tinha-me sabido bem o aroma. Mas depois de não-sei-quantas horas de estrada, com o calor e o suor e os nervos à mistura... deixa lá o Brise, rapaz.

Que enjoo.

O potencial assassino de uma figura pública desceu do autocarro umas três horas depois de entrar. Apressado, como se fosse suposto já ter saído na paragem antes. Que nervos, só de olhar. Fora o cheiro, mas disso prefiro não me lembrar mais.

Saiu um - entrou outro. Felizmente muito mais asseado. Sorriu e eu sorri de volta, depois esteve algum tempo a trocar mensagens com alguém... mas nada de armas, dinheiro nem fotografias da próxima vítima. Quando o autocarro parou para uma pausa explicou-me que tínhamos vinte minutos, apontou-me a casa-de-banho e quando voltei tinha um cafezinho à espera. Impecável, de uma simpatia desinteressada típica aqui na Birmânia, e por muito que eu insistisse não me deixou pagar o café. E ainda queria disponibilizar-me o seu hotspot, para eu ir ao facebook e mail - mas eu agradeci e expliquei que tinha um SIM birmanês, e que tenho 3G. Sorriu quase como um pai orgulhoso pelo feito do seu filho. Que espectáculo.

Ah: e fiquei também a saber que estávamos ligeiramente atrasados, e que a viagem de sete horas afinal ia demorar oito. Já tinham passado cinco. Podia ser pior.

Quando chegámos finalmente a Pyay, meti-me numa carrinha-de-caixa-aberta-com-gaiola e lá fui até ao hotel. Nada de especial. Caríssimo, para aquilo que se tem em troca. O que infelizmente também é típico, no Myanmar.

Mas uma história de cada vez.

BOM DIA... QUE DIA!

Aqui já são seis da tarde, acabei de chegar ao meu quarto depois de um dia inteiro a passear de mota entre templos e budas, aldeias e muito pó... e sorrisos, sorrisos, sorrisos.

Que dia!

E ainda tenho a viagem de ontem para partilhar. Vou só tomar um duche, para tirar os dois quilos e oitocentas gramas de porcaria que tenho em cima. E já conversamos.

Fica o click do dia, hoje em modo selfie:


26/03/2015

O SÍNDROME DOS 103%

Aproveitando a temática do post anterior, vou abordar muito rapidamente um assunto que deve ser familiar a quase todos os viajantes. Pelo menos para quem já viajou sozinho.

Chamo-lhe "o síndrome dos 103%".

Sofre desta maleita toda a gente que, de certa forma, ocupa sempre mais espaço do que o espaço que ocupa. Parece estranho? Passo a explicar.

Começo por um exemplo - completamente aleatório:

Imaginem-se num autocarro. Sentadinhos, muito bem comportados a ver a vista, a ouvir música nos fones, a pensar naquilo que têm para fazer amanhã - quando alguém se senta ao vosso lado. Com algum impacto, digamos. E atenção: não estou aqui a fazer referência a peso, volume ou massa corporal. Neste caso, até a mais magra modelo da Calvin Klein pode estar na origem da situação que quero exemplificar.

Ok: autocarro.

Senta-se uma pessoa ao vosso lado - e são imediatamente obrigados a arrumarem-se melhor. Apetece começar já a "bufar" mas ainda dão o benefício da dúvida. E no entanto, a pessoa demora sabe-se lá quanto tempo até encontrar uma posição. Ajeita-se, acomoda-se, dobra-a-perna, estica-a-perna, inclina para um lado e para o outro, chega-pra-trás, chega-prá-frente... que nervos! Mas eventualmente lá consegue parar. Por um instante. Porque de repente lembra-se do telefone, que ficou guardado na mochila. Baixa-se para apanhar a mochila, levanta a mochila, tira dois ou três sacos de plástico porque não encontra o telefone em lado nenhum, mexe-e-remexe, enrola-e-desenrola, se calhar até fala com os próprios botões - e finalmente encontra o telefone. Poisa-o não-sei-onde, baixa a mochila, deixa o telefone cair, apanha o telefone, entala-o entra as pernas, ajeita a mochila, rebaixa o banco, estica as pernas, dá-te uma cotovelada, ajeita o cabelo, coça a perna, coça a barriga - e no meio disto tudo ainda encontra espaço e ginástica para comer uma sandes. Até que baixa-se outra vez, volta a sacar a mochila para o colo, remexe tudo, sacos de plástico e sei-lá-o-quê, tira uma escova, poisa a escova, tira um espelho, poisa o espelho, baixa a mochila, cai o telefone, apanha o telefone, cai a escova, apanha a escova, cai metade da sandes, mustarda por todo o lado, uma folha de alface em cima do teu pé. Penteia-se. Não gosta do penteado. Penteia-se outra vez.

Enfim: estão a ver a coisa, não estão?

Este tipo de pessoas sofre de uma síndrome gravíssimo. É que ocupam sempre mais um bocadinho de espaço. No caso do autocarro, é o lugar a que têm direito... e 3% do lugar do vizinho. Os vossos 3%, portanto.

Não é muito, são apenas 3%. Mas são aqueles irritantes 3%, os 3% do toca-e-foge, do roça-roça, do mete-nojo, do estás-aqui-estás-ali, já-me-estou-a-passar. E numa questão de minutos estão vocês a deitar fumo pelas orelhas e nariz, e por uma razão aparentemente estúpida e insignificante já estão dispostos a cometer algum crime.

Eu sei como é.

Acreditem que estou do vosso lado, companheiros. Eu sei o que é viajar só em 97% do espaço. E não é uma coisa boa.

Mas quanto a exemplos concretos, falamos no próximo post. Acabei de chegar a Pyay, depois de quase-quase oito horas num autocarro. E sim, durante algum tempo - metade do percurso - levei com um destes colegas de viagem. Estou a cair para o lado, vou dormir e amanhã conversamos.

COM JEITINHO CABE MAIS UM

Famílias inteiras em cima de uma mota - cinco pessoas, como vi hoje nos arredores de Yangon - não é algo inédito nas minhas voltas. Não é a prmeira vez que vejo. Que me lembre, assim de repente sem ter de consultar cábulas e arquivos, já vi cinco pessas na mesma mota no Vietname, no Cambodja e nas Filipinas.

Mas lá porque não é novidade, não quer dizer que não seja interessante.

E convenhamos: com jeitinho, bem arrumadinho, cabia até mais uma pessoa.

Ou duas.

;)


STRESS

Nem há quarenta e oito horas caiu o outro nos Alpes, com todo o folclore de notícias que faz-parte; e eis que enquanto estou à espera para embarcar no avião para Yangon ouve-se uma voz a dizer que o voo está atrasado.

"Due to the bad weather."

Deixo de fazer o que estava a fazer e endireito-me na cadeira, para ouvir melhor. Como se, endireitando-me, ouvisse melhor. Então a voz no altifalante repete o aviso:

"The Air Asia flight number 257 going to Yangon is delayed due to the bad weather."

E numa sincronização impecável, como que um eco transformado em luz: um relâmpago iluminou toda a sala de espera.

Cabuuuummm!, logo a seguir à luz. E antes do arrepio geral.

Eu normalmente não ligo nada a estas coisas. Mas isto hoje. Há qualquer coisa no ar. Apetece-me enviar umas mensagens, enquanto espero pelo embarque. Mas não quero dramatizar.

Na enorme zona de embarque, além dos avisos oficiais e da trovoada, não se ouve praticamente mais nada. Há vários voos atrasados, não é só o meu. E a cada trovoada que ecoa nos edifícios e nos espíritos, e a cada relâmpago que tanto ilumina como escurece, aprofunda-se o silêncio conformado de quem não sabe muito bem o que fazer. É esperar. Já passa. Já passa.

Curiosamente: não há uma única pessoa a "mandar vir" com os atrasos.

Já passa. Mas durante uma hora parecia que nunca-mais-passava; e tive de assistir, como cada uma das milhares de pessoas ali à volta, à tempestade a desabar sobre o aeroporto.

Já passa.

E passou. Ou mais-ou-menos. Quando finalmente convocaram os passageiros para o embarque, quando ainda caíam relâmpagos e trovões, as pessoas levantaram-se em silêncio, conformadas, que remédio, se-eles-dizem-que-já-passou-é-porque-já-passou... e lá foram (e lá fomos!), tem de ser.

Estarei a dramatizar?

Um bocadinho, talvez. Mas ainda agora, que já estou são e salvo no chão outra vez, estive a falar com um suíço que veio no mesmo voo e ele sentiu as mesmas coisas. E olhem que os suíços tendem a ser neutros.

O silêncio.

Do silêncio é que não me esqueço.

Entrámos no avião debaixo de chuva. Os relâmpagos pareciam não acalmar. Se atrasaram a partida antes, porque vamos sair agora? Cabuuuummm!

Sentei-me onde tinha de me sentar, ao meu lado um pai e um filho - um miúdo de nove ou dez anos, a brincar com o ipad. As formalidades do costume, aperta os cintos e desliga o telefone, o avião acelera na pista e lá vamos nós, escuro e silêncio a subir, a subir, a subir. Estes dois ao meu lado podem vir a ser os meus melhores amigos. Os meus últimos amigos. Que sensação estranha. Principalmente porque sei que, pelo menos o pai, deve estar a pensar o mesmo de mim. Já olhámos um para o outro mais do que uma vez, a sorrir timidamente e em silêncio. Eu-sei-que-tu-sabes-que-eu-sei. A absoluta/absurda formalidade no contacto, entre duas pessoas que, naquele instante, sabem que pode acabar tudo, hipoteticamente, daí a pouco.

Sim: estou a dramatizar. Mas há um bocadinho de nós que pensa sempre nestes dramas. Pode nem estar desperto, normalmente. Mas quando acorda, acorda. E, como disse, as notícias do outro voo nos Alpes. Há um bocadinho de mim, hoje, um bocadinho por muito pequeno que seja, que dramatiza.

O avião levanta voo. Luzes apagadas. Silêncio. Subimos. E os flashes sempre connosco, lá de fora iluminando filas inteiras de gente calada. E os abanões e os safanões, e a sensação estranha que não existe muito mais do que o espaço imediato à minha volta.

Parecia-me que o avião estava a encolher, era como se a certa altura só existissem os lugares à minha frente, três ou quatro filas, mais duas ou três atrás. E terminada a subida, quando o avião desacelerou e supostamente iam acender-se as luzes... manteve-se o breu. Lá fora luz e breu, mais a promessa de nuvens e pouco mais. Cá dentro: a silenciosa espera. E as luzes que não acendem.

Viajámos na incerteza desta escuridão uns quarenta e cinco minutos, pelo menos. A certa altura já não me interessava as sacudidelas, os poços de ar ou os abanões: só queria que as luzes acendessem!

Continuei a olhar para a janela, nem sei bem porquê, nem sei bem para onde, não se via nada além do que já se sabe.

E eis que de repente aparece a Lua. Sorridente, não sei se quatro crescente ou minguante, será que interessa, na altura nem pensei nisso, só reparei que a Lua tinha a forma de um sorriso.

Sorri.

Se já se vê a Lua quer dizer que saímos das nuvens, que saímos da tempest...

E: cabuuuummm! Nem tempo tive de terminar o raciocínio e já estávamos outra vez no meio da tempestade. Mais dois ou três safanões, mais um ou outro susto. Mas a Lua lá apareceu outra vez, e foi como se passássemos de uma estrada esburacada para uma auto-estrada, e finalmente as luzes acenderam-se e sei lá quantas pessoas respiraram fundo.

A sensação de segurança.

Mais importante que a segurança propriamente dita. A sensação.

Aterrámos em Yangon pouco depois. Meti-me imediatamente num taxi, cheguei mais cansado do que numa viagem de dez horas. E enquanto estava a fazer o check-in, oiço alguém atrás de mim dizer:

"Viemos no mesmo voo e estamos no mesmo hotel, mas cada um apanhou o seu taxi."

Viro-me para trás e troco umas palavras com o homem que me dirigiu a palavra. É suiço, desafia-me a air beber uma cerveja na taberna do outro lado da rua, quando estiver despachado. E quando finalmente fui ter com ele, foi como que um exorcismo, a troca de ideias e de sensações - que, curiosamente, partilhávamos acerca do voo 257.

Um bom dia para todos! :)

25/03/2015

UM TEMPLO SÓ PARA MIM ;)

Até o diminutivo parece complicado de ler, mas não há-de ser isso a servir de desculpa para não publicar aqui umas fotos do Wat Ratchabophit. Aliás, seria uma injustiça partilhar aqui as imagens meio-disney dos polícias à porta do templo, e depois não mostrar todo o fausto à volta.

Deixemos os portões e os guardas, portanto.








É bonito ou não é?

Não consegui tirar fotos do interior, mas vale bem a pena. E o melhor de tudo é que, apesar de ser considerado "de primeira categoria" na hierarquia dos templos tailandeses, o Wat Ratchabophit não faz parte dos circuitos clássicos dos turistas - ou seja, não tem praticamente ninguém. E não se paga.

Nada mau, hem?




POLÍCIAS EUROPEUS NUM TEMPLO TAILANDÊS?!

Uma das muitas "pérolas" descobertas nestas últimas caminhadas pela Cidade dos Anjos foi um templo chamado Wat Ratchabophit, diminutivo para Wat Ratchabophit Sathit Maha Simaram Ratcha Wara Maha Wihan. Santinho.

Muito bonito e brilhante, com os dourados e os espelhados e todos os rococós do costume, como é de esperar de um tradicional templo tailândês... e também com algumas características muito especiais no layout, detalhes técnicos que agora não interessa muito abordar... e, ainda, um pormenor delicioso. Mas já aí vamos.

O Wat Ratchabophi foi mandado construir por Rama V em 1869, pouco depois deste ter subido ao trono, e de ter regressado da sua viagem pela Europa. Este monarca é ainda hoje lembrado pelo fascínio que tinha pelas culturas e ideias ocidentais, e por ter introduzido uma certa influência europeia no que é hoje a sociedade tailandesa.

Mas voltemos ao templo.

Além da decoração interior do edifício propriamente dito, que faz lembrar alguns palácios italianos; e de uma igreja cristã perto da zona dos mausoléus reais - não é que as portas do recinto são decoradas com guardiões, como é costume noutros templos - mas neste caso não temos seres fantásticos nem guerreiros míticos.

No Wat Ratchabophit, os guardiões são oficiais europeus.

Difícil de acreditar? Então espreitem lá estas fotos que tirei ontem:









SAWADEE KRAB, BANGKOK

Bom dia!

Aqui em Bangkok a Primavera foi rápida, mas a chuva ainda mais - e hoje o tempo está entre um e outro, não se decide.

Fui dar mais uma volta, claro.

E o click de hoje foi feito ainda de manhãzinha, aos pés de um Buda surpreendente sobre o qual já tinha ouvido falar, já tinha visto fotografias... mas que nunca tinha conhecido "ao vivo". Hoje culminei esta minha falha, portanto.

Tenho que dar os parabéns a um dos três livros que comprei aqui em Bangkok, e que mencionei no post de ontem à tarde. Chama-se "22 Walks in Bangkok" e tem-se revelado um verdadeiro tesouro, nas caminhadas que tenho feito pela cidade. Que feliz (re)descoberta tem sido!

24/03/2015

PERDI A CABEÇA

Fui dar uma volta a Silom Road e aproveitei para ir a um shopping, para comprar a edição mais recente do Lonely Planet do Myanmar... e eis que enquanto o senhor do balcão vai buscar o livro, reparo numa espécie de guia de caminhadas históricas por Bangkok... e como não há duas sem três, olha aqui este sobre hábitos tailandeses vistos por um estrangeiro... e assim de repente, em pouco mais de sessenta segundos na loja, tenho três livros nas mãos.

Na minha imaginação, foi preciso chamar reforços para me expulsarem da loja.

Ou teria comprado ainda mais.

A sério: três livros em menos de dois minutos.



E MESMO ASSIM... BOM DIA!

Faça chuva ou faça sol, o importante é viver o Aqui e o Agora. Saborear os Insólitos e os Inevitáveis, os Previsíveis e as Rotinas, as Surpresas. Aproveitar emoções, sensações, reacções.

Ou não.

Ou pura e simplesmente não fazer nada. Às vezes é o que apetece:

Boa tarde! ;)

SÓ PARA CONTRARIAR

Acho que me precipitei ao falar (ou melhor: escrever) sobre a Primavera e as flores e mais-não-sei-quê. Hoje saí à rua ao final da manhã, pronto para mais um dia a explorar novos recantos de Bangkok, meio surpreendido com o céu cinzento e triste... e quando ia no barco a descer o rio Chao Phraya... cabuuuuum!

Trovoada.

Relâmpagos. O céu cada vez mais escuro. E a chuva.

Que raio de Primavera é esta?






23/03/2015

É PRIMAVERA EM BANGKOK

Diz que houve um eclipse no fim-de-semana? Aqui não se viu nada.

Mas, como aí e em todo o lado, começou a Primavera - e enquanto em Hanói milhares de pessoas saíram à rua para protestar contra o abate de árvores; e no Laos caiu granizo; e na Birmânia virou-se um ferry; e algures na Tailândia um monge recusou-se a fazer magia negra para transferir o espírito de uma bebé morta para uma boneca… e os pais, em protesto, deixaram o feto da criança num saco de plástico, à frente do templo...

Pois.

Primavera. Concentremo-nos na Primavera:

Enfim: enquanto isso, o Cristiano marcou um golo, o José lá continua o seu retiro em Évora e a Michelle chegou ao Cambodja. E eu: eu cheguei a Bangkok.

Acabou-se a Indochina, como já devem ter reparado. Os viajantes da Nomad voltaram para Portugal na sexta, eu ainda tive tempo de dar um pezinho de dança no casamento que ontem descrevi - e cá estou, na capital tailandesa, três ou quatro dias ao todo, mais que suficiente para fazer o visto do Myanmar, onde tenho duas semanas pela frente “on my own”, que bem que me vai saber.

É Primavera em Bangkok. Hoje fui dar uma volta a pé e descobri novas cores e sabores, recantos que nem imaginava, os sorrisos que pensava perdidos. Sorri-se menos em Bangkok, hoje em dia. Mas sorri-se.

Fico-me então pelas algumas cores próprias da estação, a acrescentar ao click que partilhei logo ao início:




22/03/2015

CONVIDADO PARA UM CASAMENTO LAO

Na primeira manhã que passei em Luang Prabang com o grupo (tinha acabado de reservar o passeio de barco no Mekong e o banho com os elefantes), encontrei na rua principal da cidade um amigo que já não via há algum tempo, o Keum - que conheço do Elephant Camp onde normalmente levo os grupos. Ele já não trabalha lá, mas é daí que o conheço. Não interessa. Encontrei-o na rua, portanto, chamou-me e ficámos um pouco à conversa, sentados nos degraus que dão acesso à agência de viagens onde agora ganha a vida.

Depois das formalidades e dos updates, o Keum acabou por me convidar para o casamento da irmã, ou da prima, já não sei muito bem o grau de parentesco. E eu, claro, aceitei. O casório ia acontecer no dia a seguir ao grupo ir embora, por isso nem sequer interferia com o programa da viagem. E como andamos desencontrados há imenso tempo, combinações descombinadas e outras que nunca chegam sequer a desenvolver-se, porque estou ocupado com os grupos ou ele com a agência - desta vez foi perfeito, porque estávamos ambos disponíveis.

O casamento foi ontem.

A aldeia, cujo nome não posso pronunciar (porque já me esqueci), ficava a meia hora de Luang Prabang, por uma estrada em obras, meio-nova, meio-inacabada. Mas como eu fui sozinho e não conhecia o caminho, demorei quase o dobro. Tive de parar várias vezes para perguntar o caminho, cheguei a voltar atrás porque já estava perdido... enfim, eventualmente lá encontrei a festa. E que festa!

O Keum tinha-me dito que eram trezentos, os convidados - mas aposto que eram mais. As tendas montadas no jardim da escola da aldeia estavam cheias de mesas cheias, mais as outras espalhadas pelo recinto. Pelo menos quinhentas pessoas. E eu era o único farang*.

Sentei-me à mesa com o Keum, a mulher dele, alguns amigos e respectivas esposas. Serviram-me Beer Lao atrás de Beer Lao, sempre com gelo e brindes, mais galinha e arroz, porco estufado, salada de papaia, comida e mais comida, já nem sei bem o quê. A certa altura apareceram umas algas do Mekong fritas com sésamo, alho e tomate, estavam óptimas. E batata doce crua, que maravilha.

Mas ficam algumas fotos, para que tenham uma ideia do ambiente.

Da direita para a esquerda: o noivo, a noiva e a irmã da noiva.

O meu amigo Keum e a tia, que é a mãe da noiva. 

Uma mesa cheia! E por baixo... uma grade de Beer Lao :)

Apesar da comida e das águas serem oferecidas, a cerveja aqui tinha de ser comprada. Imaginem só, o que seria, se os noivos pagassem alcool para tanta gente. Assim, cada pessoa comprava a sua grade. Uma sala de aulas funcionava como bar improvisado e era ver gente a ir-e-vir constantemente, ora com grades vazias nas mãos, ora com outras cheias.






Fiquei na festa pouco mais de duas horas. Deu para dançar, para trocar histórias, para rir e fazer algumas fotos. Infelizmente tinha um voo para apanhar, o tal a meio da tarde que me trouxe aqui para Bangkok. E antes do voo precisava de entregar a mota. E antes de entregar a mota precisava de fechar as contas com o hotel.

Vim-me embora do casamento a sorrir mais do que o "normal" e fiz o caminho de volta na meia hora que era suposto fazê-lo. E a rir, sempre a sorrir... maldita (ou bendita) Beer Lao.

*farang é a palavra usada para estrangeiro aqui no Laos, na Tailândia e no Sudeste Asiático em geral.