03/04/2005

O DIA-ANTES DO DIA-ANTES DO FIM-DO-MUNDO

Edimburgo, 30 de Dezembro de 1999.

Faltam mais-ou-menos 24 horas para a Contagem Decrescente do Milénio. Uns dizem que o Mundo vai acabar no ano 2000. Outros que vêm aí extraterrestres para nos salvar, ou que o Elvis vai finalmente voltar. A maioria finge-se muito céptica a todas as teorias mas acredita piamente no Bug do Milénio - uma das mentiras mais bem contadas do século XX.

O Mundo não acabou, os amiguinhos do espaço não apareceram - nem o Rei. E o bug: nem vê-lo. Entretanto, sete tugas tinham-se lançado à aventura numa das viagens mais loucas que se possa imaginar: um InterRail de Inverno que começou no dia a seguir ao Natal e acabou a meio de Janeiro.

Voltando ao dia 30: o dia-antes do dia-antes do fim-do-mundo. Durante o dia alugámos um carro e fomo-nos aventurar para Norte. Um frio de rachar, alguma chuva e muito nevoeiro, campos a perder de vista e uma estrada que nos podia ter levado a qualquer lugar. Tentámos visitar um Museu do Whisky mas não conseguimos, estava fechado. Passámos por uma ponte em formato esqueleto-de-dinossauro, tirámos umas fotografias. Almoçámos à beira da estrada, tipo pic-nic bem à moda nacional. Fomos a uma loja e o Nuno gamou umas cartas - ou foram uns postais? Não me lembro, mas daí em diante passou a ser conhecido por "Marrocos". E ainda os relógios marcavam quatro e pouco da tarde quando começou a anoitecer.

No regresso a casa aventurámo-nos por umas estradinhas rodeadas de nevoeiro e descobrimos um spot fenomenal para parar um bocado, fazer um chichi e fumar um cigarro. Um descampado no meio da floresta, com muitas árvores e neve e escuridão à volta, e depois umas fotografias a fazer lembrar o "Blair Witch Project" e um malho do Nuno, no gelo, que é outro clássico.

O dia passou depressa, foi memorável - mas a noite era ainda uma criança... o melhor estava para vir.

Chegámos a Edimburgo às sete, mesmo a tempo do espectáculo. Nem fomos a casa. Seguimos directos para o centro histórico da cidade, para aquela rua que sai do castelo... e que ficou tristemente conhecida, há dois anos, por causa de um incêndio de proporções quase tão históricas como as nossas noites de fim-de-século ali.

Tudo começou com um desfile de mil gaitas de foles. Ou seriam cem? Agora não me lembro, espero não estar a exagerar. Parece-me tanto, dito agora. E no entanto lembro-me de estarmos todos doidos com aquilo... seriam apenas cem? Tenho de confirmar. Não interessa - cem ou mil, o efeito era de arrepiar. Todos a tocar em uníssono aquelas músicas tradicionais da Escócia, fardados a rigor e a marchar rua abaixo para delírio de milhares e milhares de pessoas.

E depois deste inspirado momento musical, voltámos a casa para recuperar forças. O plano era muito simples: tomar um banho rápido, jantar com os donos da casa e sair para a noite escocesa. Qual quê! Tomámos banho, é verdade. E jantámos com os donos da casa - o Ray e a Jackie. Oferecemos ao simpático casal uma garrafa de Vinho do Porto, que se bebeu toda depois do jantar. Abrimos uma de vodka, que também não durou muito. E bebeu-se toda a a cerveja comprada durante o dia - e whisky.

Mas antes de todo esse álcool: mal o jantar acabou, o dono da casa trouxe um aplificador e uma guitarra - e começou a cantar. Nós os sete a sorrir, tipo diz-que-sim-que-ele-cala-se, a ver se nos despachávamos e seguíamos depressa para a noite. Mas o álcool começou a descer, a os dotes musicais de cada um a melhorar. Apareceram as três coreanas que também estavam a alugar uns quartos na mesma casa, e vai-na-volta e estamos todos a fumar charutos e a cantar os respectivos hinos nacionais, de copos de whisky na mão, muitas fotos e filmagens e olhinhos aqui do je para a dona da casa, mesmo debaixo das barbas do marido. Foi só rir. Passou-se a meia-noite, uma da manhã, duas e tantas outras. Deitámo-nos sei-lá-a-que-horas com uma bezana descomunal, já ninguém se lembrava que era suposto irmos sair.

31 de Dezembro de 1999, o dia-antes do fim-do-mundo. Lembro-me de acordar com uma ressaca à antiga. Lembro-me de estar toda a gente a dormir, apesar de ser tarde. E lembro-me de descer as escadas e encontrar a Jackie na cozinha, com uma caneca de chá na mão, a rir:

- Good morning, Superman.

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