Cinco e meia da tarde. Tínhamos visto o último edifício e começámos a voltar para o centro de Pequim. Às seis era suposto encontrar os outros dois portugueses, que iam embora à noite. E de repente a minha mota deixou de funcionar.
A bateria que a senhora-da-loja tinha garantido que estava cheia: kaput.
Encostei a mota e procurei um ponto de referência. Havia um supermercado numa esquina. Empurrei-a até lá, a amaldiçoar a senhora e a rir com o Hugo, estacionei-a à frente da loja e telefonei à senhora.
Atendeu um homem. Não falava inglês.
"One moment, one moment", gritava-me enquanto corria pelo hutong, a chamar a mulher para me atender. Ou pelo menos era o que parecia estar a fazer, tendo em conta a respiração ofegante e os gritos pelo meio.
Veio a senhora ao telefone. Passou-o a um rapaz.
"Where are you now", pergunta-me num inglês impecável. Disse-lhe o nome da ruaescrito na placa mesmo à minha frente; e o nome do supermercado onde estacionara a mota. Ele vacilou um pouco, pediu-me para repetir, fez uma pausa e sem grandes convicções pediu-me para esperar meia hora, "vou mandar alguém para aí".
Nem pensar que ia ficar ali à espera. Tinha dois "clientes" à espera para jantar, antes de irem para o aeroporto. Tinha de ir ter com eles.
"Nada disso, esperem vocês aí na loja que eu já passo aí."
Sentei-me na mota do Hugo e fomos os dois por Pequim fora, a acelerar o que era possível - a mota não andava a mais de 35km/h - e a rir às gargalhadas. A cada buraco ou lomba, parecia que a motinha se ia despedaçar em mil pedaços.
Que final de tarde emocionante!
Chegámos às seis à lojinha de souvenirs, sempre a rir, nem sei como nos levaram a sério. Expliquei no mapa onde estava a mota, mostrei-lhes as fotografias que tirei à mota, ao estacionamento, ao nome do supermercado e ao nome da rua. Estavam fascinados com a minha solução.
O Hugo ainda disparou um "então a bateria estava carregada, hem?", mas a senhora deu-lhe uma palmada marota no rabo como que a responder tu-não-falas-assim-comigo-que-eu-podia-ser-tua-mãe. Tudo a rir.
E sem mais questões nem dramas, deram-me o passaporte e pronto: problema resolvido. A mota a meia-Pequim de distância, e nós de volta ao metro, de volta ao hutong, de volta ao hotel, para dizer adeus aos últimos companheiros de viagem do Transiberiano.
É mesmo assim: há males que vem por bem, e bens que vêm por mal, e tudo está bem quando acaba bem. E se não está bem, lá dizem os indianos, é porque ainda não acabou.
1 comentário:
ah, ah, ah e não conhecia este ditado indiano, muito giro :)
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