No dia a seguir à rapadela em Tirumala, o calor era de tal forma sufocante que não tivemos coragem de subir novamente à colina, só para ir ver o templo. Ou seja: acabámos por nem visitar a atracção principal - mas a experiência que vivemos foi única, e muito sinceramente não fiquei com a sensação de ter falhado alguma coisa. Se calhar era mesmo assim que era suposto acontecer. Se calhar o Universo organizou-se de tal forma que o importante nesta experiência não era, de todo, ver o templo. Nós fomos ali a Tirumala, nós viajámos centenas de quilómetros desde o Kerala, nós viemos para a Índia, nós somos viajantes... tudo por este momento. Toda a nossa vida culminando neste Aqui, neste Agora.
Ok: estou a exagerar. Um bocadinho.
Mas tudo para explicar que, com templo ou sem templo - valeu o que valeu. Por isso, no dia seguinte, só a ideia de subir outra vez à montanha, única e exclusivamente para ver mais um templo - não. Não apetecia mesmo nada.
E fizemo-nos à estrada.
Mal acordámos, fizemo-nos à estrada.
Do hotel para a bomba de gasolina, da bomba de gasolina para um pequeno restaurante onde tomámos o pequeno-almoço, e desse restaurante para a estrada. Meta final para hoje: praia!
Queríamos acabar o dia com os pés enterrados na areia, o cheiro da maresia a enfeitar os nossos sorrisos, o jogo de luz e sombras de um coqueiro na praia... mas mal sabíamos o que nos esperava.
Mas comecemos por onde se deve começar: o princípio.
Avançámos estrada fora por uma paisagem seca e feia, algumas fábricas aqui-e-ali, a vegetação muito seca, mais camiões do que aqueles com quem gostaríamos de partilhar a estrada. O pequeno-almoço não tinha caído muito bem: o chá estava queimado e o puri parecia fora de prazo. O calor, apesar de ainda nem serem nove da manhã, era já insuportável. Não se via quase ninguém na rua, provavelmente estavam resguardados dentro de casa. Havia qualquer coisa de triste neste postal - e obviamente os nossos espíritos começaram também a ressentir-se.
Mas houve dois momentos que nos levantaram os ânimos.
Curiosamente: dois encontros no feminino.
Primeiro uma rapariga de doze anos, que trabalhava numa lojinha junto à estrada, onde parámos para pedir água e biscoitos. Falava um inglês impecável, era muito esperta e tinha muita piada. E em vez de cinco ou dez minutos ficámos ali à conversa com a miúda durante meia hora, talvez mais.
E depois o momento mais colorido do dia. Algures a meio da manhã parámos debaixo da sombra de uma árvore, para consultar o mapa e beber água - e por coincidência estava uma grupo de mulheres a plantar arroz ali ao pé.
Nem sei bem como começou. Provavelmente elas olharam para nós, nós para elas, depois dissemos adeus e elas responderam. Deve ter sido assim. Mas desta vez o momento evoluiu para algo mais. E não, não estou a falar "desse" algo mais. Calma. ;)
Uma das senhoras aproximou-se de nós e ficou a olhar para as motas, cheia de curiosidade. Eu não resisti e, sabendo que estavam o dia todo à torreira do sol, dei-lhe a minha garrafa. Ela não estava à espera, sorriu timidamente sem saber se devia aceitar, olhou para as outras no campo (como que a pedir autorização) e finalmente agarrou na água. Agradeceu, desceu até perto das outras e quase todas beberam um pouco.
A partir daqui, perderam a vergonha e vieram todas ter connosco. Nenhuma falava hindi, quanto mais inglês. Mas entre linguagem gestual, algum hindi que eu entendia e por sorte elas também, mais muito boa vontade de todas as partes... a verdade é que comunicámos, ali. E que momento tão bom. O Luís deu-lhes a experimentar os óculos escuros e os headphones, elas riam como se fôssemos uns aliens caídos do céu. Ou uns anjos. Muito, muito engraçado.
Infelizmente, o Universo tinha mais algumas surpresas para este dia - não tão coloridas, não tão alegres.
Mas deixo essas aventuras para amanhã. Estou ainda a organizar ideias e a refazer-me do choque.
1 comentário:
Encontros indianos do terceiro grau...! ;)
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