Esperem lá! Alto e pára o baile!
Já ia aqui "todo lançado" com os discursos das Mães de Maio - e quase que ia deixando passar o festival a que assistimos na noite anterior.
Já ia aqui "todo lançado" com os discursos das Mães de Maio - e quase que ia deixando passar o festival a que assistimos na noite anterior.
Como é que ainda não tinha falado aqui do festival?
Pois é: antes de vermos as Mães de Maio ao vivo
na Plaza de Mayo, fomos a um festival rock. Chamava-se "El Festival Mas
Grande" e tinha um cartaz bem simpático... mas em infra-estruturas:
coitadinho. Condições de segurança quase mínimas, muito poucas casas-de-banho,
ainda menos restauração, e diz-quem-sabe que havia meia dúzia de médicos para os
mais de sessenta mil presentes. Enfim.
Por causa da chuva forte dos últimos dias, a zona do
festival estava cheia de gigantes poças de lama, autênticas piscinas. Vi muita
gente de "galochas", outros com sacos de plástico a embrulhar os pés
- mas a maioria das pessoas teve mesmo de aceitar o facto de que ia voltar com
sapatos e calças à Woodstock.
E apesar das condições, vi pessoas de canadianas, de
cadeiras de rodas - e vi um cego! Um cego que veio "assistir" a um
concerto de Pearl Jam. Inacreditável.
Quanto ao festival propriamente dito: chegámos atrasados a
Two Door Cinema Club, por causa das longas filas para levantar o bilhete e da
animada conversa que tivemos com a menina da bilheteira, que enquanto alguém
reparava a impressora avariada, quis saber como é que um português e um indiano
estavam a viajar juntos, e ficou muito surpreendida quando soube que nos
tínhamos conhecido no Vietname.
Atrasados para Two Door Cinema Club, portanto. Mas a tempo
de assistir ao energético concerto dos The Hives, sem dúvida um dos melhores da
noite. Conhecia bem os álbuns, mas era a primeira vez que os via ao vivo - e
foi realmente muito bom. Um bocado cansativos, entre músicas, sempre aos
gritos, a dizer que eram a melhor banda do mundo, e que este era o melhor
concerto do mundo, e vocês não acham que somos os melhores do mundo, e se
quiserem tocamos mais uma, mais duas, mais dez mil canções, cantamos toda a
noite, porque somos os melhores, vocês estavam à espera que fossemos tão
bons?... hmmm, ok. Menos.
Depois foi a vez dos Hot Chip. Confesso que tinha grandes
expectativas, mas entraram muito tímidos e o arranque do concerto foi muito
pouco interessante. Principalmente depois daquele fogo-de-artifício de rock que
foram os The Hives. Acabámos por ir comprar comida a meio do concerto, sempre
com vista para o que se passava no palco... mas pouco se passava no palco. Ok:
a meio-concerto começou a aquecer - e quando finalmente voltámos para o meio da
(pequena) multidão, já as coisas estavam mais quentes. De qualquer maneira: não
foi um concerto por-aí-além.
Também tinha expectativas altas para o concerto de The Black
Keys, apesar de nem conhecer a fundo a banda. Mas v
ários
amigos me tinham recomendado o concerto... enfim, foi um bom espectáculo, mas nada
de extraordinário.
Já Pearl Jam... eu sabia bem ao que vinha. São a minha banda
preferida de todos os tempos, oiço-os há mais de vinte anos, vi-os
variadíssimas vezes ao vivo. Mas nada podia prever a loucura do público
argentino.
Deixem-me contextualizar primeiro: o Bunty tinha insistido
em irmos para a frente, porque queria ver bem o concerto. Eu tentei que não
ficássemos demasiado à frente, não me apetecia estar no meio da confusão... mas
a pontaria foi tal, que ao fim de três musicas já estávamos a tentar furar a
multidão no sentido contrário do palco. A sério: nunca vivi nada assim. Juro
que tive medo que acontecesse alguma tragédia, cheguei a não sentir o chão
debaixo dos meus pés, cheguei a estar inclinado quarenta e cinco graus, ora
para um ladol ora para o outro, a multidão completamente descontrolada... e eu
e as duzentas pessoas coladas a mim, e às cotoveladas à minha volta... isto não
vai acabar bem, isto não vai acabar bem...
Mas acabou. Acabou em grande. Começámos por encontrar um
lugar mais atrás com espaço suficiente para respirarmos. Entretanto o Eddie
Vedder mandou parar o concerto duas ou três vezes, pedindo para as pessoas
terem calma e respeitarem o espaço dos outros, para darem dois passos atrás,
etc, etc. E também falou na tragédia de La Plata - mas na altura não fazíamos
ideia do que se estava a passar. Tínhamos ouvido a chuva, em casa. Tínhamos
ouvido ambulâncias. Sabíamos que tinha havido cheias e ouviramos falar de cinco
ou seis mortos. Mas não demos por muita confusão, durante o dia.
Só no dia seguinte, quando as Mães de Maio voltaram a tocar
no assunto, é que nos apercebemos que alguma coisa de muito grave se tinha
passado.
Mas voltando ao concerto: épico. O Eddie a cantar em
espanhol. O Eddie de binóculos a "mirar" o público. O público! O
público cantava todas as músicas, cantava até os acordes das guitarras.
Incansável, incrível, único.
Estávamos estafados. Nada de surpreendente, claro. Mas pouco
animador, principalmente quando nos apercebemos que não havia transportes
daquela zona para o centro, àquela hora. Fomos andando, portanto. Daqui a nada
apanhamos um autocarro. Há-de haver autocarros. Não há? A esta hora não há. E
mais tarde? Só de madrugada? Podemos esperar nos passeios, como tantos outros
milhares. Não: descansamos um pouco e já avançamos. Chamamos um táxi? Não há
táxis. Todos ocupados. Espera lá: vem aí um. Pára antes de nós, outros
festivaleiros tiveram mais sorte. Discussão à janela. O que é que se passa? O
taxista a mandar vir, as pessoas a mandar vir, o taxista arranca e desistimos
de ir de taxi. Os taxistas de Buenos Aires são famosos pelos esquemas. As
voltas com vista. As notas falsas. Não: vamos a pé. Devagar. Paramos de vez em
quando, se for preciso.
Demorámos mais de duas horas para chegar a casa. Sim:
voltámos a pé. Nós e outros muitos milhares, caminhando com os sapatos e as calças cheias de
lama pela cidade grafittada.
1 comentário:
Bem, neste caso, ocorre-me dizer - quem é entalado por gosto não sofre de falta de ar...! ;)
Mas foi uma aventura musical única, sem dúvida!!!
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