19/03/2020

DAR DE FROSQUES, CORONA STYLE

Estás a ver aquela sensação que fica quando o frigorífico deixa de fazer barulho e parece que, de repente, estás rodeado por uma bolha de um morno, mole silêncio?

Foi exactamente o que senti ontem, no meu primeiro dia de quarentena, depois de mais de vinte e quatro horas às voltas em aeroportos-às-moscas e aviões cheios de gente assustada, deito bola de pinball, de rosto enfiado na máscara, ou de máscara enfiada no rosto, luvas à CSI Miami e a respirar à Darth Vader. A dar de frosques, corona style, de uma Índia em pânico para uma Lisboa que não está melhor, mas sempre é a minha casa.

Tive sorte. Considerando o panorama kafkiano de cancelamentos de voos, fronteiras fechadas e países em lockdown, tive muita sorte.


Mas voltando à bolha: nem sequer é uma sensação nova, esta. Sempre que volto da Índia, tudo me parece meio-sem-cor, meio-sem-som, meio-sem-sabor. Sinto sempre falta daquela exagerada intensidade sensorial, que tem tanto de ingénuo como de histérico, infantil, rocambolesco ou kitsch.

Só que, desta vez, o silêncio que envolve a minha casa, a minha rua, a minha cidade, o meu país - este silêncio não tem nada a ver com choques culturais, referências cromáticas ou nostalgias sensoriais. Desta vez é diferente: este silêncio é o véu transparente que cobre uma comunidade assustada, ansiosa, meio perdida, a tentar decifrar e reagir a um pesadelo twilightzoniano, que "mais parece um filme de ficção científica". Já ouvi tantas pessoas dizer isto - e sinto o mesmo.

Expressões como "distância social" ou "achatar a curva" entraram de rompante no léxico do dia-a-dia. Sem um com-licença nem um faz-favor, sem um pingo de cerimónia, foi só chegar e esparramar-se de perna estendida, a coçar os tomates e a mandar vir.


Estou de quarentena, portanto: catorze dias, pelo menos. Não apetece nada, claro. Não apetece a ninguém. Estou em Portugal e só quero matar saudades e abraçar/beijar família e amigos. Faz falta este combustível chamado Amor. Mas tem de ser: assim exige o bom senso, depois de tanto tempo em trânsito. E assim exige a lei - ou, se não exige, devia.

Com tanto tempo em casa, decidi voltar a dedicar-me ao blog. Ando há três-quatro anos neste vai-não-vai, sem muita paciência, entre o desta-é-que-é e o fica-pr'amanhã, pois a minha disponibilidade foi sendo transferida aos poucos para as redes sociais e para os livros.

Ou seja: desta-é-que-é. Mesmo. A ver vamos.

Dito isto: entre recordações de viagens passadas, partilha de curiosidades e histórias, e quem sabe alguns planos para o futuro, vou escrever aqui uma espécie de diário da minha quarentena. É o que dá ter tempo. Por isso, convido-te a passar por aqui todos os dias, a partilhar também os teus pontos de vista e experiências, no comentários - e, já agora, a dar uma vista de olhos ao meu instagram, que também está animado, como sempre.


3 comentários:

Clara Amorim disse...

Querido Jorge,
É bom saber que estás são e salvo em Portugal!
Fico feliz também por voltares a escrever aqui neste blog mais lindo!
Estou sempre contigo e vou acompanhar o teu dia-a-dia.
Até amanhã!
Beijinhos 😘

Jorge disse...

Obrigado, Clara!
Espero que estejas bem!
Stay safe!

LV disse...

Já tínha saudades deste teu blog, assim como saudades tuas e daquele abraço de quem não se vê há já alguns meses, mas a quarentena assim o obriga.
Longe, mas sempre no meu coração (ai meu Deus que palavriado ….)
Beijo grande e até amanhã