Saímos do refúgio ao meio dia e meia, cheios de entusiasmo
porque, logo no primeiro passeio deste trekking, íamos finalmente ver de perto
as Torres del Paine. Se a meteorologia deixasse, claro.
Demos uma rápida vista de olhos ao mapa, vimos que o próximo
refúgio/acampamento ficava a cerca de 9km - mais ou menos 3 horas, segundo o mapa, mais uma para subir até ao "ponto de observação" das
Torres. Ou seja: cerca de oito horas para ir e voltar.
"Mas como temos um bom ritmo," dissemos um ao
outro, "conseguimos fazer isto em sete horas, no máximo."
Ainda nos estávamos a calçar quando vimos dois
caminhantes a passar. O mapa já estava guardado, por isso nem foi preciso tirá-lo da
mochila - e seguimo-los. Um pouco à frente encontrámos a primeira placa com informações
sobre o caminho: dizia que o próximo refúgio ficava a 12km (o mapa estava errado?!),
e mostrava quase de forma gráfica a evolução do terreno.
Avançámos.
Primeiro por dourados campos a dançar ao ritmo do vento,
depois por uma floresta que parecia tirada de um conto infantil, com árvores
que a qualquer momento podiam ganhar vida e atacar-nos. Começámos a sentir os
primeiros pingos de chuva ainda nesta fase mais protegida, e quando o caminho
ficou mais "aberto", então levámos com chuva gelada e vento, que
teimavam em melhorar ciclicamente, para depois voltar a piorar. O céu estava carregado
de nuvens cinzentas, muito pouco animadoras, e apesar de termos noção de que
muito dificilmente íamos ver as Torres, continuámos a avançar com ânimo. Ambos
gostamos de andar, e este trekking estava a saber-nos bem.
Atravessámos um riacho, saltitanto de pedra em pedra,
parámos algumas vezes para reforçar energias com os snacks aconselhados pelo herói americano, ultrapassámos outros
caminhantes que seguiam com mochilas enormes para fazer o circuito total, mas
além de alguns sorrisos e cumprimentos, não houve grande conversa. Seguíamos as
marcas laranja à beira do caminho, que nos indicavam por onde ir, de vez em
quando lá íamos passando pelas placas que nos informavam sobre a distância já
percorrida, a que falta até ao nosso objectivo, e a evolução do terreno. Nada
mau. Dificuldade zero, a única contrariedade era mesmo o tempo.
Contudo, cedo nos apercebemos que a distância era realmente
maior do que aquela que tínhamos visto no mapa, e pareceu-nos cada vez mais
improvável que conseguissemos subir até às Torres e voltar até ao refúgio
original, tudo numa só tarde. Aliás: as Torres nem sequer estavam à vista, e o
facto do céu estar tão encoberto só contribuiu para reforçar a convicção de que
nem sequer íamos conseguir vê-las.
Amaldiçoámos o rapaz da agência algumas vezes, por ter sido
demasiado optimista, mas também sabíamos que a meteorologia é madrasta, no
parque - e com o tempo que estava hoje, não tínhamos grandes hipóteses de ver
fosse-o-que-fosse, mesmo que conseguíssemos lá chegar.
Mas volto a insistir: apesar da chuva e do vento e do frio,
a caminhada estava a ser fácil. Não havia grandes escaladas, parte dos trilhos
era suficientemente larga para passarem carros, o caminho estava bem
assinalado. Maldito americano, que conseguiu assustar-nos com os seus dramas da
montanha. Este trekking afinal é facílimo - este trekking afinal é um autêntico
"passeio no parque".
O único problema é que as Torres estão mais longe do que imaginávamos.
O tempo melhorou ligeiramente. Já não chovia, o vento tinha
parado, até parecia que estava mais calor. O telefone dizia-nos que passavam
poucos minutos das quatro da tarde - estávamos a caminhar há mais de três
horas, portanto, e quase a chegar ao refúgio de onde seria mais uma hora de
caminhada, sempre a subir até ao ponto de observação. Ainda tínhamos fé que o
tempo mudasse, que o céu de repente ficasse azul e os passarinhos cantassem à
nossa passagem. Tinhamos fé que a subida fosse mais fácil que o previsto, e que
fosse possível ver as Torres em toda a sua glória e voltar antes que
escurecesse...
...quando subitamente ouvimos gritos.
Parecia alguém a chamar-nos. Virámo-nos para trás, ao longe vimos
um grupo de quatro caminhantes. Um deles acenava com qualquer coisa na mão - o
meu cachecol! Tinha tirado o cachecol, porque estava com calor, e pusera-o no
bolso do casaco, em vez de o arrumar dentro da mochila, porque achava que ia
precisar dele em breve... deve ter caído, sem eu dar por isso.
Esperámos que se aproximassem e quando isso
aconteceu, agradecemos a amabilidade. Entretanto iniciou-se a conversa do
costume, where-are-you-froms e etcs, eles vinham carregadíssimos e estavam
fascinados com o facto de só trazermos uma mochila pequena.
"É que nós voltamos hoje para o refúgio do
início," explicámos. "Vamos só ver as torres, voltamos para baixo e
amanhã seguimos para o resto do 'W'."
"Mas isto não é o 'W'."
O tempo parou.
"Como?"
"Vocês estão no caminho errado. Este não é o caminho para as Torres."
2 comentários:
Então como é...? O GPS avariou? :)
Ops.... WTF!
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