11/04/2005

COMO TUDO COMEÇOU

Mil Novecentos e Noventa e Quatro.

Passou-se mais de uma década desde a primeira de tantas aventuras.

Três motas. Uma semana. Cinco miúdos. Eu nem dezoito anos tinha. Nem sei como é que os meus pais alinharam nisto. ;)

Eu, a minha prima Joana e o meu melhor amigo, o Manel, a viajar em duas BW's. E outros dois amigos nossos, o Filipe e o Diogo, numa DT-LC. Que loucura - literalmente.

Foi um dos maiores desafios das nossas juventudes. Não só pela distância, mas pelo facto de irmos sozinhos, de sermos responsáveis uns pelos outros. Da necessidade de estarmos à altura do desafio - e, acima de tudo, de nos divertirmos ao máximo.

Objectivo: a Concentração de Motas de Faro. Partimos de Sintra, de casa do meu pai, que basicamente é o responsável por eu gostar tanto de motas. Aliás, já tinha ido com ele a Faro vários anos seguidos. Mas desta vez éramos só nós, cinco amigos em três "cinquentas"... e muita bagagem.

Vários foram os que apostaram que não íamos chegar a Faro. Outros ainda nos deram o benefício da dúvida, aceitaram que chegávamos lá - mas que seria tal a seca, que íamos mandar as motas de comboio, à volta. Mas nem uma coisa nem outra: demorámos três dias pra-baixo, com muitas paragens em aldeias e barragens e cafézinhos; e no regresso fizemos tudo de uma só vez, em doze horas, com direito a paragem para jantar e ver a final do Mundial 94.

Não foram poucos os episódios, principalmente na ida para o Algarve. Uma cena de pancadaria com outra mota (em andamento!) em Canal Caveira; uma "espeta" e câmara lenta da Joana e do Manel (sem consequências, felizmente); muitas paragens para arrefecer as motas e para pôr/procurar gasolina; banhos em barragens; cafezinhos nas aldeias - e, finalmente, Faro.

Quantos mil motards? Não me lembro - mas é famosa a loucura que é esta concentração, com dezenas de milhares de motas de todo o mundo!

Foram três dias de praia e muitas-motas e tantos-copos e pouco-sono.

Quando voltámos para cima estávamos todos partidos. Lembro-me que até sair do Algarve bebemos quase uns dez cafés cada, tal era o estado, que inconsciência. Parámos ao princípio da noite para ver a Final do Mundial, prosseguimos viagem e quase tivemos um desastre, quando eu e a Joana adormecemos (os dois na BW's dela!). Também tivemos uma quase-queda na minha BW's, onde eu ia com o Manel. E houve ainda direito ao espectáculo de uma mega-estrela-cadente, enquanto esperávamos em Tróia pelo ferry para Setúbal; e daí a Lisboa foi um martírio, com muito sono e frio e vontade de chegar.

Faro marcou-nos pelo facto de estarmos completamente entregues a nós próprios. Nesta altura não havia telemóveis - e multibancos só nas cidades grandes. Éramos uns putos, vejo agora isso, e sinceramente nem sei como é que os nossos pais nos deixaram ir - mas ainda bem que assim foi, hoje só lhes temos de agradecer.

E apesar de alguns passeios e viagens feitos antes, esta foi, sem dúvida nenhuma, a primeira de muitas Grandes Aventuras.

Só para terminar: lembro-me de um momento em particular, quando chegámos à Concentração e nos fomos inscrever. Havia um cartaz, mesmo à entrada, que dizia:
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O VERDADEIRO MOTARD NÃO SE MEDE
PELA CILINDRADA DA MOTA,
MAS PELO ESPÍRITO.
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E nós ali de aceleras, no meio de milhares de motões vindos de todo o lado.

03/04/2005

O DIA-ANTES DO DIA-ANTES DO FIM-DO-MUNDO

Edimburgo, 30 de Dezembro de 1999.

Faltam mais-ou-menos 24 horas para a Contagem Decrescente do Milénio. Uns dizem que o Mundo vai acabar no ano 2000. Outros que vêm aí extraterrestres para nos salvar, ou que o Elvis vai finalmente voltar. A maioria finge-se muito céptica a todas as teorias mas acredita piamente no Bug do Milénio - uma das mentiras mais bem contadas do século XX.

O Mundo não acabou, os amiguinhos do espaço não apareceram - nem o Rei. E o bug: nem vê-lo. Entretanto, sete tugas tinham-se lançado à aventura numa das viagens mais loucas que se possa imaginar: um InterRail de Inverno que começou no dia a seguir ao Natal e acabou a meio de Janeiro.

Voltando ao dia 30: o dia-antes do dia-antes do fim-do-mundo. Durante o dia alugámos um carro e fomo-nos aventurar para Norte. Um frio de rachar, alguma chuva e muito nevoeiro, campos a perder de vista e uma estrada que nos podia ter levado a qualquer lugar. Tentámos visitar um Museu do Whisky mas não conseguimos, estava fechado. Passámos por uma ponte em formato esqueleto-de-dinossauro, tirámos umas fotografias. Almoçámos à beira da estrada, tipo pic-nic bem à moda nacional. Fomos a uma loja e o Nuno gamou umas cartas - ou foram uns postais? Não me lembro, mas daí em diante passou a ser conhecido por "Marrocos". E ainda os relógios marcavam quatro e pouco da tarde quando começou a anoitecer.

No regresso a casa aventurámo-nos por umas estradinhas rodeadas de nevoeiro e descobrimos um spot fenomenal para parar um bocado, fazer um chichi e fumar um cigarro. Um descampado no meio da floresta, com muitas árvores e neve e escuridão à volta, e depois umas fotografias a fazer lembrar o "Blair Witch Project" e um malho do Nuno, no gelo, que é outro clássico.

O dia passou depressa, foi memorável - mas a noite era ainda uma criança... o melhor estava para vir.

Chegámos a Edimburgo às sete, mesmo a tempo do espectáculo. Nem fomos a casa. Seguimos directos para o centro histórico da cidade, para aquela rua que sai do castelo... e que ficou tristemente conhecida, há dois anos, por causa de um incêndio de proporções quase tão históricas como as nossas noites de fim-de-século ali.

Tudo começou com um desfile de mil gaitas de foles. Ou seriam cem? Agora não me lembro, espero não estar a exagerar. Parece-me tanto, dito agora. E no entanto lembro-me de estarmos todos doidos com aquilo... seriam apenas cem? Tenho de confirmar. Não interessa - cem ou mil, o efeito era de arrepiar. Todos a tocar em uníssono aquelas músicas tradicionais da Escócia, fardados a rigor e a marchar rua abaixo para delírio de milhares e milhares de pessoas.

E depois deste inspirado momento musical, voltámos a casa para recuperar forças. O plano era muito simples: tomar um banho rápido, jantar com os donos da casa e sair para a noite escocesa. Qual quê! Tomámos banho, é verdade. E jantámos com os donos da casa - o Ray e a Jackie. Oferecemos ao simpático casal uma garrafa de Vinho do Porto, que se bebeu toda depois do jantar. Abrimos uma de vodka, que também não durou muito. E bebeu-se toda a a cerveja comprada durante o dia - e whisky.

Mas antes de todo esse álcool: mal o jantar acabou, o dono da casa trouxe um aplificador e uma guitarra - e começou a cantar. Nós os sete a sorrir, tipo diz-que-sim-que-ele-cala-se, a ver se nos despachávamos e seguíamos depressa para a noite. Mas o álcool começou a descer, a os dotes musicais de cada um a melhorar. Apareceram as três coreanas que também estavam a alugar uns quartos na mesma casa, e vai-na-volta e estamos todos a fumar charutos e a cantar os respectivos hinos nacionais, de copos de whisky na mão, muitas fotos e filmagens e olhinhos aqui do je para a dona da casa, mesmo debaixo das barbas do marido. Foi só rir. Passou-se a meia-noite, uma da manhã, duas e tantas outras. Deitámo-nos sei-lá-a-que-horas com uma bezana descomunal, já ninguém se lembrava que era suposto irmos sair.

31 de Dezembro de 1999, o dia-antes do fim-do-mundo. Lembro-me de acordar com uma ressaca à antiga. Lembro-me de estar toda a gente a dormir, apesar de ser tarde. E lembro-me de descer as escadas e encontrar a Jackie na cozinha, com uma caneca de chá na mão, a rir:

- Good morning, Superman.