Nós três e elas duas: matemáticas à parte, somos demasiados
para um espaço tão pequeno, tão quente e tão sujo.
Mas como é que chegámos aqui?
Entrámos no prédio, portanto. Com um plano de última hora, somos
estudantes de arte e mais-isto-e-aquilo. E eis que demos de caras com uma
hijra.
"Qual é o problema?"
Não foi fácil, ao princípio. Ninguém falava mais do que duas
ou três palavras de inglês - e para ser sincero não pareciam muito interessadas
em ajudar. Depois da primeira apareceram três ou quatro, iam e vinham naquela
varanda que parecia que ia cair a qualquer momento. Tentámos explicar que
queríamos falar com alguém, mas ninguém entendia nem se esforçava para
entender. A mais velha aproximou-se e tocou com a mão direita na testa de cada
um, para nos abençoar. A mais nova parecia irritada e mandou-a voltar para
dentro - mas ela só se afastou depois de lhe passarmos para a mão um
"donativo".
E depois ficámos ali a olhar para elas, e elas a olhar para
nós, e nós a sorrir, e pouco mais.
"Art students", repetiu o Inácio.
Nada.
Finalmente tentei um bocadinho do meu hindi. Disse que
procurávamos alguém que falasse inglês, que eramos estudantes de arte e
tínhamos um projecto. Fomos levados para o segundo andar e então encontrámos
uma senhora mais velha, parecia que tinha saído do banho, a família toda à
volta:
"Qual é o problema?"
"Não há problema, somos estudantes de arte e blá, blá,
blá."
Mal percebeu o que queríamos, a senhora começou a gritar
ordens a este-e-aquele, depois mandou-nos seguir um rapaz. Corredor e escadas,
escadas e corredor, sai do prédio, entra no prédio, escadas e corredor,
corredor e prédio.
Bate a uma porta.
Estamos num dos sítios mais repugnantes onde já pousámos os
pés. O cheiro e a humidade, o calor e todos os ruídos, os olhos das pessoas por quem
passamos, a seguir-nos em silêncio. É uma espécie de pântano, este pequeno universo. E, no entanto, ouvem-se crianças a rir, algures ao longe. E o som de uma televisão, parece-me um reality show, o apresentador aos gritos e o público a aplaudir.
Sai um homem do quarto. Parece desconfiado. Começa a falar
connosco: parece uma mulher.
"Qual é o problema?"
Porque será que toda a gente acha que temos um problema? Explicámos a ladainha toda outra vez. Ele/ela pediu-nos para
esperar uma hora, porque estava a preparar-se para sair. Era prostituta.
Silêncio - mas apenas por um instante:
"Desculpe...", arriscou o Luís, "mas seria
possível acompanharmos esse processo?", e num movimento que parecia ensaiado, sacou do caderno de desenhos. "Eu sou artista e acho que poderia ser interessante
desenhar-vos enquanto se pintam e vestem. Prometo não incomodar."
Com algum drama, a hijra fez sinal de que estava a considerar e a
avaliar a nossa proposta. Perguntou quantos éramos: respondemos "três".
Mandou-nos entrar.
Nós três e elas duas. Cinco pessoas. Que calor.
3 comentários:
O caminho faz-se andando o conhecimento obtêm-se vivendo.
Jorge,
Parabéns pela crónica, muito, muito bom! Abrçao.
A coisa promete...! ;)
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