PUERTO NATALES BLUES

Há mais de dez mil anos, preguiças gigantes passeavam-se pela paisagem primordial da Patagónia. Este herbívoro chama-se milodon e tinha o dobro do tamanho de um humano, pêlo ruivo, o corpo de um urso e a cauda de um gigante canguru. Agora está extinto, e quem se passeia pela paisagem da Patagónia nos dias que correm, pelo menos nos últimos quatro dias, fui eu. Juntamente com o Bunty, o meu companheiro de estrada, descobrimos os pequenos pormenores desta cidade simpática e da gente chilena.

Ficámos a saber que, em 1895, o capitão Hermann Eberhard descobriu numa caverna aqui perto os restos bem preservados de um milodon. Hoje o lugar é monumento natural e o animal é a mascote oficial da cidade, com direito a referências várias na paisagem urbana... curiosamente, e vá-se lá perceber porquê, com destaque para os taxistas - mas os tais restos do bicho estão longe, muito longe, no British Museum.

Também assistimos ao drama do Pastor Cid - um daqueles auto-proclamados profetas da televisão e dos milagres - a ameaçar suicidar-se em directo, depois de ter sido acusado de abuso sexual de um menor. Dez minutos de entrevista ao programa da manhã: o acusado com uma pistola apontada à garganta, lágrimas e gritos e acusações - um espectáculo repetido à exaustão -, para finalmente ser atirado ao chão por vários homens fardados, que depois o levaram algemado.

Passaram num instante, estes quatro dias em Puerto Natales. Entre os pequenos-almoços a inteirar-me dos escândalos e cusquices côr-de-rosa na televisão, manhãs a escrever, a organizar fotografias e conteúdos, a pôr-me a par das novidades de família e amigos; passeios pela cidade à tarde e muito, muito descanso - como disse antes, sabe bem fazer quase nada, de vez em quando.

O Bunty cortou o cabelo, meia-cidade está em obras, experimentámos as empanadas, conversámos com os locais sobre as aspirações a uma auto-determinação da XII Región de Magallanes y de la Antártica Chilena... e entretanto o meu joelho melhorou ligeiramente, mas ainda me dói a andar. Que frustração. Espero que não comprometa o resto da viagem.

Por enquanto, sem dramas maiores. Uma chatice, mais do que tudo. Mas já teve influência numa decisão.

Entre as várias hipóteses "colocadas na mesa", escolhemos seguir um pouco mais para sul e depois voar directamente para Buenos Aires. É extraordinário: depois de várias pesquisas na net e nos guias, pedidos de informações nas agências de transportes e obviamente tendo em conta variáveis como o joelho ou "o que te apetece mais fazer", descobrimos na net voos baratos para Buenos Aires - muito mais baratos do que o autocarro!

Vamos para Punta Arenas, portanto. Vamos dar uma espreitadela ao Estreito de Magalhães, esse lugar de tão grande importância simbólica para qualquer viajante. Depois reentramos na Argentina, rumo a Rio Gallegos, onde apanhamos finalmente o avião para Buenos Aires. E em vez de passarmos três dias e duas noites sobre rodas, cumprimos a distância em três horas - e ganhamos o tempo restante para as outras voltas, aqui em baixo.