25/10/2016

ESTA NOVA MANIA DE CORRER EM VIAGEM

"Mingalabar!", digo alegremente a dois pescadores de cócoras no passeio, concentrados a reparar redes; eles levantam os olhos e as expressões iniciais de surpresa transformam-se imediatamente em rasgados sorrisos manchados por anos a mascar noz de bétel.

"Mingalabar!", respondem-me em coro, e sem abrandar eu continuo a minha corrida.

Esta nova mania.

Correr em viagem: não só é saudável, como tem-se revelado uma forma muito interessante de conhecer e interagir melhor com os lugares por onde passo, nas minhas voltas. E como gosto de correr logo de manhã, bem cedo, descubro normalmente ritmos e dinâmicas muito próprias.

Foi em Lisboa, neste Verão que se prolongou até há pouco tempo, que comecei a correr mais "a sério". Há anos que não corria. Mas desta vez: com amigos de sempre, ténis novos e uma vontade enorme de desenferrujar, primeiro umas distâncias pequeninas a um ritmo envergonhado, depois ganhando aos poucos resistência e disciplina.

Não sou o Carlos Lopes e muito menos um Usain Bolt, não tenho ambições olímpicas nem sonho cortar metas com os braços levantados e os sovacos bem peludos. Mas a verdade é que lá vou batendo recordes (os meus recordes) e sinto-me um verdadeiro campeão - especialmente desde que decidi correr enquanto viajo.

E que descoberta!, esta Birmânia das seis e meia, sete da manhã. A Birmânia dos casais modernos equipados a rigor, a caminhar em passo acelerado; dos homens a fazer exercício de longyi; dos grupos de cinquentonas a fazer tai chi, yoga do riso, aeróbica; a Birmânia dos monges a fazer ginástica nas máquinas e a pedir-me dicas sobre a melhor app para fazer desporto; das pessoas que interrompem o jogging para rezar em frente a uma stupa, dos taxis que me buzinam na rua, a perguntar se quero boleia; das crianças todas fardadas a ir para a escola, dos monges em fila a pedir as "almas".

Do meu hotel em Yangon até ao People's Park são dois quilómetros, é tanta a humidade que chego lá já a pingar, dou umas voltas, sorrio com o privilégio de correr com vista para o Shwedagon Pagoda, depois volto para o hotel, são uns 8km de cada vez.

Em Mandalay faço o "Quadrado", como lhe chamo, que basicamente implica dar a volta à antiga Cidadela, pela estrada em redor do enorme canal. São ao todo 9km e costumo chegar ao hotel a cair para o lado e completamente ensopado.

Já em Bagan e Nyaung Shwe, as voltas são mais rurais - a maior parte por caminhos de terra batida. E se no primeiro caso estou rodeado de templos e ruínas milenares, no segundo atravesso aldeias. Em ambos os casos, os sorrisos de sempre e os mingalabars do costume.

E em Mawlamyine, que é onde me encontro agora, corri na estrada ao longo do rio, cruzando-me com vários tipos de madrugadores: os pescadores nas suas árduas rotinas, os desportistas a ir-e-vir como eu, os monges em silenciosas filas, os empregados a abrir lojas e restaurantes.

Enfim: este renovado entusiasmo com as corridas é tanto que mal posso esperar pela Indochina. Já me imagino a correr à volta do lago Hoan Kiem, em Hanói, acompanhado de milhares de pessoas; ou a fazer a península de Luang Prabang, com vista para o rio Mekong e rodeado de mosteiros e monges e aquele ambiente mágico de que tantas saudades tenho.

Saudável mania esta, hem?


2 comentários:

Clara Amorim disse...

Mas alguém tinha dúvidas de que eras um maratonista olímpico...?

Filipe Morato Gomes disse...

Dá-lhe, Jorge!!! Diz que o pior é começar... :)