01/05/2013

AONDE É QUE NÓS ÍAMOS?

Eu cheio de dores no joelho, a descer das Torres del Paine para a ponte onde o caminho se divide: de um lado, o refúgio onde dormimos ontem; do outro, o caminho para Los Cuernos - o segundo refúgio, onde temos reserva para hoje. O Bunty segue mais à frente, porque vai buscar a mochila grande ao primeiro refúgio.

16:00
Fiquei a descansar na ponte, enquanto o Bunty foi buscar a mochila. Já estamos no limite, queríamos ter chegado aqui às três, para dar tempo de fazer tudo com calma, agora só devemos sair às quatro e meia, na melhor das hipóteses. Supostamente o caminho até ao próximo refúgio demora três a quatro horas... com o joelho assim, vamos lá ver.

16:30
Adormeci, por momentos, nas pedras junto ao rio. Acordei, molhei os pés na água gelada, outra vez. O joelho parece melhor. Não há sinais do Bunty, ele já devia estar a voltar - mas não o vejo.

16:45
Começo a ficar preocupado. O refúgio não é assim tão longe. Será que aconteceu alguma coisa? Será que se perdeu - ou talvez se tenha magoado, também. Aparecem três chilenas com quem tínhamos estado à conversa, na descida, pouco antes de me ter magoado. Não o viram.

17:00
Alguma coisa se passa. Vou voltar para o refúgio, começa a ficar tarde demais para sair para o caminho. Sapatos calçados, mochila às costas, o joelho melhorou consideravelmente - lá vou eu.

Mas nem foi preciso andar muito. Passados 300m lá o vi, de mochila às costas, a vir na minha direcção.

"O que aconteceu?"

"Chegou um grupo enorme e estavam todos a fazer check in, a miúda da recepção não podia sair para me levar ao depósito das mochilas e tive de esperar..."

Sentámo-nos junto ao rio, para ele descansar um pouco. Conversa-puxa-conversa, queres água, vai um biscoito, deixa lá ver o mapa...

17:30
Arrancámos, finalmente. O mapa "diz" que são quatro horas e meia, até Los Cuernos. Toda a gente nos disse que se faz em quatro horas. E antes do drama do joelho, acreditávamos que conseguíamos  em três e meia. A ver vamos. O jantar é servido até às 21:30... é essa a nossa meta.

Avançámos a bom ritmo, mas depressa voltaram as dores. Por sorte, o caminho era relativamente plano, a maioria das vezes - pelo menos ao longo da primeira hora. Arranjámos um pau para servir de bengala e continuámos, um pouco mais devagar, mas com confiança. O tempo estava agradável, caminhámos nas margens de um enorme lago, começavam a aparecer algumas nuvens no horizonte, mas nada demais. Sabíamos que tínhamos luz até oito, visibilidade até às oito e meia.

18:30
O sol desapareceu atrás das montanhas e a temperatura começou imediatamente a descer. O joelho está cada vez pior, conforme há mais subidas e descidas. As nuvens insistem em agrupar-se, à nossa volta, e começamos a temer por chuva. Apercebemo-nos que as chilenas não devem estar longe: às vezes ouvimo-las a falar, de vez em quando vemos pegadas molhadas nas pedras.

19:30
Não estamos a avançar ao ritmo que pensávamos estar a avançar. Ao princípio parecia que sim, pelas placas que informam sobre as distâncias; parecia que íamos mais depressa. Mas não: ainda falta muito. Ainda vamos a meio. Decidimos não acender a lanterna (só temos uma, mais os telefones!), para não ficarmos demasiado dependentes dela. Se a acendermos, passamos a ver apenas para onde aponta, tudo o resto será trevas. E sem lanterna, enquanto ainda há uma réstia de luz, os olhos habituam-se e dá para avançar.

20:30
Cada vez mais escuro, mas teimamos em não acender a lanterna. Avançamos ao mesmo ritmo que as chilenas, às vezes dá para ver as luzes das lanternas delas ao fundo. De vez em quando sinto um pingo - acho que vai começar a chover.

21:00
Acendemos as luzes. Começou a chover. O joelho dói mais do que antes. Já não vemos as chilenas em lado nenhum, e por duas vezes ficámos com a sensação que nos tínhamos perdido, mas ao vermos as marcas laranjas ficámos mais descansados. Não devíamos ter saído tão tarde.

21:30
Vemos, finalmente, as luzes do refúgio - algures entre as árvores. Aceleramos o passo, a chuva está mais forte agora mas temos a confiança e a energia reforçadas, por encontrar o refúgio. Descemos por um caminho de pedras e vamos parar à beira de um rio, as águas correm com toda a força - como atravessar? Não há uma ponte? Tem de haver uma ponte! Descemos um pouco a margem e nada. Subimos um pouco e nada. Chove cada vez mais, é impossível atravessar, que irresponsabilidade, como é que não há uma ponte aqui...

Ainda consideramos arriscar a travessia, mas é demasiado estúpido. Calma, Jorge. Calma, Bunty. Tem de haver uma solução. E as chilenas, onde estão? Não acredito que tenham atravessado o rio, assim. Está escuro, estamos cansados, chove e temos dores. Calma. Bebemos o que resta da água e decidimos subir de novo o caminho. De certeza que nos enganámos em algum lado. Temos o refúgio mesmo à nossa frente, a menos de cinquenta metros, temos de dar a volta a perceber se estamos no caminho certo.

Subimos, a custo. Estamos exaustos. Mais vinte metros e descobrimos onde nos enganámos. Há um caminho à esquerda - este, por onde viemos, é o trilho dos cavalos. Avançamos pelo novo caminho e descobrimos uma ponte. Uma ponte! Nunca fiquei tão contente por encontrar uma ponte!

4 comentários:

LV disse...

Isto é o que se chama uma verdadeira aventura .... Arriscada, mas já passou. Agora quero saber noticias desse joelho. Como tem estado?

kyta disse...

Adoro aventuras dessas. Aventura sem risco não é aventura. O Inácio não te contou uma "parecida" que tive na Amazónia peruana???? 3 horas perdido...
Boa continuação....

Clara Amorim disse...

Pois bem... Esperemos que ainda haja jantar do outro lado da ponte...! :)
E esse joelho precisa de muito descanso!!!!!!!

Fernando Martinho disse...

Lamento pelo teu joelho, espero que te recuperes rapidamente e que tudo volte ao normal para poderes seguir viagem.
Não tenho comentado, mas tenho seguido o blog e o relato das aventuras com muita atenção, em especial agora que já estás no Chile.
Continuação de boa viagem.