Ainda estavam em preparativos e rituais quando apareceu o
sábio Narada, a querer saber a quem estavam eles a oferecer o sacrifício.
"Ao mais poderoso de todos os Deuses, meu
caro."
Narada não ficou satisfeito com a resposta e quis saber,
entre aqueles que formam a Trindade Hindu, qual o que merecia tal sacrifício:
Brahma, Vishnu ou Shiva.
Os três filósofos não tinham resposta e pediram então a
Bhrigu, conhecido por ter um olho extra na sola dos pés, para investigar acerca
deste assunto.
Bhrigu lançou-se à estrada (de vespa, claro) e viajou de
imediato até Satyalokam, onde vivia
Brahma. Encontrou-o acompanhado pela sua esposa Saraswati, a recitar os Vedas,
cada um com uma das suas quatro cabeças - e ao fim de algumas tentativas sem
resposta, Bhrigu percebeu que não havia forma de alguém reparar nele. Concluiu
então que, apesar de ter quatro cabeças e oito olhos, Brahma não fora capaz de
o ver chegar - logo, não merecia o sacrifício dos três filósofos. E zangado por
ter sido ignorado, amaldiçoou Brahma e disse-lhe que nunca receberia oferendas
nos templos.
É por isso que não há templos dedicados a Brahma.
Bhrigu montou-se então na sua vespa, que pegou logo à
primeira, e dirigiu-se ao Monte Kailasa, onde Shiva vive com a sua mulher
Parvati e o boi Nandi - e qual não foi o seu espanto quando encontrou Shiva e
Parvati a dançar um com o outro, enquanto Nandi e outros seres olhavam para
eles, completamente absortos. Mais uma vez chamou e gritou pelo deus, mas este
estava tão concentrado nos olhos e movimentos da sua amada, que não deu por
nada. Parvati, por seu turno, apercebeu-se da presença de Bhrigu e interrompeu
a dança para avisar o marido. Furioso, Shiva tentou então destruir o sábio - e
este, irritado, amaldiçoou-o.
"Não mereces o sacrifício! E por causa das tuas
acções, a tua imagem não será idolatrada nos templos."
É por isso que, nos templos de Shiva, reza-se a uma Linga
(que tem uma forma fálica).
Mas continuando:
Frustrado por não conseguir qualquer tipo de reacção que
merecesse o sacrifício dos três filósofos, lá foi com a sua vespa até
Vaikuntha, onde vivia Vishnu. Quando lá chegou, o deus encontrava-se a dormir, com
a deusa Lakhsmi a seus pés, massajando-lhe as pernas. Bhrigu ficou convencido
que Vishnu estava só a fingir que dormia, para não o receber, e enfurecido
pontapeou-o no peito - o lugar onde Lakshmi reside.
Vishnu acordou sobressaltado e, tentando acalmar o sábio,
disse-lhe:
"Meu caro, o meu peito é o mais forte do mundo, é
como uma montanha... e os teus pés são tão suaves. Estou preocupado que te
possas ter magoado enquanto me pontapeavas. Peço-te desculpa, se for o
caso."
E começou ele próprio a massajá-lo. Mas durante a
massagem, sem querer pressionou com mais força o olho extra na sola de um dos
pés - esse olho simbolizava o Ego do sábio - e imediatamente o sábio começou a
sentir-se culpado pela forma como tinha reagido. Acalmou e pediu desculpa a
Vishnu, montou-se na vespa e lá foi zigue-zagueando pelas nuvens e montanhas
até chegar ao Ganges, onde anunciou aos três filósofos que Vishnu era, sem
dúvida, o mais supremo da Trindade, e merecedor do sacrifício.
Entretanto, em Vaikuntha, Lakhsmi estava furiosa com Vishnu,
depois da forma com que este tinha lidado com a cena do pontapeamento. O peito
era o lugar onde ela residia, e sentia-se ofendida com a acção... e com a
reacção. Furiosa, fez as malas e encheu o depósito da sua vespa, que demorou um
pouco a pegar mas eventualmente lá funcionou. Lakshmi deixou Vaikuntha, para
choque de Vishnu, e foi viver para Karavirapur.
Desamparado com a partida da sua esposa, Vishnu decidiu
também sair de Vaikunta. Foi à garagem buscar a sua vespa, limpou a vela e deu
ao kick três ou quatro vezes... e lá foi. Desceu à Terra reencarnado em Sri
Venkatesha e tomou abrigo nas colinas de Venkata, debaixo de um formigueiro, ao
pé de uma árvore de tamarindo, junto a um tanque - meditando pelo regresso de
Lakshmi, sem comer nem beber.
Assim que souberam do sucedido, Brahma e Shiva decidiram
assumir a forma de uma vaca e um vitelo, de maneira a poderem ajudar o amigo, e
assim passando despercebidos. Surya, o deus Sol que tudo vê e tudo sabe,
informou Lakshmi do que estava a acontecer e pediu-lhe que reencarnasse numa pastora.
"Vais até Chola e pedes para falar com o rei, se faz favor, e dizes
que lhe queres vender a vaca e o vitelo."
Dito e feito.
O rei de Chola comprou os dois animais e mandou-os pastar
nas colinas de Venkata, juntamente com o resto do gado. E assim que descobriu
Vishnu a meditar debaixo do formigueiro, a vaca começou a alimentá-lo, às
escondidas, com o próprio leite. O que acabou por tornar-se num problema,
porque no palácio a vaca dava muito menos leite que as outras - e, estranhando
tamanha diferença, a rainha de Chola convocou o responsável pelas vacas para
uma "conversa".
Irritado por levar um "raspanete", o guardador
das vacas decidiu espiar a vaca em causa. No dia seguinte seguiu-a, às
escondidas, e pacientemente esperou atrás de um arbusto, para tentar entender a
causa desta discrepância no leite produzido. E eis que subitamente vê a vaca
aproximar-se do formigueiro e, sorrateiramente, começar a derramar o leite ali.
Furioso com este estranho e inexplicável comportamento, levantou-se aos gritos
e pegou no machado que trazia sempre consigo. Por muito que a vaca se tentasse
explicar (era uma vaca, não havia como se explicar), o homem lançou o machado
na sua direcção. Mas nesse exacto momento Vishnu levantou-se e, para salvar a
vaca, atirou-se para a frente do machado (tudo em câmara lenta e com uma banda
sonora dramática).
"Nooooooo!!!"
Enfim, está-se mesmo a ver: o machado foi acertar na
cabeça de Vishnu, que perdeu grande parte do cabelo. E o homem do machado, ao
ver o deus Vishnu sangrar profusamente, caiu redondo no chão e morreu com o
choque.
Entretanto apareceu Neela Devi, que tratava de Vishnu
como se ele fosse filho dela - e quando o viu naquele estado, em profunda dor e
esvaído em sangue, rapou imediatamente o seu cabelo e poisou-o na cabeça dele.
Como que por magia, o cabelo de Vishnu renasceu em poucos segundos, e ainda
mais bonito e sedoso. Reconhecendo que o cabelo é uma das características mais estimadas
de uma mulher, Vishnu agradeceu o sacrifício a Neela Devi e prometeu-lhe que, a
partir desse dia, os seus devotos iriam rapar o cabelo em memória dela, como
símbolo de renúncia ao Ego.
Por isso se rapa o cabelo em Tirumala.
E a telenovela continua... mas para o motivo que me fez pesquisar
e partilhar esta história, chega-nos bem o que já está aqui escrito. ;)
2 comentários:
ahaha adorei! Só a imagem dos deuses a subirem para as suas Vespas!!
Queremos mais!
Eu é que gosto destas lendas...! :)
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