22/10/2016

EMOÇÕES FORTES NO COMBOIO PARA MAWLAMYINE (1)

"Empurra! Empurra!", grito ao meu irmão Vasco enquanto tento furar entre os passageiros que sobem para o comboio, carregados de sacos enormes, malas, caixotes e cestos cheios de sei-lá-o-quê.

"Só temos dois minutos", penso entretanto para os meus botões, ou digo para o ar, ou será que também gritei isto?, é tanta a confusão que já não sei muito bem aquilo que exteriorizo e o que guardo para mim.

Olho para trás e o meu irmão está a rir-se, entalado no meio do caos. Olho para a frente e desespero, não vamos conseguir, não vamos conseguir, como é que vamos sair daqui... nós temos que conseguir!

Mas calma: recuemos um bocadinho no Tempo e no Espaço, para perceber melhor o que se está a passar.

Depois de me despedir do grupo "Os Excursionistas", com quem viajei duas semanas pela Birmânia, enfiei-me num autocarro nocturno que mais parecia uma nave espacial, em Mandalay... tomei um comprimido mágico assim que as luzes se apagaram... e quando acordei estava o sol a nascer e tinha sido teletransportado para a estação de autocarros de Yangon.


Táxi para o centro, mochila às costas e ziguezagues entre gente e trânsito, subi umas escadas de um filme de terror e registei-me num hostel com ar condicionado, onde passei o resto da manhã a recuperar sono e energias, pois ao final da tarde chegava ao Myanmar o meu irmão Vasco - vamos viajar juntos nas próximas duas semanas.

Jantámos com amigos na Rua 19, passámos o dia seguinte a caminhar pela cidade - e ao final da tarde, antes de sairmos para visitar o espectacular Shwedagon Pagoda, fomos à estação dos comboios comprar bilhetes para Mawlamyine, para onde pretendíamos viajar no dia seguinte.

"Aqui só vendemos bilhetes para o próprio dia, têm de voltar amanhã de manhã."

Isso já eu sabia, mas estava a ver se passava.

"E ali do outro lado, nas outras bilheteiras... aí posso reservar, certo?"

"Sim, aí fazem-se as reservas. Mas já fechou... fecha às três."

Okay: isso é que eu não sabia.

Ou seja: sem reserva feita, teríamos de arriscar e voltar na manhã seguinte, uma hora antes do comboio partir, e tentar a nossa sorte. E das duas uma: ou havia bilhetes em upper class e lá-vamos-nós confortáveis até ao nosso destino; ou, caso a upper class estivesse esgotada, teríamos de viajar em bancos de madeira durante as dez horas que demora a percorrer a distância entre Yangon e Mawlamyine. Sim: dez! E numa linha que não é propriamente conhecida por ser suave e confortável.

Fomos para o Shwedagon Pagoda, portanto. Rezar para que houvesse bilhetes no dia seguinte.

Às seis da manhã estávamos a sair do hostel e quinze minutos depois chegámos à estação de comboios de Yangon. Mingalabar, caro senhor da bilheteira, queremos ir para Mawlamyine no comboio das sete e um quarto, por gentileza pode vender-nos dois bilhetes em upper class?

"Sorry. It's full."

Não.

Isto não pode estar a acontecer.

Eu sabia que devia ter pensado nisto com tempo. Devia ter sido mais organizado. Quando estou com os grupos da Nomad planeio estas coisas com antecedência e especial cuidado. E agora que somos dois... a sério, não quero sequer imaginar o que serão dez horas a viajar naqueles bancos.

"Full?! Are you sure?"

Que pergunta tão cheia de desespero.

"Podemos viajar em carruagens diferentes, não há problema. Only two tickets, sir."

"No available seats. You take ordinary class."

Olhei para onde o senhor apontou com a cabeça, vi ao fundo uma bilheteira - atrás de dezenas de pessoas a empurrar para conseguir o próximo bilhete. Senti um grosso pingo de suor a escorrer pelas costas abaixo. O meu irmão a rir-se, é a primeira vez na Ásia, estava a adorar. Mas eu nem queria acreditar que ia ter de lutar por um lugar num banco de madeira.

(imagem roubada na net)

Estou feito.

To be continued... ;)

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Pronto, lá vai começar o suspense...! Estamos feitos!!!