Pode o céu estar cinzento e os sorrisos esconderem-se na
sombra dos chapéus em cone. Pode o sol estar escondido e os reflexos nas poças
de água mostrarem pouco mais que o frio das motas e dos tubos de escape. Hanói
não é uma cidade imediata: não recebe de braços abertos e sorrisos pepsodent,
não tem um abraço quente nem se faz de melhor amiga ao primeiro contacto.
E apesar de tudo: é deixar poisar. Atrás dos braços cruzados
há um coração a palpitar. Na cacofonia de buzinas esconde-se uma sinfonia de
misteriosa harmonia. É deixar poisar.
É andar pelo Bairro Antigo e provar a Bia Hoi, a cerveja
mais barata do mundo, feita com métodos artesanais, a saber a cereal. É
espreitar as casas-tubo, de 3 metros de fachada e 60 de comprimento. É evitar
os vendedores disto e daquilo, e desviar o olhar - ou apontar a câmara - para
as mulheres sentadas no chão a vender rãs para o jantar, carne sabe-se lá de
que animal, frutas coloridas, vegetais de um verde-mais-verde-não-há.
É o cheiro de papel a arder no lancil dos passeios, os vivos
a comunicar com os mortos, a mandar recados, a oferecer presentes, a
providenciar carinhos.
É furar caminho nos mercados de tudo-e-mais-alguma-coisa. É
experimentar a overdose sensorial e resistir à tentação de provar, comprar,
fotografar tudo.
E depois de um delicioso almoço em que nos sentamos em
bancos com pouco mais de um palmo de altura: é montar no banco de uma mota e
deixar-levar. Há universidade uma universidade milenar com tartarugas de pedra e
as pautas dos alunos esculpidas, para que ainda hoje se saiba quem passou com
distinção e quem ficou pelo caminho; e com avisos a pedir para desmontar do
cavalo, à entrada. Há um pagoda de um pilar apenas, que faz lembrar uma flor de
lótus a crescer num pântano. Há o mausoléu do Tio Ho e um museu a condizer.
A capital do Vietname entranha-se ao longo do primeiro dia,
de uma forma tão intensa quanto o ritmo do trânsito das suas ruas. As travagens
e repentinos desvios arrancam sorrisos, porque afinal não é por-acaso, não é
sem-querer, não é porque-tem-de-ser. Só quem já andou de mota em Hanói é que
sabe o que eu quero dizer.
É tão bom, não é?
Hanói tem qualquer coisa de cinzentona, cruza os braços e
finge que não é com ela, mas basta dar-lhe um pouco de atenção, dedicar-lhe um persistente
sorriso -basta não ceder à primeira, insistir um bocadinho que seja.
E as cores aparecem:
2 comentários:
E no entanto, com esta crónica e estas excelentes fotos cede-se à primeira... Adorei!!!
Tens razão Jorge. Hanoi é tudo isso...talvez por ter sido a minha porta de entrada na Ásia, eu apaixonei-me por esta cidade fervilhante de energia.
Estupenda crónica a tua!!
Beijinho grande
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