Aconteceu-me ontem, em Calcutá. Estava a caminho da estação
de autocarros, a desesperar por um ATM porque não tinha conseguido levantar
dinheiro no aeroporto, quando vejo o logotipo do HSBC, o banco chinês que é
como um oásis, na Ásia - é internacional, há em quase todos os países e
funciona bem.
Entrei na "casinha" com as mochilas e pousei a
mais pequena num balcão ao lado da caixa, e quando estou a enfiar o cartão na
ranhura, eis que a porta atrás de mim se abre e o segurança entra, todo
sorridente.
"Namaskar!"
Namaskar para ti também, amigo, mas não vês que estou a
levantar dinheiro, não é boa altura para fazer conversa, apeteceu-me dizer. Mas
sorri e virei-lhe as costas, tapando o teclado, já com medo que fosse algum
esquema, não queria que me visse a digitar o código.
Digitei o código.
Seleccionei o tipo de conta, escolhi "levantamento de
outras importâncias" e pedi vinte mil rupias. Só quinze mil, disse-me a
máquina. Só posso dar quinze mil. Não há problema, quero quinze mil então.
"Which country, sir?"
E o outro a dar conversa.
"Portugal."
Entretanto a máquina recusou-se a dar-me os quinze mil.
Amuou. Não sei porquê, se calhar não gostou de mim, ou do facto de não ter a
atenção concentrada apenas nela, ou estava num "daqueles" dias - seja
lá porque razão for, o facto é que pela segunda vez, voltava a não conseguir
levantar dinheiro. E tendo em conta que neste momento só tenho um cartão
activo... comecei a ficar preocupado.
"Cristiano Ronaldo!"
O quê? Cristiano... na Índia? Não é muito comum. Normalmente
as pessoas lembram-se do Vasco da Gama, na Índia. Por causa do que aprenderam
na escola. Mas o Cristiano, sendo este um país de cricket, não é uma referência
assim tão forte. Por outro lado: estamos em Calcutá. O futebol aqui tem outra
dimensão.
Sorri, disse-lhe yes e retirei o cartão da máquina,
resignado a ter de trocar os dólares que trazia do Cambodja. Sobravam-me depois
alguns euros. Contas feitas conseguia viajar duas semanas, provavelmente. Não é
dramático, tenho um cartão novo "a caminho" de Bombaim, mas preferia
estar mais à vontade.
Entretanto o segurança deve ter reparado no meu insucesso,
porque perguntou-me se eu não tinha conseguido levantar, e depois quis saber
quanto é que tinha pedido. Não me pareceu que fosse nenhum esquema, o senhor
aparentava estar realmente bem intencionado. Resolvi seguir o meu instinto e
respondi-lhe a verdade. Quinze mil.
"Your card cannot take fifteen. You must take ten
thousand."
Isto até podia ser algum esquema, alguma armadilha. Mas eu
estava dentro da casinha do multibanco com o segurança, com as minhas mochilas,
e sem dinheiro para ir embora de Calcutá. Precisava de tentar.
Voltei a voltar-lhe costas, portanto.
Tapei o teclado enquanto voltava a digitar o código.
Levantamentos. Outras importâncias. Dez mil. E eis que oiço o som de notas a
ser contadas.
"It's coming", diz o segurança a sorrir.
Agradeci ao senhor e guardei o dinheiro no bolso, mal
"nasceu". Depois veio o cartão, ia guardá-lo mas o segurança voltou
ao "ataque":
"You can take more. You can take twenty thousand,
thirty thousand, forty thousand. You can take how much you want. But each time,
ten thousand only."
Levantei mais dez mil. São ao todo mais de duzentos euros,
chegam-me para os primeiros quinze dias, à partida.
Saí para a rua com o dinheiro no bolso e as mochilas à minha
volta, agradeci ao segurança com um aperto de mão, ele sorriu e disse:
"You welcome, sir. Have a good trip."
Só na Índia, mesmo.
4 comentários:
só na India mesmo..... beijinhos cheios de saudades
Afinal, levantamento com êxito!!! ;)
não tiveste medo que fosse atrás de ti para te roubar o dinheiro????
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