06/01/2014

DESPEDIDAS


Ditou a Ironia que logo hoje, o dia em que digo adeus a 2013 com o texto que se segue, haja Motivo Maior para despedidas. Ontem partiu o Pantera Negra - já não é novidade para ninguém. Nem em Bangkok passou despercebida, esta triste notícia.

Assim sendo, desculpem-me a comparação mas enquanto Portugal chora por Eusébio, aproveito para enterrar o ano que ainda há dias terminou.

Fica assim-e-aqui o meu balanço do mundo e do tempo, da forma como os vivi nos últimos doze meses.

Um ano dominado pela austeridade, este Dois Mil e Treze. Nas conversas, nas letras gordas, na fatalidade do dia-a-dia de tanta gente que não tem como contornar a questão. Mas "longe da vista, longe do coração": a distância permite-me esse luxo, o de me proteger, dentro do possível, da pornografia à volta do drama.

2013 foi o ano do papa-rock-star. Aliás: penso que não há, neste momento, pessoa mais unânime que Francisco - e, na minha modesta opinião, merece todo o destaque e o estatuto de personagem-do-ano que lhe tem sido atribuído pela imprensa internacional, painéis de especialistas, votações e inquéritos. Da renúncia de Bento XVI às Jornadas da Juventude no Rio, das pequenas notícias e curiosidades que vão circulando nos media à postura humilde e às declarações pacificadoras e positivas - que homem. Contudo: para mim não houve, no ano que passou, Herói Maior que o meu amigo António. Nas voltas e reviravoltas que o destino lhe reservou, ele está a dar a volta, a redesenhar o seu mapa, a caminhá-lo passo a passo, vitória a vitória - que orgulho tenho em ser seu Amigo: que Exemplo, que Coragem, que Loucura. Só tenho pena de não estar mais presente.



Como todos os anos desde o princípio dos tempos e até ao fim do fim, este foi um de tragédias e conquistas, de sorrisos e amargos-de-boca, de surpresas e das coisas-do-costume. Os telejornais, o facebook e as capas de jornais coloriram-se com as labaredas que "levaram" uma dezena de bombeiros, neste verão; com as bombas na maratona de Boston, o incêndio numa discoteca brasileira, o comboio que descarrilou em Santiago de Compostela, o atentado do centro comercial de Nairobi, os miúdos que se afogaram no Meco, os reféns da refinaria na Argélia, a polémica à volta da carne de cavalo. Com as cheias na Índia e em Buenos Aires. O meteorito que caiu nos Urais, o balão que caiu na Capadócia, o prédio que caiu no Bangladesh. O paralímpico que matou a namorada e o tufão que matou seis mil pessoas, nas Filipinas. Que horror. Os protestos e a repressão no Parque Gezi, no Brasil-pré-mundial, no Egipto, na Tailândia e no Cambodja - e em Portugal, pois claro. O Grândola-vila-morena. Isto nunca mais passa, troikas e ajustamentos e austeridade. E violência: na Síria, que já tinha sido notícia em 2012 e há-de continuar a ser em 2014; no Iraque, como de costume; no Mali e no Sudão. Que mundo este.

E na política ainda pior: saiu de cena o Relvas mas voltou o Sócrates... e o Portas que sai-não-sai, que palhaçada, que fizemos "nós" para merecer estes energúmenos. Sim: energúmenos. Berlusconi-isto e troika-aquilo, é o Maduro e o papel higiénico, o da Coreia do Norte que manda despachar o tio, o super-macho Putin que já devia ter algum juízo, o "nosso-primeiro" que já vai em último, as patetices do Bochechas que não-sei-como ainda tem tempo de antena... yes we can?, já nem para o Obama há saco, com aquele ar de sonso, tanta conversa e tão pouca acção, mais o famoso selfie no funeral do Mandela, a perseguição ao Snowden em nome sabe-se lá de quê. Big Brother is watching you. Ou não. Estamos bem entregues, estamos. E finalmente o super-vilão do ano, aquele que mais arrepios me provocou, horror, nojo e tristeza... o senhor com tiques de ditador e uma tendência sensacional para o fundamentalismo e para a fatalidade... o turco que tem um "g" no nome mas o "g" é mudo, lá na terra dele. Faz favor de aprender de uma vez por todas: lê-se Erdoan.

E por falar em vilões: Walter White. Este foi o ano do "Breaking Bad", um dos mais intensos fenómenos que alguma vez passou na televisão. Foi o meu vício de eleição, em 2013.

Mas voltando às notícias: nem todas foram cinzentas, este ano.

Dois mil e treze foi tão côr-de-rosa quanto outros: das palermices do Bieber e daquela miúda que era da Disney e virou estrela pseudo-porno, às trágico-comédias do JCB, da MRP, da RP e os famosos do costume; passando pelas peixeiradas do ex-ministro e da apresentadora de televisão. O pivot que anda há anos a brincar aos telejornais, a outra a pregar ao novo-rico da fórmula um, e o marido que "pregava" à vereadora. O video das advogadas. É a "Casa dos Degredos" na vida real. E "nós" adoramos, vamos ao circo e comemos pipocas e algodão-doce, consumimos o produto, enchemos o bandulho, debatemos os não-assuntos. Faz parte. Fosse tudo Telejornal e estávamos (ainda mais) deprimidos.

No Reino Unido nasceu um bebé real, morreu uma ex-primeira-ministra e a rainha comemorou bodas de diamante. No Brasil, a Mulher Furacão casou-se com a namorada. E a Miss Hot Legs com o companheiro de longa data. Ah!, e a menina das cerejas-sem-caroço com o rapaz do rugby. O Tom separou-se da Katie e a Demi do Ashton. Depois de muitos vai-não-vai, foi-se o Comandante e foi-se o Madiba. E o senhor dos Sopranos, a mulher do Archie, o Lawrence da Arábia e não-sei-quem do Glee, mais o outro dos carros ferozes. E a minha máquina fotográfica, a meio de um dos mais espectaculares cenários que tive a sorte de ter visto. E o Lou Reed. E quantos outros, conhecidos-desconhecidos, portugueses-estrangeiros, que foram também dar a sua volta no lado selvagem, que desapareceram, nasceram, casaram e/ou se separaram, cresceram e/ou ganharam juízo. Ou não. E a vida continua, dizem os ombros amigos.

Ombros amigos foi o que eu e muitos benfiquistas precisámos, este ano, quando fomos confrontados com um fenómeno trágico: a época que parecia de glória transformou-se, em poucos dias, numa anedota sem graça, numa vergonhosa mancha. Noutras andanças, o Armstrong admitiu o doping no programa da Oprah, o Óscar-não-sei-quantos matou a namorada a tiro, o pai do Bola D'Ouro fez-isto-e-aquilo, o Sir Alex deixou o Manchester, o Special One foi corrido de Madrid.... e, no reverso da medalha, um tuga brilhou no Tour de France, Tóquio foi escolhida para receber os Olímpicos de 2020, a sensação Neymar ingressou no Barcelona, a maior lenda indiana do cricket reformou-se e o país entrou em delírio. O CR7 inaugurou o seu próprio museu, depois de um ano de mais golos, muitos recordes e brilharete qb. E a selecção apurou-se - "à rasquinha" mas apurou-se! - para o Mundial.

2013 foi o ano em que uma equipa de pesquisa portuguesa fez avanços notáveis no combate à malária, Coimbra foi reconhecida como Património da Humanidade, a Croácia entrou para a União Europeia. A Aaung Suu Ki foi autorizada a viajar e a situação na Birmânia melhorou consideravelmente. A senhora dos sapatos da Marilyn conquistou finalmente o Mundo, a fadista da voz quente ganhou prémios e mais fama, um fotógrafo português foi distinguido pelo World Press Photo, o CR7 fartou-se de marcar golos e a Selecção apurou-se para o Mundial do Brasil. O Harlem Shake sucedeu ao coreano e por momentos pôs meio-mundo a abanar-se. E a Enciclopédia Britânica anunciou a semana passada que a palavra do ano é "selfie".

Eu é mais os meus pés pelo mundo fora, nas voltas que dou. Não sou muito dado aos "selfies". Mas se fosse: em 2013 teria feito alguns no Corcovado e na Praça Vermelha, no Machu Picchu e nos Guerreiros de Terracota, no glaciar Perito Moreno e na Muralha da China, nas Torres del Paine e em Angkor Wat, na Capadócia e em Bagan, no Salar de Uyuni e no Estreito do Bósforo, na Baía de Halong e na Capadócia, no lago Baikal, no lago Titicaca, no rio Mekong. Na Linha do Equador e no Estreito de Magalhães. Teria partilhado selfies no show de Ping Pong em Bangkok, no Santo António em Lisboa, no wrestling de Cholitas em La Paz, no concerto dos Pearl Jam em Buenos Aires. Num vulcão de lama em Cartagena das Índias, num hammam em Ankara, num festival de barcos no lago Inle, nos protestos de Phnom Penh, num balão a sobrevoar a Capadócia. A andar de mota no Vietname e na Birmânia, a cavalo na Mongólia e de elefante no Laos, em barcos no Cambodja, Argentina e Birmânia; e de jipe na Bolívia, a cinco mil metros de altitude. De kayak na Baía de Halong e de bicicleta em Mandalay e em San Pedro de Atacama.

Provavelmente publicaria selfies a comer ceviche em Lima, bun cha em Hanói, francesinhas no Porto, strogonoff em Moscovo, pato em Pequim, travesseiros em Sintra, pad thai em Bangkok, laap em Luang Prabang. A beber um martini no Sirocco, com Bangkok a meus pés; uma caipirinha no Leblon, depois de um dia de praia; um ginger mojito em Saigão, na esplanada do Hotel Rex; um pisco sour no Chile, a meio de um trekking de cinco dias; um vinho tinto em Mendoza, num restaurante "chique" de um amigo de um amigo; e uma ginginha na noite de Natal, em Siem Reap. A comer até dizer "chega" no porcão de Ipanema, a provar o leitão de Cebu e o caranguejo de Singapura. E de certeza que também partilharia selfies no topo das Torres Petronas, e a tomar banho num geyzer a 4000 metros de altitude, a dançar no Lux, a ver os monges a "receber almas", a passear por São Paulo e a ver tango em Buenos Aires, a cantar num karaoke vietnamita, a apagar as velas em Kuala Lumpur, a ver peixes no Aquário de Singapura, a passear pelas ruas do centro histórico de Manila, a dar uma entrevista ao Pedro Rolo Duarte, no estúdio da Antena 1 - e à Rosa Ruela, da Visão, por skype. Selfies a ver o nascer-do-sol em Angkor Wat, a ver o nascer-do-sol em Bagan, a ver o nascer-do-sol em Halong Bay, a ver o nascer-do-sol na ponte de teca Ubein, a ver o nascer-do-sol no topo do Nemrut Dagi.




Tantas experiências, tantas memórias, tantos encontros. E tantos mais. Não cabe tudo aqui.

2013 foi o "melhor" ano deste blog. Aquele em que fui mais "disciplinado" e o que tive mais retorno. Foi um ano intenso no facebook e no instagram. Foi um ano de muitas histórias e fotos, de risadas e arrepios, de caricaturas e imprevistos. Um ano intenso, em que acompanhei vários grupos da Nomad, viajei com quase cem pessoas, ao todo. Um ano de altos e baixos, como é natural. De ritmos vários, de correrias e preguicites, de variações de humor e de tempos, de uma geografia de ziguezagues, ricochetes e reviravoltas.

Foi um ano cheio, este em que me estreei na América do Sul. Noventa e nove dias, oito países, milhares de fotografias, peripécias e re-encontros, experiências e sensações. Números e histórias que apesar de encher, sabem sempre a pouco. Quero voltar, explorar com outros cuidados, com outros tempos, quero conhecer melhor. E mesmo assim repito aqui o que respondo a quem me pergunta se é desta que mudo da Ásia para outro continente: "gostei muito, quero regressar - mas não é um one night stand que vai dar cabo de uma relação de dez anos".

Foi o ano em que regressei à Birmânia, primeiro com dois amigos e depois com um grupo da Nomad. E vou voltar, já falei "a quem de direito" e tenho regresso marcado para breve.

Foi o ano em que a minha mãe me veio "visitar" a um dos meus "poisos" preferidos: a Indochina. E aquele em que fiz as pazes com Singapura e com Halong Bay. O ano em que completei por duas vezes o Transiberiano - para além de três Reunification Express e outros comboios. Tenho de fazer as contas: devo ter ao todo uns vinte mil quilómetros sobre carris, em 2013.

Foi um ano em que não pisei solo indiano. Que triste facto. Mas muito em breve vou matar essa saudade.

2013 foi o ano do "Get Lucky" - mas não só. Além dos Daft Punk, passou muito mais pelos meus headphones, com destaque para Alt J, Arcade Fire, The Black Keys, The National - e Pearl Jam, pois claro, num regresso que ao início me soube a pouco, mas devagar me conquistou. Foi o ano do "Game of Thrones", que devorei quase tão avidamente quanto o "Breaking Bad"; das sequelas no cinema, que me passaram ao lado; da Gaiola Dourada, que ainda não vi mas quero ver; da Odisseia do Bruno Nogueira, já assisti a dois episódios e quero ver até ao fim; e foi o ano em que o Brasil me apresentou ao "Porta dos Fundos". Foi também o ano em que "descobri" o mundo de Hakuri Murakami, de Valter Hugo Mãe, de Afonso Cruz. O ano em que reli o Ramayana, e pela enésima vez o Principezinho.


2013 foi um ano em que redescobri o valor da amizade, da fragilidade da vida como ela é, das coisas que damos por garantidas, das pequenas vitórias, da importância de dizer que se gosta de alguém, sempre que se pode. E o que valem os simbolos e as histórias.

E por falar em símbolos:

Ainda antes deste triste arranque com a partida do Pantera Negra, o ano acabou com uma triste ironia. Um acidente estúpido, um Inexplicável que ainda vai "dar pano para mangas". Força aí, Shumi!




Ao meu amigo António, eu dedico o meu ano. Cada sorriso, cada passo, cada momento de inspiração, transpiração, irritação, excitação. Ninguém quanto ele saberá o sofrido valor de cada dia, de cada minuto deste 2013. Esperam-te ainda mais vitórias, my friend. Passo a passo.

4 comentários:

LV disse...

O que é que posso dizer sobre o teu ano 2013...
Nada mesmo, só que cada vez escreves melhor e que tenho muito orgulho em ser a tua mãe :)

agrades disse...

Como gosto de o ler!
Parabéns pelas suas palavras, por me fazer lembrar tantos sítios onde pus o pé, de me fazer apetecer ir sempre, ainda,a algum sítio e aproveitar tudo.
Obrigada.

Clara Amorim disse...

Parece-me que o ano de 2013 merecia um livro...!
Mas que 2014 seja ainda melhor!!!
Tudo de bom para ti, JV! :)

Anónimo disse...

Muitas voltas dás tu, rapaz!
Continua assim que não vais nada mal.
Gosto de te ler, abraço.