28/05/2013

DRAMAS COM AS EMBAIXADAS - EPISÓDIO 352.722 (BOLÍVIA)

Quanto entrámos na Embaixada da Bolívia, foi como se tivéssemos atravessado um portal para outra dimensão. Neste edifício enorme e antigo as pessoas eram todas muito mais baixas que nós, por exemplo. Se por um lado nos sentíamos pequenos naqueles longos corredores e escadarias de tectos altíssimos; por outro parecíamos gigantes, rodeados por aquela paisagem de caras andinas.

Havia crianças a correr de um lado para o outro, velhotas sentadas nos degraus, raparigas a vender cremes milagrosos às pessoas que esperavam nas filas, jovens rebeldes de headphones nos ouvidos a abanar o capacete, mães a dar de mamar a bebés que não paravam de chorar - e tenho a sensação, não posso jurar mas tenho quase a certeza que vi uma família a fazer um piquenique, algures num corredor.

Esperámos numa fila que demorou a avançar, mas despachámo-nos mais depressa do que chegámos a temer. A senhora que faz o rastreio explicou-nos a que zona do edifício nos devíamos dirigir, e porque a informação na internet era um bocado contraditória, confirmámos quais os documentos que era preciso entregar. Faltava qualquer coisa - não me lembro o quê - por isso voltámos para a rua, procurámos um cybercafe e imprimimos o que faltava imprimir.

Ah: e era preciso uma fotografia com fundo vermelho.

A sério.

Já tínhamos tentado em várias lojas e estúdios e ninguém nos fazia tal coisa - mas, curiosamente, no cyber onde imprimimos a papelada em falta havia uma parede vermelha. Quando abordada sobre o assunto, a menina do balcão explicou logo que aquela parede servia de fundo para as fotos da Embaixada da Bolívia. E assim foi: quando já tínhamos desistido do fundo vermelho e estávamos prontos para enfrentar a ira dos bolivianos por só termos uma foto com fundo branco, eis que surgiu o cyber-salvação.

Voltámos à Embaixada com os papéis todos que nos tinham sido pedidos, seja pelo site oficial como pela menina do rastreio. Avançámos na direcção que nos fora indicada e sentámo-nos à espera que chegasse a nossa vez.

Neste ponto tenho que chamar a atenção para um pormenor: o Bunty trazia no bolso um papelinho com um nome que lhe tinha sido recomendado por outro indiano que tinha estado a viajar por aqui. Supostamente este senhor era uma simpatia, tinha tratado de tudo com muita rapidez e eficácia - e nós vínhamos com a expectativa de repetir a experiência do amigo do Bunty.

Quando finalmente chegou a nossa vez, apercebemo-nos logo que não ia ser assim tão romântico, o filme.

Fomos despachados com o desdém que se dá a alguém que se despreza profundamente.

Inacreditável. O senhor nem olhou para os papéis que lhe estávamos a entregar, pura e simplesmente empurrou-os na nossa direcção e acrescentou ao monte uma meia folha A4, rasgada ao meio à nossa frente, com uma lista de coisas que tínhamos de trazer. E com todas as palavras, mandou-nos sair da sala. Explicámos-lhe que trazíamos os papéis todos que nos tinham sido pedidos no site, mas ele insistiu que isso não chegava. Queria uma declaração da polícia indiana a certificar que o Bunty não tinha qualquer registo criminal. Tentámos conversar, explicar algumas coisas sobre como as coisas funcionam na Índia (por um lado, este tipo de procedimento só se pode fazer na presença da própria pessoa; por outro, na Índia só são dados passaportes a pessoas com o registo criminal limpo), mas sem sucesso.

Desapareçam!, foi o que disse (mal) disfarçado de outras palavras.

Saímos revoltados da Embaixada, como é que isto é possível, como é que vamos resolver esta situação, ninguém na Índia me vai passar este papel, e mesmo que eu tivesse registo criminal, desde que tivesse cumprido o que tinha a cumprir, porque não haveria de entrar na Bolív...

Espera lá!

O papelinho no bolso!

Lemos o nome: não tinha nada a ver com aquele que estava impresso na secretária do senhor. Decidimos voltar à carga.

Entrámos novamente na Embaixada, agora com outra determinação, mas ao mesmo tempo algum receio. Embaixada é Embaixada, e por muita razão que tenhamos, se não nos quiserem ajudar não há como dar a volta.

Perguntámos pelo nome escrito no papelinho e mandaram-nos bater à porta do gabinete do consul. Exactamente: o próprio. Espera mais um bocadinho... e eis-nos frente-a-frente com o excelentíssimo engravatado. Apresentámos-lhe a situação, dissemos inclusivé que já tínhamos sido recebidos pelo outro senhor... não há problema, expliquem-me lá o que se passa... um sorriso - um sorriso sincero, mas que pouco podia fazer por nós. Respondeu-nos que o registo criminal era obrigatório no processo de emissão de visto - e muito cordialmente explicou-nos como é que podíamos tratar do assunto. Levou-nos para outra sala, pediu à menina atrás da secertária para procurar o número de telefone da Embaixada da Índia e:

"Telefonem para lá, que eles conseguem resolver isso de hoje para amanhã. E depois voltam cá com essa papelada e fazemos o visto num instante."

Que espectáculo. A diferença de um sorriso para umas trombas.

Mas o filme ainda não tinha acabado. O senhor consul retirou-se e ficámos a sós com a rapariga. Ela toda sorrisos também, a folhear agendas e dossiers à procura do tal número... quando de repente entra o outro homem. O que nos tinha atendido primeiro. O que nos tinha mandado embora.

"Mas o que é que vocês estão a fazer aqui?!"

Nem respondemos. A rapariga tentou ajudar-nos e explicou que o senhor consul tinha pedid...

"O senhor consul não manda aqui! Estes senhores se quiserem falar com a Embaixada deles, vão à Embaixada deles. O visto da Bolívia é gratuito, não têm de utilizar quaisquer serviços da nossa Embaixada, isto e aquilo, e eu sou uma besta quadrada, um anormal de gravata a fingir que é importante, um pequeno poder transformado por complexos ditatoriais..."

E foi assim que fomos expulsos da Embaixada. Impressionante: em vez de braços abertos e um "bienvenidos a Bolivia" na ponta da língua: insultos e pedras.

Convictos que já não tinhamos quaisquer hipóteses de obter aqui um visto, desistimos. Havia ainda um consulado em Santiago do Chile - com sorte, conseguiremos lá o visto. Com azar, a Bolívia fica para outra viagem.

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Resumindo... Este foi mesmo um dia para esquecer...!
E melhor sorte para as próximas Embaixadas!!!!!!!!

LV disse...

Que filme .... A ver se vão ou não à Bolívia. Por este primeiro encontro a vntade já não deve ser muita. :)