08/10/2014

O PIOR TIMING POSSÍVEL

PARTE 4: A CHEGADA

Diz o Ahmed:

"Não vale a pena termos esperança de que algo bom ainda vai acontecer. Hoje é daqueles dias em que quando parece que não pode piorar, alguma coisa acontece ainda mais horrível."

Vira a boca pra lá, ó amigo da terra das pirâmides. Estamos dentro do barco, quase-quase a ir embora, ou assim parece - e tu vens com maldições faraónicas e profecias de algibeira? Imagino logo o barco a parar a meio da viagem, uma chuvada bíblica e nós a afundar; ou um ataque coordenado de tubarões, ou de piratas, ou... ainda pior: de extraterrestres.

Nada disso: eu mantenho a esperança!

Mesmo depois de tudo o que passámos desde que saímos de Kuala Lumpur, e apesar de já serem quatro da tarde e pouco restar que se aproveite: eu mantenho a esperança! Eu continuo a almejar por um mergulho no mar, eu sonho com o momento em que toda esta tensão, todas estas frustrações e ansiedades - tudo isto vai desaparecer como que por magia, no momento em que mergulhar na Long Beach.

O barco arrancou e apesar de uma ou outra selfie, de sorrisos de cumplicidade e algumas palavras trocadas, cumprimos esta última etapa quase toda em silêncio, pensativos, como que a tirar conclusões onde elas não têm de existir. O dia acabou por ser quase todo desperdiçado - azar. Aproveita-se ao dobro o de amanhã, se for preciso.

A viagem demorou o que era suposto demorar. Sem inesperados nem insólitos, sem surpresas nem eu-n-ao-disses.

Parámos primeiro na Coral Bay para largar duas pessoas, pouco depois estávamos ao largo de Long Beach, o nosso destino.

Passámos para o barquito a motor que nos levou à praia. E juro que quase que chorava, quando ao sair da embarcação enfiei finalmente o pé na água e senti os dedos enfiarem-se na areia.

Tudo está bem quando acaba bem?

Mas quem disse que já acabou? Isto só acaba quando eu estiver todo dentro de água, já disse.

Conseguimos dois bungalows no D'Rock, o mesmo onde fiquei das outras vezes que aqui estive. Boa vista, varandas largas, camas limpas. E muito em conta.

"Encontramo-nos daqui a cinco minutos, rapazes."

"Vamos só pôr os calções e estamos prontos," respondeu-me o Omar.

"Óptimo, que estão a aparecer umas nuvens e é melhor despacharmo-nos. Era só o que faltava, começar a chover antes de entrarmos na água."

Nem dois minutos depois estávamos os três a sair dos bungalows de fato-de-banho e mais-nada, em passo acelerado para a praia, descendo os degraus de dois-em-dois, a rir e a dizer coisas parvas. Nem queríamos acreditar que estávamos prestes a mergulhar. Juro que sentia o coração mais inchado, como se não coubesse dentro do peito, como se fosse difícil de respirar. Não conseguia parar de rir. Mas de repente o céu fez-se negro, assim do nada, como se as nuvens se tivessem escondido atrás das palmeiras à espera que aparecessemos na praia... e assim sem-mais-nem-menos, sem-menos-nem-mais, porque o destino quis que fosse-o-que-vai-ser, ou deus e os anjinhos, os santos e as superstições: catrapum! Uma carga de água daquelas que "abrem" telejornais, que são tema de filmes de ficção científica: deixámos de ver a montanha do outro lado da praia, deixámos de ver a praia, quase que deixámos de nos ver uns aos outros. E agora? Nem este pequeno - diria mesmo derradeiro - prazer nos é permitido?

Olhámos uns para os outros. Encharcados em segundos. O que fazer. Voltamos para os bungalows?

Enfim: molhados por molhados..

Nem foi preciso dizer nada. Continuámos a descer as escadas, pisámos o areal e desatámos a rir. Éramos os únicos na praia. Não se via nada nem ninguém. Cinzento o céu, cinzento o mar, e uma espécie de horizonte desfocado branco-brilhante. Corremos até à água e entrámos. O contraste do mar quente com a chuva fria. O barulho ensurdecedor dos grossos pingos a cair no mar, água a furar água, custava até abrir os olhos, custava até respirar, mas não conseguíamos parar de rir. Falávamos aos gritos, que momento!, que momento!, e todas as horas na estrada, todas as horas de espera, todo o cansaço e as frustrações, tudo se foi. Corpo, espírito, alma - lavou-se tudo e lavou-se bem lavadinho.

Este fim-de-semana, apesar de mais curto um dia, tinha tudo para ser um bom-fim-de-semana.

E foi.

:)

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Imagino que não haja clicks de todas essas risadas...! Que pena! ;)
Mas queremos fotos dessas ilhas paradisíacas... Quando o tempo melhorar, claro! :)

Ines disse...

Adorei o relato! Sente-se o desespero também e a tua alegria ao entrar no mar!
Estamos agora em Kuala Lumpur e confirmamos as chuvadas as 16:30h ;)