Estaria ainda em Bagan?
O Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) sonhava ir um dia para Yangon terminar o curso de Inglês e Turismo.
O Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) sonhava ir um dia para Yangon terminar o curso de Inglês e Turismo.
Fui até ao templo onde o conhecera, durante a viagem de
prospecção para a aventura que organizo com a Nomad. Não estava lá, mas fiquei
a saber que ainda vivia em Bagan - e que no dia seguinte poderia encontrá-lo ali no templo a
partir das nove, dez da manhã. Vinha vender as suas pinturas aos turistas, como antes. Menos mau, pensei, é a hora que arrancamos do hotel com as ebikes, e de
qualquer forma começamos a volta por este templo. Ou seja: amanhã é dia de reencontros. Pensava eu.
No entanto, ao regressar a Nova Bagan para finalmente trocar
dinheiro, lembrei-me que tinha ido uma vez a casa do Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe),
algures numa aldeia ali perto. Meti-me pelo caminho que pensava ser o correcto
e vagueei um pouco tentando reconhecer a paisagem, mas de nada me serviu.
Perdido, voltei para a estrada principal e desisti de o procurar. Amanhã logo se vê.
Voltei ao plano inicial:
trocar dinheiro, portanto.
Encostei a mota e estacionei à frente de um banco com as luzes acesas,
mas rapidamente fui avisado que o estabelecimento já estava fechado, e que já não
poderia trocar dinheiro ali.
"E onde posso fazê-lo, a esta hora?"
Já tinha anoitecido, entretanto.
O segurança apontou para o outro lado da estrada e indicou-me uma
casa particular. Atravessei, dirigi-me a um velhote e ele
mandou-me entrar.
"Senta-te."
E eis que tenho uma espécie de deja vu.
Eu já tinha estado nesta casa. Lembrava-me bem da sala - e do rosto da rapariga que apareceu com uma caixa de metal cheia de notas -, o
Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) tinha-me trazido aqui uma vez.
Troquei o dinheiro e pareceu-me pertinente perguntar pelo
meu amigo. Pelo nome ela não se lembrou, e perguntou-me se eu tinha alguma foto. Procurei no telefone, nos registos que guardo da viagem do ano passado... e lá
estava. Que boa ideia! E que sorriso se fez na cara da rapariga, quando o reconheceu:
"Sim, o Joe Joe (escreve-se Kyaw Kyaw), sei muito bem
quem é. Vive na aldeia de Koló (diz-se assim, não sei como se escreve), ali em
frente por aquela estradinha."
Explica lá isso melhor.
Ela não sabia dizer-me onde era a casa dele, mas indicou-me
o caminho que me levaria à aldeia. Tinha meia hora até à hora combinada, achei que podia
dar uma oportunidade à sorte.
E que sorte.
Meti-me pelo caminho escuro que a rapariga me indicara e segui
sempre em frente até já não haver casas. Sabia que tinha de virar algures à
esquerda, mas depressa deixei de perceber onde e mais uma vez comecei a sentir-me perdido, até que vi um velhote a
caminhar no escuro e achei por bem tentar novamente a minha sorte. Perguntei-lhe pela aldeia.
Falava um inglês impecável.
"É aqui", apontando as árvores à volta, "estamos em Koló."
À nossa volta não havia nada senão breu e bosque.
Mas, segundo o velhote, estávamos no sítio certo. Decidi mostrar-lhe a foto do meu
amigo:
"Estou à procura de um amigo", passei-lhe o
telefone para a mão, "chama-se Joe Joe (escreve-se Kyaw Kyaw).
"O Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe)?", e abriu-se um
sorriso de orelha a orelha que iluminou o bosque e os templos à volta, e toda a
Birmânia e o Universo, "o Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) é meu filho."
Confesso que achei que ele estava a gozar comigo, ou que não
me tinha percebido bem... ou que eu é que não estava a entendê-lo.
"Seu filho?"
"Sim! Eu sou o pai do Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe). Vou
agora para casa, posso levar-te até ele."
Isto estava escrito. Maktub, dir-se-ia noutras latitudes.
Convidei-o a sentar-se no banquinho extra da minha ebike e lá fomos a zumbir e a conversar
pelo escuro, eu ainda sem acreditar muito bem no que estava a acontecer, que
sorte, que pontaria, será que era mesmo ele?
E era. Chegámos a casa e mandaram-no chamar, apareceu com um
sorriso que só sabe quem o conhece. Casou-se, tem uma filha recém-nascida,
abandonou o sonho de Yangon mas continua com a mesma energia, a mesma bondade,
o mesmo companheirismo.
Não mais nos largou, nos dias que se seguiram. Foi de uma
disponibilidade impagável, fez toda a diferença na experiência dos templos e do
tempo, lembrou-nos mais uma vez como é importante ter o coração aberto e o
sorriso rasgado.
E para o ano já não preciso de confiar na sorte, porque como a grande parte dos birmaneses, o Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) já tem telefone.
Obrigado, amigo!
1 comentário:
Que episódio fantástico!!! Grande Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe)...! ;)
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