09/10/2014

MAKTUB

"Estava escrito."

Ou não. Não interessa. Estava, não estava. Aconteceu.

Estes dias. Esta longa viagem de autocarro, uma espécie de teste, só pra ver se aguentas, pensavas que era assim de mão beijada, caía-te no colo e já está. E depois a recompensa. O regresso a esta pequena amostra de paraíso, a fina areia branca a enfiar-se atrevida entre os dedos dos pés, a água transparente onde apetece ficar a tarde toda, os novos amigos e as coincidências, as conversas intermináveis, novas gargalhadas e os mesmos debates, as opiniões e os planos, as lições de vida, as diferenças e as semelhanças. Somos todos iguais. Somos todos iguais. E depois o reencontro com sorrisos que conheço de outras voltas - é tão bom estar de regresso às Perhentian.

Como já mencionei aqui, celebrou-se no passado fim-de-semana o Hari Raya Haji, um dos dias mais importantes do ano para o Islão. É nesta altura que muitos muçulmanos fazem a tão sonhada peregrinação a Meca, e é costume as famílias juntarem-se neste dia. Um dos momentos altos é o sacrifício de vacas, ovelhas ou cabras, que depois são oferecidas aos vizinhos e aos pobres.

O meu amigo Yoe convidou-nos a celebrar com ele o feriado. O Ahmed e o Omar, sendo também muçulmanos, estavam curiosos por ver como se festeja o dia na Malásia. E eu, porque sou curioso por natureza.


Ou seja: depois de uma primeira noite a recuperar o sono e o cansaço da viagem de autocarro, acordámos cedo e apanhámos um water-taxi* para a vila piscatória da ilha, onde vive o Yoe. Quando lá chegámos, muita gente dirigia-se para a pequena mesquita, respondendo ao chamamento. A maior parte das pessoas estava bem vestida, em trajes tradicionais. Havia qualquer coisa de Natal no ambiente. Muito giro. Sentei-me num banco de jardim com o Ahmed, que estava de calções por isso não ia entrar na mesquita. O Omar seguiu com o Yoe e os outros. E depois de acabar a "missa", saíram todos para a rua e fomos comer a casa do Yoe, com a família.


Ainda passámos em casa de alguns vizinhos para provar as especialidades de cada um - mas a experiência ganhou outro interesse quando assistimos ao "ponto alto" destas celebrações: o sacrifício do animal.

Havia umas oito ou nove vacas espalhadas pela vila, compradas pelos locais e trazidas, de barco, do continente para a ilha. Muitas crianças nunca tinham visto uma vaca na vida.

Foram sacrificadas à frente de toda a gente, ao estilo de uma matança do porco.

Confesso que não é espectáculo para qualquer um ver. E por isso mesmo não publicarei algumas das fotos que fiz. Ficam algumas menos explícitas:


Enfim: choque cultural é isto mesmo. Podes não gostar do que vês, pode fazer-te confusão, alguma comichão, ou podes entender perfeitamente e quem sabe até gostar. Ser confrontado com outros processos, outras soluções, outras fontes. Descobrir outras ideias, conceitos e preconceitos.

Mas adiante: pequeno-almoço e matança pela manhã, snorkeling tour da parte da tarde. Exactamente: não mergulhei. Já não tive tempo para me organizar, mergulhar e ainda voar de volta para KL. Desta vez tive mesmo de me (voltar a) contentar com o snorkeling. Mas foi giro. Na companhia dos dois egípcios e de um grupo de dez estudantes do Médio Oriente na Malásia, que passaram a tarde a rir e a cantar, a bater palmas, isto noutra circunstância podia ter sido cansativo ou mesmo irritante, mas foi muito divertido. Não é todos os dias que se conhece gente do Sudão, Iémen, Djibuti, Oman, Arábia Saudita.

O segundo dia foi bem mais calmo, a ressacar a festa na praia da noite anterior. Os egípcios voltaram para KL a meio da tarde, eu fiquei a descansar na praia, a pôr a leitura em dia, a escrita, o sono... que dias bons, que tónico perfeito para recuperar da quantidade de voos e corridas dos últimos tempos.

Agora sim: a bateria está carregada para a época que aí vem, na Birmânia e na Indochina.

* water-taxi é um barco a motor que, a troco de um valor, leva pessoas do ponto A ao ponto B. Como um táxi, portanto. ;) 

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Mais uma crónica que vale ouro!!! :)