01/04/2015

EMOÇÕES AO RUBRO, ALGURES NA BIRMÂNIA


PARTE 2: ONDE ESTÁ O PASSAPORTE?

Seguimos pela estrada fora, não muito depressa mas mais que antes. Percebi que o-da-agência explicou ao-da-mota onde encontrar a minivan. Mas, para ser muito sincero, não faço ideia. Não sei se estão muito à frente, se estão perto. Só sei que saíram às dez. Em meia hora pode-se ir longe.

Penso em coisas parvas tipo e-se-agora-ficássemos-sem-gasolina, ou se-tivessemos-um-furo. Que ironia. O outro à espera na berma, com mais sei-lá-quantos passageiros. E nós parados sem poder avançar.

Mas continuamos, quilómetro a quilómetro. Acho estranho não vermos a minivan. Apercebo-me que o driver também está desorientado. E de repente começa a desacelerar. Uma avaria? O que se passa? Encosta à berma. Porque é que parámos? Faço alguns gestos, tento comunicar, ele olha à volta e parece perdido. Dá meia-volta e começamos a andar para trás, devagar, até que aparece do meio do nada um homem. Ele pára e pergunta qualquer coisa. O homem também parece não saber responder. Será que viemos na direcção certa? Estará a minivan à espera algures num lugar completamente diferente?

Vou perder a boleia.

Numa questão de segundos, toda a ansiedade se desvanece. Que desilusão. O rapaz olha em redor como se fosse possível a minivan materializar-se, do nada, algures no nosso campo de visão. Mas nada.

Começo a mentalizar-me que vou mesmo ter de ir às três. Ou à uma da tarde, na gaiola. Que pena. Que pena.

O driver pega no telefone e liga a alguém. Suponho que seja um dos amigos drivers que também estão à porta da estação; e pelo tempo que fica à espera, deve ter pedido ao outro para ir a correr à agência, para saber do telefone da minivan. Tudo especulação. Não faço ideia, ainda hoje, para quem estava ele a ligar.

Porque de repente pára um carro à nossa frente e "kasdjkbasczxeq!", o homem ao volante a bracejar e a apontar para não sei onde... e então o meu driver desata a rir. Monta-se na mota e eu atrás dele.

"Já sabes? Está mais à frente? Bagan aqui vou eu!"

A minivan esperava-nos um pouco mais à frente. O ponto de referência estava errado, ou mal explicado, eu sei lá nem quero saber. E quando finalmente avistámos o que procurávamos, foi uma festa. O motorista esperava-me, sorridente, de pé junto à estrada. Fez sinal de vitória e eu não consegui parar de rir até estar dentro da viatura. Seguiam quatro ou cinco birmaneses lá dentro, pedi-lhes desculpa pelo inconveniente e eles acenaram como que a dizer "deixa lá".

Arrancámos. Despedi-me do driver da mota com um obrigado profundo e uma gorjeta, que é linguagem entendida em todo o mundo; e lançámo-nos em direcção a Bagan, entre aldeias medievais e pagodas dourados, rebanhos de cabras e motas cheias de gente, tudo rodeado de uma paisagem seca e, de certa forma, triste; mas muito, muito bonita.



Acabei por adormecer, ao fim de uma hora.

E até sonhei.

Sonhei que estava no Rio de Janeiro. Tinha acabado de chegar, não sei se estava no aeroporto ou no hotel, mas sei que tinha acabado de chegar, porque tinha o passaporte na mão e pousei-o numa mesa enquanto abria a mochila. E eis que de repente passa um miúdo a correr e agarra no passporte. Eu tento ir atrás dele mas a mochila fica presa a algum lado, e de repente vejo alguém com uma pistola a apontar ao miúdo, prestes a carregar no gatilho... e vou a gritar "Nããoo" quando acordo num sobressalto.

Estamos quase há duas horas a viajar.

Daqui a nada vamos parar para um refresco. Mas antes disso, o meu telefone começa a tocar. Deve ser o meu amigo Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe), que me espera em Bagan. Mas não: é um número que não conheço... espera lá... conheço sim... eu conheço este número.

É o mesmo número que me acordou de manhã. É o driver da mota. Deve querer saber se está tudo bem, provavelmente. Se tivermos em conta que não fala uma palavra de inglês. Mas enfim. Atendo.

"Mzajsdiipjsdsaeykq!"

Vai começar outra vez, esta conversa de parvos?

"Kbahsdbjkopfzr! "

"It's ok, now! We are on our way to Bagan."

"Hpabduhiaasxq!"

"No burmese. English! Speak english!"

"Nrqbjbasdaip password!"

"Password?"

"Pksdwbbzlskjh password!"

"What password?"

"Pass-bwort!"

O quê?!

Poiso o telefone num instante e remexo rapidamente a mochila, no lugar onde costumo guardar o passaporte. Nada. Insisto, vejo outros lugares possíveis. Nada. Pego no telefone e tento comunicar.

"Do you mean my passport?"

"Yes! Gqkjhsadouszk pass-port!"

Isto não pode estar a acontecer. Isto não pode estar a acontecer. Isto. Não pode ser.

O passaporte.

Deixei o passaporte no hotel. Na recepção. Entreguei-o ontem no check-in e pediram-me meia hora porque tinham de ir fazer uma fotocópia algures. E eu nunca mais me lembrei de o pedir de volta. E eles nunca mais se lembraram de mo devolver.

Vim-me embora sem o passaporte.

Isto não pode estar a acontecer. Estou sabe-se lá onde a caminho de Bagan, provavelmente não muito longe. E não tenho o meu passaporte. E agora?

Já se faz tarde, aqui. E eu a desmaiar de sono. Amanhã termino a história.

2 comentários:

Francisca disse...

Murphy's law George.. Tudo a correr pelo melhor! Coragem!! :)

Clara Amorim disse...

Pronto, já sabia que esta peripécia ia ser daquelas com vários episódios...! E com o suspense a aumentar e a não nos deixar sequer dormir...!
Acorda, Jorge, para vires contar o resto!!!!!!