25/05/2015

A LENDA DE VENKATESHWARA

Há muito, muito tempo, quando deuses, demónios, pessoas e animais partilhavam este universo e mais alguns, três filósofos foram em peregrinação até às margens do Ganges, onde se prepararam para realizar um sacrifício a favor da Bondade das pessoas.

Ainda estavam em preparativos e rituais quando apareceu o sábio Narada, a querer saber a quem estavam eles a oferecer o sacrifício.

"Ao mais poderoso de todos os Deuses, meu caro."

Narada não ficou satisfeito com a resposta e quis saber, entre aqueles que formam a Trindade Hindu, qual o que merecia tal sacrifício: Brahma, Vishnu ou Shiva.

Os três filósofos não tinham resposta e pediram então a Bhrigu, conhecido por ter um olho extra na sola dos pés, para investigar acerca deste assunto.

Bhrigu lançou-se à estrada (de vespa, claro) e viajou de imediato até  Satyalokam, onde vivia Brahma. Encontrou-o acompanhado pela sua esposa Saraswati, a recitar os Vedas, cada um com uma das suas quatro cabeças - e ao fim de algumas tentativas sem resposta, Bhrigu percebeu que não havia forma de alguém reparar nele. Concluiu então que, apesar de ter quatro cabeças e oito olhos, Brahma não fora capaz de o ver chegar - logo, não merecia o sacrifício dos três filósofos. E zangado por ter sido ignorado, amaldiçoou Brahma e disse-lhe que nunca receberia oferendas nos templos.

É por isso que não há templos dedicados a Brahma.

Bhrigu montou-se então na sua vespa, que pegou logo à primeira, e dirigiu-se ao Monte Kailasa, onde Shiva vive com a sua mulher Parvati e o boi Nandi - e qual não foi o seu espanto quando encontrou Shiva e Parvati a dançar um com o outro, enquanto Nandi e outros seres olhavam para eles, completamente absortos. Mais uma vez chamou e gritou pelo deus, mas este estava tão concentrado nos olhos e movimentos da sua amada, que não deu por nada. Parvati, por seu turno, apercebeu-se da presença de Bhrigu e interrompeu a dança para avisar o marido. Furioso, Shiva tentou então destruir o sábio - e este, irritado, amaldiçoou-o.

"Não mereces o sacrifício! E por causa das tuas acções, a tua imagem não será idolatrada nos templos."

É por isso que, nos templos de Shiva, reza-se a uma Linga (que tem uma forma fálica).

Mas continuando:

Frustrado por não conseguir qualquer tipo de reacção que merecesse o sacrifício dos três filósofos, lá foi com a sua vespa até Vaikuntha, onde vivia Vishnu. Quando lá chegou, o deus encontrava-se a dormir, com a deusa Lakhsmi a seus pés, massajando-lhe as pernas. Bhrigu ficou convencido que Vishnu estava só a fingir que dormia, para não o receber, e enfurecido pontapeou-o no peito - o lugar onde Lakshmi reside.

Vishnu acordou sobressaltado e, tentando acalmar o sábio, disse-lhe:

"Meu caro, o meu peito é o mais forte do mundo, é como uma montanha... e os teus pés são tão suaves. Estou preocupado que te possas ter magoado enquanto me pontapeavas. Peço-te desculpa, se for o caso."

E começou ele próprio a massajá-lo. Mas durante a massagem, sem querer pressionou com mais força o olho extra na sola de um dos pés - esse olho simbolizava o Ego do sábio - e imediatamente o sábio começou a sentir-se culpado pela forma como tinha reagido. Acalmou e pediu desculpa a Vishnu, montou-se na vespa e lá foi zigue-zagueando pelas nuvens e montanhas até chegar ao Ganges, onde anunciou aos três filósofos que Vishnu era, sem dúvida, o mais supremo da Trindade, e merecedor do sacrifício.

Entretanto, em Vaikuntha, Lakhsmi estava furiosa com Vishnu, depois da forma com que este tinha lidado com a cena do pontapeamento. O peito era o lugar onde ela residia, e sentia-se ofendida com a acção... e com a reacção. Furiosa, fez as malas e encheu o depósito da sua vespa, que demorou um pouco a pegar mas eventualmente lá funcionou. Lakshmi deixou Vaikuntha, para choque de Vishnu, e foi viver para Karavirapur.

Desamparado com a partida da sua esposa, Vishnu decidiu também sair de Vaikunta. Foi à garagem buscar a sua vespa, limpou a vela e deu ao kick três ou quatro vezes... e lá foi. Desceu à Terra reencarnado em Sri Venkatesha e tomou abrigo nas colinas de Venkata, debaixo de um formigueiro, ao pé de uma árvore de tamarindo, junto a um tanque - meditando pelo regresso de Lakshmi, sem comer nem beber.

Assim que souberam do sucedido, Brahma e Shiva decidiram assumir a forma de uma vaca e um vitelo, de maneira a poderem ajudar o amigo, e assim passando despercebidos. Surya, o deus Sol que tudo vê e tudo sabe, informou Lakshmi do que estava a acontecer e pediu-lhe que reencarnasse numa pastora.

"Vais até Chola e pedes para falar com o rei, se faz favor, e dizes que lhe queres vender a vaca e o vitelo."

Dito e feito.

O rei de Chola comprou os dois animais e mandou-os pastar nas colinas de Venkata, juntamente com o resto do gado. E assim que descobriu Vishnu a meditar debaixo do formigueiro, a vaca começou a alimentá-lo, às escondidas, com o próprio leite. O que acabou por tornar-se num problema, porque no palácio a vaca dava muito menos leite que as outras - e, estranhando tamanha diferença, a rainha de Chola convocou o responsável pelas vacas para uma "conversa".

Irritado por levar um "raspanete", o guardador das vacas decidiu espiar a vaca em causa. No dia seguinte seguiu-a, às escondidas, e pacientemente esperou atrás de um arbusto, para tentar entender a causa desta discrepância no leite produzido. E eis que subitamente vê a vaca aproximar-se do formigueiro e, sorrateiramente, começar a derramar o leite ali. Furioso com este estranho e inexplicável comportamento, levantou-se aos gritos e pegou no machado que trazia sempre consigo. Por muito que a vaca se tentasse explicar (era uma vaca, não havia como se explicar), o homem lançou o machado na sua direcção. Mas nesse exacto momento Vishnu levantou-se e, para salvar a vaca, atirou-se para a frente do machado (tudo em câmara lenta e com uma banda sonora dramática).

"Nooooooo!!!"

Enfim, está-se mesmo a ver: o machado foi acertar na cabeça de Vishnu, que perdeu grande parte do cabelo. E o homem do machado, ao ver o deus Vishnu sangrar profusamente, caiu redondo no chão e morreu com o choque.

Entretanto apareceu Neela Devi, que tratava de Vishnu como se ele fosse filho dela - e quando o viu naquele estado, em profunda dor e esvaído em sangue, rapou imediatamente o seu cabelo e poisou-o na cabeça dele. Como que por magia, o cabelo de Vishnu renasceu em poucos segundos, e ainda mais bonito e sedoso. Reconhecendo que o cabelo é uma das características mais estimadas de uma mulher, Vishnu agradeceu o sacrifício a Neela Devi e prometeu-lhe que, a partir desse dia, os seus devotos iriam rapar o cabelo em memória dela, como símbolo de renúncia ao Ego.

Por isso se rapa o cabelo em Tirumala.

E a telenovela continua... mas para o motivo que me fez pesquisar e partilhar esta história, chega-nos bem o que já está aqui escrito. ;)

2 comentários:

inês disse...

ahaha adorei! Só a imagem dos deuses a subirem para as suas Vespas!!

Queremos mais!

Clara Amorim disse...

Eu é que gosto destas lendas...! :)