27/04/2013

UM PASSEIO NO PARQUE

Segundo o rapaz da agência que nos fez as reservas dos refúgios, é possível subir até às Torres no dia de chegada e voltar para o refúgio a tempo do jantar. Assim sendo: planeámos cumprir a "primeira perna do W" logo no primeiro dia. Mal chegámos ao refúgio, preenchemos todas as formalidades do check-in, arrumámos as mochilas no quarto, comemos qualquer coisa e equipámo-nos a rigor, porque estava frio e o vento soprava forte.

Saímos do refúgio ao meio dia e meia, cheios de entusiasmo porque, logo no primeiro passeio deste trekking, íamos finalmente ver de perto as Torres del Paine. Se a meteorologia deixasse, claro.

Demos uma rápida vista de olhos ao mapa, vimos que o próximo refúgio/acampamento ficava a cerca de 9km - mais ou menos 3 horas, segundo o mapa, mais uma para subir até ao "ponto de observação" das Torres. Ou seja: cerca de oito horas para ir e voltar.

"Mas como temos um bom ritmo," dissemos um ao outro, "conseguimos fazer isto em sete horas, no máximo."

Ainda nos estávamos a calçar quando vimos dois caminhantes a passar. O mapa já estava guardado, por isso nem foi preciso tirá-lo da mochila - e seguimo-los. Um pouco à frente encontrámos a primeira placa com informações sobre o caminho: dizia que o próximo refúgio ficava a 12km (o mapa estava errado?!), e mostrava quase de forma gráfica a evolução do terreno.

Avançámos.

Primeiro por dourados campos a dançar ao ritmo do vento, depois por uma floresta que parecia tirada de um conto infantil, com árvores que a qualquer momento podiam ganhar vida e atacar-nos. Começámos a sentir os primeiros pingos de chuva ainda nesta fase mais protegida, e quando o caminho ficou mais "aberto", então levámos com chuva gelada e vento, que teimavam em melhorar ciclicamente, para depois voltar a piorar. O céu estava carregado de nuvens cinzentas, muito pouco animadoras, e apesar de termos noção de que muito dificilmente íamos ver as Torres, continuámos a avançar com ânimo. Ambos gostamos de andar, e este trekking estava a saber-nos bem.


Atravessámos um riacho, saltitanto de pedra em pedra, parámos algumas vezes para reforçar energias com os snacks aconselhados pelo herói americano, ultrapassámos outros caminhantes que seguiam com mochilas enormes para fazer o circuito total, mas além de alguns sorrisos e cumprimentos, não houve grande conversa. Seguíamos as marcas laranja à beira do caminho, que nos indicavam por onde ir, de vez em quando lá íamos passando pelas placas que nos informavam sobre a distância já percorrida, a que falta até ao nosso objectivo, e a evolução do terreno. Nada mau. Dificuldade zero, a única contrariedade era mesmo o tempo.

Contudo, cedo nos apercebemos que a distância era realmente maior do que aquela que tínhamos visto no mapa, e pareceu-nos cada vez mais improvável que conseguissemos subir até às Torres e voltar até ao refúgio original, tudo numa só tarde. Aliás: as Torres nem sequer estavam à vista, e o facto do céu estar tão encoberto só contribuiu para reforçar a convicção de que nem sequer íamos conseguir vê-las.

Amaldiçoámos o rapaz da agência algumas vezes, por ter sido demasiado optimista, mas também sabíamos que a meteorologia é madrasta, no parque - e com o tempo que estava hoje, não tínhamos grandes hipóteses de ver fosse-o-que-fosse, mesmo que conseguíssemos lá chegar.

Mas volto a insistir: apesar da chuva e do vento e do frio, a caminhada estava a ser fácil. Não havia grandes escaladas, parte dos trilhos era suficientemente larga para passarem carros, o caminho estava bem assinalado. Maldito americano, que conseguiu assustar-nos com os seus dramas da montanha. Este trekking afinal é facílimo - este trekking afinal é um autêntico "passeio no parque".

O único problema é que as Torres estão mais longe do que imaginávamos.

O tempo melhorou ligeiramente. Já não chovia, o vento tinha parado, até parecia que estava mais calor. O telefone dizia-nos que passavam poucos minutos das quatro da tarde - estávamos a caminhar há mais de três horas, portanto, e quase a chegar ao refúgio de onde seria mais uma hora de caminhada, sempre a subir até ao ponto de observação. Ainda tínhamos fé que o tempo mudasse, que o céu de repente ficasse azul e os passarinhos cantassem à nossa passagem. Tinhamos fé que a subida fosse mais fácil que o previsto, e que fosse possível ver as Torres em toda a sua glória e voltar antes que escurecesse...

...quando subitamente ouvimos gritos.


 
Parecia alguém a chamar-nos. Virámo-nos para trás, ao longe vimos um grupo de quatro caminhantes. Um deles acenava com qualquer coisa na mão - o meu cachecol! Tinha tirado o cachecol, porque estava com calor, e pusera-o no bolso do casaco, em vez de o arrumar dentro da mochila, porque achava que ia precisar dele em breve... deve ter caído, sem eu dar por isso.

Esperámos que se aproximassem e quando isso aconteceu, agradecemos a amabilidade. Entretanto iniciou-se a conversa do costume, where-are-you-froms e etcs, eles vinham carregadíssimos e estavam fascinados com o facto de só trazermos uma mochila pequena.

"É que nós voltamos hoje para o refúgio do início," explicámos. "Vamos só ver as torres, voltamos para baixo e amanhã seguimos para o resto do 'W'."

"Mas isto não é o 'W'."

O tempo parou.

"Como?"

"Vocês estão no caminho errado. Este não é o caminho para as Torres."

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Então como é...? O GPS avariou? :)

kyta disse...

Ops.... WTF!