Havia crianças a correr de um lado para o outro, velhotas sentadas nos degraus, raparigas a vender cremes milagrosos às pessoas que esperavam nas filas, jovens rebeldes de headphones nos ouvidos a abanar o capacete, mães a dar de mamar a bebés que não paravam de chorar - e tenho a sensação, não posso jurar mas tenho quase a certeza que vi uma família a fazer um piquenique, algures num corredor.
Esperámos numa fila que demorou a avançar, mas
despachámo-nos mais depressa do que chegámos a temer. A senhora que faz o
rastreio explicou-nos a que zona do edifício nos devíamos dirigir, e porque a
informação na internet era um bocado contraditória, confirmámos quais os
documentos que era preciso entregar. Faltava qualquer coisa - não me lembro o
quê - por isso voltámos para a rua, procurámos um cybercafe e imprimimos o
que faltava imprimir.
Ah: e era preciso uma fotografia com fundo vermelho.
A sério.
Já tínhamos tentado em várias lojas e estúdios e ninguém nos
fazia tal coisa - mas, curiosamente, no cyber onde imprimimos a papelada em
falta havia uma parede vermelha. Quando abordada sobre o assunto, a menina do
balcão explicou logo que aquela parede servia de fundo para as fotos da
Embaixada da Bolívia. E assim foi: quando já tínhamos desistido do fundo
vermelho e estávamos prontos para enfrentar a ira dos bolivianos por só termos
uma foto com fundo branco, eis que surgiu o cyber-salvação.
Voltámos à Embaixada com os papéis todos que nos tinham sido
pedidos, seja pelo site oficial como pela menina do rastreio. Avançámos na
direcção que nos fora indicada e sentámo-nos à espera que chegasse a nossa vez.
Neste ponto tenho que chamar a atenção para um pormenor: o
Bunty trazia no bolso um papelinho com um nome que lhe tinha sido recomendado
por outro indiano que tinha estado a viajar por aqui. Supostamente este senhor
era uma simpatia, tinha tratado de tudo com muita rapidez e eficácia - e nós vínhamos
com a expectativa de repetir a experiência do amigo do Bunty.
Quando finalmente chegou a nossa vez, apercebemo-nos logo
que não ia ser assim tão romântico, o filme.
Fomos despachados com o desdém que se dá a alguém que se
despreza profundamente.
Inacreditável. O senhor nem olhou para os papéis que lhe
estávamos a entregar, pura e simplesmente empurrou-os na nossa direcção e
acrescentou ao monte uma meia folha A4, rasgada ao meio à nossa frente, com uma
lista de coisas que tínhamos de trazer. E com todas as palavras, mandou-nos
sair da sala. Explicámos-lhe que trazíamos os papéis todos que nos tinham sido
pedidos no site, mas ele insistiu que isso não chegava. Queria uma declaração
da polícia indiana a certificar que o Bunty não tinha qualquer registo criminal.
Tentámos conversar, explicar algumas coisas sobre como as coisas funcionam na
Índia (por um lado, este tipo de procedimento só se pode fazer na presença da
própria pessoa; por outro, na Índia só são dados passaportes a pessoas com o
registo criminal limpo), mas sem sucesso.
Desapareçam!, foi o que disse (mal) disfarçado de outras
palavras.
Saímos revoltados da Embaixada, como é que isto é possível,
como é que vamos resolver esta situação, ninguém na Índia me vai passar este
papel, e mesmo que eu tivesse registo criminal, desde que tivesse cumprido o
que tinha a cumprir, porque não haveria de entrar na Bolív...
Espera lá!
O papelinho no bolso!
Lemos o nome: não tinha nada a ver com aquele que estava
impresso na secretária do senhor. Decidimos voltar à carga.
Entrámos novamente na Embaixada, agora com outra
determinação, mas ao mesmo tempo algum receio. Embaixada é Embaixada, e por
muita razão que tenhamos, se não nos quiserem ajudar não há como dar a volta.
Perguntámos pelo nome escrito no papelinho e mandaram-nos
bater à porta do gabinete do consul. Exactamente: o próprio. Espera mais um
bocadinho... e eis-nos frente-a-frente com o excelentíssimo engravatado. Apresentámos-lhe a situação, dissemos inclusivé que já tínhamos sido recebidos
pelo outro senhor... não há problema, expliquem-me lá o que se passa... um sorriso - um sorriso sincero, mas que pouco podia fazer por nós.
Respondeu-nos que o registo criminal era obrigatório no processo de emissão de
visto - e muito cordialmente explicou-nos como é que podíamos tratar do assunto. Levou-nos para outra sala, pediu à menina atrás da
secertária para procurar o número de telefone da Embaixada da Índia e:
"Telefonem para lá, que eles conseguem resolver isso de
hoje para amanhã. E depois voltam cá com essa papelada e fazemos o visto num
instante."
Que espectáculo. A diferença de um sorriso para umas
trombas.
Mas o filme ainda não tinha acabado. O senhor consul
retirou-se e ficámos a sós com a rapariga. Ela toda sorrisos também, a folhear
agendas e dossiers à procura do tal número... quando de repente entra o outro
homem. O que nos tinha atendido primeiro. O que nos tinha mandado embora.
"Mas o que é que vocês estão a fazer aqui?!"
Nem respondemos. A rapariga tentou ajudar-nos e explicou que
o senhor consul tinha pedid...
"O senhor consul não manda aqui! Estes senhores se
quiserem falar com a Embaixada deles, vão à Embaixada deles. O visto da Bolívia
é gratuito, não têm de utilizar quaisquer serviços da nossa Embaixada, isto e
aquilo, e eu sou uma besta quadrada, um anormal de gravata a fingir que é importante,
um pequeno poder transformado por complexos ditatoriais..."
E foi assim que fomos expulsos da Embaixada. Impressionante:
em vez de braços abertos e um "bienvenidos a Bolivia" na ponta da língua: insultos e pedras.
Convictos que já não tinhamos quaisquer hipóteses de obter aqui um visto, desistimos. Havia ainda um consulado em Santiago do Chile - com sorte, conseguiremos lá o visto. Com azar, a Bolívia fica para outra viagem.
Convictos que já não tinhamos quaisquer hipóteses de obter aqui um visto, desistimos. Havia ainda um consulado em Santiago do Chile - com sorte, conseguiremos lá o visto. Com azar, a Bolívia fica para outra viagem.
2 comentários:
Resumindo... Este foi mesmo um dia para esquecer...!
E melhor sorte para as próximas Embaixadas!!!!!!!!
Que filme .... A ver se vão ou não à Bolívia. Por este primeiro encontro a vntade já não deve ser muita. :)
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