27/05/2013

LAMA & ROCK N' ROLL

Só quando as Mães de Maio alertaram as pessoas para serem mais activas na solidariedade para com as vítimas das cheias de La Plata, é que nos começámos a aperceber da dimensão do que se tinha passado, praticamente "à nossa porta". O Eddie Vedder tinha mencionado o drama no concerto, mas nessa alt...

Esperem lá! Alto e pára o baile!

Já ia aqui "todo lançado" com os discursos das Mães de Maio - e quase que ia deixando passar o festival a que assistimos na noite anterior.

Como é que ainda não tinha falado aqui do festival?

Pois é: antes de vermos as Mães de Maio ao vivo na Plaza de Mayo, fomos a um festival rock. Chamava-se "El Festival Mas Grande" e tinha um cartaz bem simpático... mas em infra-estruturas: coitadinho. Condições de segurança quase mínimas, muito poucas casas-de-banho, ainda menos restauração, e diz-quem-sabe que havia meia dúzia de médicos para os mais de sessenta mil presentes. Enfim.

Por causa da chuva forte dos últimos dias, a zona do festival estava cheia de gigantes poças de lama, autênticas piscinas. Vi muita gente de "galochas", outros com sacos de plástico a embrulhar os pés - mas a maioria das pessoas teve mesmo de aceitar o facto de que ia voltar com sapatos e calças à Woodstock.

E apesar das condições, vi pessoas de canadianas, de cadeiras de rodas - e vi um cego! Um cego que veio "assistir" a um concerto de Pearl Jam. Inacreditável.

Quanto ao festival propriamente dito: chegámos atrasados a Two Door Cinema Club, por causa das longas filas para levantar o bilhete e da animada conversa que tivemos com a menina da bilheteira, que enquanto alguém reparava a impressora avariada, quis saber como é que um português e um indiano estavam a viajar juntos, e ficou muito surpreendida quando soube que nos tínhamos conhecido no Vietname.

Atrasados para Two Door Cinema Club, portanto. Mas a tempo de assistir ao energético concerto dos The Hives, sem dúvida um dos melhores da noite. Conhecia bem os álbuns, mas era a primeira vez que os via ao vivo - e foi realmente muito bom. Um bocado cansativos, entre músicas, sempre aos gritos, a dizer que eram a melhor banda do mundo, e que este era o melhor concerto do mundo, e vocês não acham que somos os melhores do mundo, e se quiserem tocamos mais uma, mais duas, mais dez mil canções, cantamos toda a noite, porque somos os melhores, vocês estavam à espera que fossemos tão bons?... hmmm, ok. Menos.

Depois foi a vez dos Hot Chip. Confesso que tinha grandes expectativas, mas entraram muito tímidos e o arranque do concerto foi muito pouco interessante. Principalmente depois daquele fogo-de-artifício de rock que foram os The Hives. Acabámos por ir comprar comida a meio do concerto, sempre com vista para o que se passava no palco... mas pouco se passava no palco. Ok: a meio-concerto começou a aquecer - e quando finalmente voltámos para o meio da (pequena) multidão, já as coisas estavam mais quentes. De qualquer maneira: não foi um concerto por-aí-além.

Também tinha expectativas altas para o concerto de The Black Keys, apesar de nem conhecer a fundo a banda. Mas varios﷽﷽﷽﷽﷽nem conhecer a fundo a banda. Mas vo pali, voccamos mais uma, mais duas, mais dez mil canç do mundo, e voc enquanto alários amigos me tinham recomendado o concerto... enfim, foi um bom espectáculo, mas nada de extraordinário.

Já Pearl Jam... eu sabia bem ao que vinha. São a minha banda preferida de todos os tempos, oiço-os há mais de vinte anos, vi-os variadíssimas vezes ao vivo. Mas nada podia prever a loucura do público argentino.

Deixem-me contextualizar primeiro: o Bunty tinha insistido em irmos para a frente, porque queria ver bem o concerto. Eu tentei que não ficássemos demasiado à frente, não me apetecia estar no meio da confusão... mas a pontaria foi tal, que ao fim de três musicas já estávamos a tentar furar a multidão no sentido contrário do palco. A sério: nunca vivi nada assim. Juro que tive medo que acontecesse alguma tragédia, cheguei a não sentir o chão debaixo dos meus pés, cheguei a estar inclinado quarenta e cinco graus, ora para um ladol ora para o outro, a multidão completamente descontrolada... e eu e as duzentas pessoas coladas a mim, e às cotoveladas à minha volta... isto não vai acabar bem, isto não vai acabar bem...

Mas acabou. Acabou em grande. Começámos por encontrar um lugar mais atrás com espaço suficiente para respirarmos. Entretanto o Eddie Vedder mandou parar o concerto duas ou três vezes, pedindo para as pessoas terem calma e respeitarem o espaço dos outros, para darem dois passos atrás, etc, etc. E também falou na tragédia de La Plata - mas na altura não fazíamos ideia do que se estava a passar. Tínhamos ouvido a chuva, em casa. Tínhamos ouvido ambulâncias. Sabíamos que tinha havido cheias e ouviramos falar de cinco ou seis mortos. Mas não demos por muita confusão, durante o dia.

Só no dia seguinte, quando as Mães de Maio voltaram a tocar no assunto, é que nos apercebemos que alguma coisa de muito grave se tinha passado.

Mas voltando ao concerto: épico. O Eddie a cantar em espanhol. O Eddie de binóculos a "mirar" o público. O público! O público cantava todas as músicas, cantava até os acordes das guitarras. Incansável, incrível, único.

Ao fim de quase três horas, juntámo-nos aos outros mais de sessenta mil para tentar sair do recinto, num pára-arranca desesperante, havia uma saída mínima para toda aquela gente, e muito depressa começaram-se a ouvir barulhos vindos do muro de contraplacado que separava a multidão na rua. Pontapés e murros, empurrões - e foi abaixo. O muro deixou de ser muro e as pessoas começaram então a sair para a rua. Que confusão. Que perigo.

Estávamos estafados. Nada de surpreendente, claro. Mas pouco animador, principalmente quando nos apercebemos que não havia transportes daquela zona para o centro, àquela hora. Fomos andando, portanto. Daqui a nada apanhamos um autocarro. Há-de haver autocarros. Não há? A esta hora não há. E mais tarde? Só de madrugada? Podemos esperar nos passeios, como tantos outros milhares. Não: descansamos um pouco e já avançamos. Chamamos um táxi? Não há táxis. Todos ocupados. Espera lá: vem aí um. Pára antes de nós, outros festivaleiros tiveram mais sorte. Discussão à janela. O que é que se passa? O taxista a mandar vir, as pessoas a mandar vir, o taxista arranca e desistimos de ir de taxi. Os taxistas de Buenos Aires são famosos pelos esquemas. As voltas com vista. As notas falsas. Não: vamos a pé. Devagar. Paramos de vez em quando, se for preciso.

Demorámos mais de duas horas para chegar a casa. Sim: voltámos a pé. Nós e outros muitos milhares, caminhando com os sapatos e as calças cheias de lama pela cidade grafittada.

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Bem, neste caso, ocorre-me dizer - quem é entalado por gosto não sofre de falta de ar...! ;)
Mas foi uma aventura musical única, sem dúvida!!!