"De quantos pôr-do-sol vocês se lembram, na vossa
vida?"
O Pablo tinha um orgulho confesso em partilhar a sua terra
natal com os turistas, e apesar da resistência da família, que não considerava
o trabalho à altura do seu estatuto social, fez-se guia turístico.
"Hoje vão assistir a um pôr-do-sol que jamais irão
esquecer."
O Pablo tinha uma especial aversão a grupos grandes. E a
máquinas fotográficas. Ou seja: andámos o tempo todo a desviar-por-aqui e a
fugir-por-ali, despachem-se porque eles vêm aí, evitando as concentrações de
turistas, que chegavam de minibus em
ruidoso e colorido rebanho. Para nós foi óptimo, claro, porque visitámos o Vale
da Lua, o Vale da Morte, a Quebrada de Kari, as Três Marias e o Mirador do
Coyote, entre muitas dunas, formações rochosas e vulcões ao longe... tudo o que
os outros grupos viram - mas só nós seis, sem niguém à volta a maior parte do tempo. Sozinhos, aos saltos num todo-o-terreno que só acrescentou
emoções fortes ao passeio.
Diz quem sabe destas coisas que o Deserto do Atacama é o
lugar mais seco do planeta. Parece que, em algumas partes, não chove há mais de
quatrocentos anos - e o Pablo explicou-nos que uma das causas deste fenómeno é
o facto dos Andes funcionarem como uma esponja, absorvendo toda a água das
nuvens que se alojam à volta, e por isso é que "deste lado" é tão
seco, e "do outro" tão verde.
A verdade é que o cenário é absolutamente esmagador.
O Vale da Lua deve o seu nome à extraordinária semelhança
que a paisagem tem com a superfície lunar. Explicou-nos o Pablo que havia aqui,
há muitos-muitos séculos, um enorme lago de água salgada que, ao elevar-se
devido a uns "abanões", criou a Cordilheira do Sal. Os depósitos de
areia, barro e sal conviveram durante milénios com inundações, erupções
vulcânicas e muito vento - e a erosão deu nisto: uma área repleta de interessantes
formações rochosas, enormes dunas de areia, depósitos de sal.
É uma experiência inesquecível, o passeio ao Vale da Lua.
Com ou sem turistas à mistura.
"Agora esqueçam as máquinas e fechem os olhos, sintam a
energia que emana da terra, fiquem em silêncio. Encontramo-nos daqui a vinte
minutos ali ao fundo, depois da terceira rocha, eu espero por vocês lá."
O Pablo era um espiritual.
Entretanto ficámos a saber que uma das raparigas que vinha
no carro era geóloga, e tinha reservado o tour
com ele de propósito, para aprofundar um pouco mais. E como queria cortar nos
custos, disponibilizou os lugares vagos no carro para os outros hóspedes do
hotel - nós, portanto.
Há gajos com sorte.
O único lugar onde não conseguimos evitar a multidão foi ao
pôr-do-sol. Mas mal-de-nós se tivessemos a pretensão de estarmos sozinhos num
dos lugares mais bonitos do Chile!
Sentámo-nos perto do Mirador do Coyote, assim chamado por
ser parecido com aquele dos desenhos animados, e deliciámo-nos com o
espectáculo: enquanto o sol mergulhava no horizonte, a paisagem em redor reagia
numa espécie de histerismo cromático, com cores e texturas pouco próprias para
quem se oferece a esta árdua tarefa de "descrever coisas".
No regresso, o Pablo partilhou um dos momentos mais
especiais da sua "carreira". Há alguns anos os U2 vieram tocar ao
Chile e aproveitaram para dar um passeio pelo país. O Pablo foi o escolhido
para os guiar em Atacama, claro. E logo ele, que é um fã. Contou-nos um ou
outro episódio sobre esses dias, e só tinha maravilhas a dizer do Bono Vox, que
"também é um espiritual". Até chorou a ver o pôr-do-sol.
E vocês: de quantos pôr-do-sol vocês se lembram, na vossa
vida?
4 comentários:
Lembro-me desse pôr-do-sol no Atacama como se fosse hoje. Mas também me lembro que vi o concerto dos U2 em Santiago do Chile em 2011. Seria esse concerto que Pablo falava?
Eu adoro o pôr-do-sol e já vi muitos inesquecíveis...!
Mas como este, ainda que seja através da tua máquina, nunca vi nenhum igual!!!
BREATHTAKING!!!
Obrigada por esta partilha, também ela esmagadora!!!
lembro-me de um há uns anos, na praia de Santa Cruz (Torres Vedras) que ainda me fica na memória por toda aquela luz a esvanecer pelo mar de água que é o Atlântico.
Vi Alguns: Nascer e pôr no deserto de Wadi Rum na Jordania, alguns em Moçambique, no Salar de Uyuni...
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