"O gajo tem qualquer coisa no bolso!"
Afastei-me imediatamente e o marroquino libertou-se de nós dois. Desatou a correr pela rua abaixo, já não o conseguimos apanhar. Vamos atrás dele? Vamos atrás do Inácio? A polícia, onde está a polícia? Na altura, a quente, era difícil avaliar, reagir, resolver. Tantas coisas nos passaram pela cabeça, mas numa primeira instância foi a fraternidade quem se fez valer. A solidariedade entre irmãos, uma espécie de espírito de matilha:
"O Inácio? Ele foi sozinho ter com o outro matulão... vamos atrás dele!"
O ladrão desaparecera de vista, entretanto. Saímos da direcção contrária e fomos encontrar, pouco mais à frente, o Inácio a discutir com o outro marroquino. Chamava-se Hassan, soubemos depois. O Hassan insistia que não tinha nada a ver com aquilo, que estava no café, ou a ir para o café, ou a voltar do café, já nem sei bem, e que fora abordado pelo outro.
"Eu sou casado com uma portuguesa, eu não quero problemas", eu-isto-e-aquilo, tinha ar de ser inocente, de estar no lugar errado à hora errada, mas que era suspeito: era. O Inácio pedia-lhe apenas que nos ajudasse, que viesse falar com a polícia para ver se identificávamos o outro. Tudo na boa, sem acusações - mas o outro recusava-se, jogava à defesa, estava visivelmente assustado, começou a tirar a carteira e o telefone e tudo o que tinha nos bolsos, a pô-los nas mãos do Inácio, "eu sou inocente, eu só queria sair dali porque não tinha nada a ver".
Que confusão.
E no meio disto tudo eu comecei a afastar-me, porque continuava convencido que o dono do café estava envolvido no esquema e não queria deixar de ter a montra e a porta ao alcance do olhar. Mas de repente um carro parou ao meu lado! Era o mesmo carro que estava parado no jardim desde o início, agora com dois homens lá dentro, com ar rufião, aqui no Porto chamam-lhe "gunas", penso que é assim.
"Agora vou ser eu assaltado", pensei.
Nada disso.
"Olha, o gajo que vos assaltou já está ali a rondar o café outra vez."
E arrancaram.
Largámos o suspeito-de-cúmplice e largámos a correr para junto do café. As portas estavam fechadas, as luzes apagadas, mas lá dentro o dono espreitava na nossa direcção. Ficámos arados do outro lado da rua, ele a olhar para nós, nós a olhar para ele, a polícia deve estar quase a chegar.
E assim foi.
Pouco depois estava um carro da polícia a estacionar junto a nós. O Tiago e o Inácio explicaram a situação, enquanto eu mantinha a porta debaixo de olho. Depois fiquei com o Tiago a meia-distância, para não atrapalharmos a acção dos agentes, e estes dirigiram-se com o Inácio até à porta do Gabero - nunca me esquecerei deste nome. Pediram ao dono que a abrisse. E não sei o que ele respondeu, mas foi preciso eles insistirem várias vezes, com um ar indignado que já roçava a ameaça, "mas você está a dizer que se recusa a abrir a porta à polícia?!".
A porta abriu-se.
Trocaram-se versões e acusações, o senhor ao ataque e só a custo deixou que lhe revistassem o café. Não estava mais ninguém lá dentro. E por muito que a própria polícia o acusasse de ter sido um mau cidadão e de não ter qualquer espírito de civismo e solidariedade, o facto é que ele não cedia. O Inácio, que já frequentara o café com amigos, lá tentava reavivar a memória ao senhor, "o senhor conhece-me, ainda por cima", mas muito sinceramente acho que a questão aqui nem era o conhecer ou não conhecer. A mim custa-me conceber que - a não ser que estivesse envolvido com o ladrão -, o homem tenha reagido daquela forma. Não só recusou ajudar-nos, apesar das súplicas e de o confrontarmos com as consequências dessa recusa, como nos atacou verbalmente e ameaçou chamar a polícia... para nos prender a nós!
Enfim, continuando: o senhor levou com uma reprimenda muito bem argumentada pelos agentes, e visto que não havia muito mais a fazer, saímos dali. Tínhamos recuperado as duas carteiras e o telefone - menos mal. Faltava a mala propriamente dita, as chaves de casa, as chaves do carro, remédios e papelada menor. E faltava apanhar o ladrão.
Entretanto tinha aparecido mais uma viatura à paisana, com dois agentes vestidos à civil. E sem que sugeríssemos fosse-o-que-fosse, demos por nós a entrar nos carros para ir fazer umas rondas e tentar identificar o marroquino. Eu e o Inácio no carro da polícia, o Tiago com o outro à paisana.
Separámo-nos.
Durante a viagem descrevemos o homem fisicamente. Feições, altura, como estava vestido. Os agentes transmitiram a informação por rádio. Nesta altura começávamos a pôr algumas ideias em ordem. Os agentes disseram-nos que "deviam ter tirado o indivíduo cá para fora, metiam-lhe uns socos de maneira a deixá-lo no chão que a gente depois tratava do assunto". Mas na altura não nos passou isso pela cabeça. Só queríamos segurar nele até à polícia chegar. A polícia resolve, é o que estamos sempre a ouvir. Não faças justiça com as tuas mãos.
E depois apercebemo-nos de outro pormenor, no mínimo, caricato:
No meio do stress todo de agarrar o ladrão, tirar-lhe o iphone do Inácio, a carteira da Leninha, etc e tudo o mais... tínhamos agarrado na carteira dele, e no telefone dele... e devolvemos-lhe!
Rimos com a situação, que estupidez, fomos uns meninos, os polícias a dar dicas... e de repente uma voz no rádio diz "já o apanhámos!"
O quê?!
"Já o apanhámos. Venham ter connosco ao Marquês."
A terceira e última parte desta odisseia vem já a seguir, tenho de descansar os dedos de tanto teclar ;)
1 comentário:
Ainda bem que já lá está a 3a parte, estou a vobrar com esta aventura
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