Costumo dizer que não há passos atrás - há passos ao lado. Há que encarar contrariedades como desafios, ver as possibilidades que se abrem quando parece que todas as portas se fecham. Enfim: ser positivo.
O que não quer dizer que de vez em quando não se mande este-e-aquele a sítios bem conhecidos de todos.
Enfim: tudo isto para dizer que, depois de percebermos que não tínhamos outra hipótese senão ficar mais uma noite em Pondicherry - por causa dos capacetes e alguns sacos que estavam dentro de um armário que só podia ser aberto hoje -, acabámos por dar a volta à reviravolta e fomos para Auroville, a oito quilómetros de Pondicherry.
Auroville?
Deixem-me explicar isto num parágrafo ou dois.
Auroville é, em poucas (e muito secas) palavras, o que sobrevive de uma utopia que nunca se concretizou em pleno. Segundo os próprios, "pretende ser uma vila experimental onde homens e mulheres de todos os países possam viver em paz e harmonia progressiva, acima de todos os credos, de todas as políticas e de todas as nacionalidades. O objectivo de Auroville é realizar a unidade humana". Podem conhecer melhor o projecto aqui e aqui.
Auroville foi fundada em 1968 por Mirra Alfassa (a quem os habitantes chamam carinhosamente "a Mãe") e, em vez dos cinquenta mil habitantes que se propunham ter em 2014, tem cerca de 2.500. A sensação que dá quando se visita este lugar é a de uma boa intenção que nunca passou muito disso.
Há, no centro de uma área vastíssima, um monumento que parece uma gigante bola de golfe dourada, chamado Matrimandir. À volta, pelo que se aprende no centro de visitas, há projectos para zonas industriais, residenciais, etc. Um enorme empreendimento urbano, aparentemente bem desenhado, com nomes bonitos como "Courage", "Grace", "Transformation", "Horizon", etc - mas que nunca foi plenamente realizado.
Apresentações à parte: fomos então para Auroville. Há, na estrada que vai dar ao centro de visitas, algumas guesthouses e restaurantes, um bocadinho ao género de Goa, meio hippies, meio locals. Pareceu-nos uma boa mudança de ares, não apetecia nada voltar para o "buraco" em que ficáramos na noite anterior, em frente à estação de autocarros.
Parecia tudo fechado - talvez por ser domingo, ou será porque a época alta já lá vai - mas não demorou muito até encontrarmos uma seta a dizer "Tenderness", que apontava para uma estrada de terra batida no meio da floresta e prometia acomodação a trezentos metros. Decidimos explorar. Apetecia-nos um sítio calmo, queríamos parar as motas e "dar-lhes uns toques", apetecia-me escrever. Este ambiente rural calhava mesmo bem. Avançámos, portanto. Entre árvores e poças de lama, até chegarmos a um portão.
Entrámos.
E, vejam lá como o mundo é pequeno, encontrámos o António Guterres.
Assim, no meio do nada, no meio de uma utopia não-realizada, um comício do António Guterres, a entrar em apoteose com a máquina de marketing bem oleada, a banda sonora do Vangelis, o público em êxta...
Alto e pára o baile!
Mas o Guterres, que eu saiba, não usa túnica branca e cabelos compridos. Ah, ok: não é o senhor. É um guru qualquer a falar de Deus e energias aos membros de uma seita local, afinal.
Mas a música é a mesma.
Ficámos na dúvida se devíamos ficar ali. Tanto que começámos a dar a volta às motas. Apetecia-nos paz e serenidade - não um culto qualquer a ouvir Vangelis, a discutir energias aos altos berros, quem sabe que transformações poderiam ter à noite, e se estaríamos a salvo de ser sacrificados na fogueira. Nunca se sabe.
Mas quando estávamos a dar a volta apareceu um indiano muito alto, com falinhas mansas a perguntar se queríamos ver os quartos, quantas noites ficávamos, de onde éramos, etc... e pelo meio lá nos assegurou que "estes vão embora hoje à tarde".
Fomos ver os quartos, portanto. E logo à primeira vista: foi amor. Uma cabana com um sótão maravilhoso, algumas aranhas só para irritar, rodeada de árvores de caju, manga e jaca, coqueiros e o som do vento nas copas.
Resumindo, porque o post vai longo e a pressa de me lançar à estrada é muita: conseguimos um bom desconto e acabámos por ficar aqui. A seita foi embora, como prometido, a meio da tarde. Não fomos atacados. Não nos tentaram converter, também. Não vimos a luz, mas passeámos um pouco por Auroville, e boa parte da tarde passámo-la a "dar uns toques" às motas. Queremos "indianizá-las".
Dormimos que nem anjos, esta noite. Ainda acompanhámos a primeira parte do jogo do Benfica, mas o sono foi mais forte e acordámos bem cedo, hoje, para ler as boas notícias ;)
As malas estão prontas, o Luís à minha espera - acaba aqui a conversa, por agora, porque vamos lançar-nos à estrada. Se tudo correr bem, daqui a nada recuperamos os capacetes e lá vamos nós! Vrrrruuuummmmm!
1 comentário:
Boa! E as Vespas estão liiiiindas!!!
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